O fechamento da fábrica da Ford, no complexo industrial localizado em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, pegou de surpresa governo, classe empresarial e a população, principalmente quem tem empregos ligados direta e indiretamente a montadora. Muito se falou sobre os motivos que levaram ao fechamento, como custo Brasil, e a indiferença da indústria com relação aos inúmeros incentivos que recebeu ao longo de 20 anos. Nessa entrevista, o economista, professor e consultor de empresas, Ivan Gargur, fala sobre a polêmica gerada com o fechamento.
Pergunta – Qual o impacto direto para a economia baiana com o fechamento da Ford?
Ivan Gargur – Falando em termos fechamento da Ford Camaçari, a empresa vem com vários problemas nos últimos anos. A montadora vinha perdendo espaço para a concorrência, e não é de agora com pandemia mundial. É claro se agravou com a pandemia. Mas não atinge só a Ford. O dólar mais caro afeta quem trabalha com matéria prima importada e todos os outros segmentos. A Ford já vem perdendo espaço em outras esferas como tecnologia e novas formas de trabalhar. Houve o impacto, a economia baiana foi pega de surpresa. A empresa já vinha amaçando sair do País, fechando a unidade de São Paulo, dando sinais, mas não se esperava uma atitude tão rigorosa.
P – E o que isso pode prejudicar a economia baiana? E para a sociedade?
IG – Por incrível que pareça, se for pensar só complexo o impacto não é tão grande assim. A cadeia produtiva em volta dela, sim, pesa. Se for se pensar em números, o complexo automotivo não é tão grande assim. O PIB gerado não chega a 3% na geração riqueza, segundo cálculo da SEI . A perda não seria tão grande. Mas, se imaginarmos outros segmentos e pensar no entorno do complexo, aí muda de figura. Uma coisa é pensar o complexo automotivo. Outra coisa é pensar o comércio e serviços que giram em torno da fábrica. Toda vez que grande empresa deixa uma localidade, milhares pessoas ficam sem salário, prestadoras de serviço fecham, o que prejudica não só Camaçari, mas as cidades no entorno, como Salvador, onde muito trabalhadores residem. O impacto total é difícil de calcular.
“O cálculo que se faz é que os governos estadual e federal, juntos, abriram mão de mais de R$ 20 bilhões”
P – Como funcionava o incentivo fiscal? De quanto Estado/União abriam mão?
IG – A Ford veio para a Bahia numa disputa direta com o Rio Grande do Sul. Para atrair, deram incentivos fiscais estaduais e federais, além de empréstimo do BNDES. Teve redução de IPI, e ICMS. O cálculo que se faz é que os governos estadual e federal, juntos, abriram mão de mais de R$ 20 bilhões. Existe a discussão sobre o fato de o Estado dar dinheiro para empresa se instalarem em complexos industriais. E se o estado não fizer isso? Atrair empresas para locais mais carentes? O Incentivo fiscal é importante, é papel do estado reduzir a disparidade de renda entre regiões, atrair empregos, ter mecanismos para atração de indústrias O perigo é quando vence o incentivo e o estado fica refém da empresa que ameaça sair caso os incentivos não sejam prorrogados.
P – Você acredita na possibilidade de vinda de nova montadora para ocupar o parque industrial na Bahia?
IG – O Governo do Estado criou um grupo de estudos junto com a Fieb visando atrair uma nova montadora para ocupar o espaço da Ford. Gostaria muito que obtivesse sucesso. Se acontecer, ainda assim vai demorar muito. Até onde sabemos, nenhuma montadora estava de olho no parque industrial da Ford. A discussão será muito longa. Se fosse o caso de já ter alguma empresa de olho no investimento…, mas não. A inciativa válida. A China é grande parceira comercial da Bahia e do Brasil. É o País que mais cresce no mundo, mas a cultura chinesa é de ser muito paciente e cuidadosa; ouvir mais do que fala. Se der certo, a economia baiana agradeceria. Mas não seria em curto prazo, nem médio.
“Encargos altos afetam mais as pequenas empresas, mas dizer que reduzir encargos vai aumentar geração emprego, é mentira.”
P – O Custo Brasil é empecilho para a saúde financeira das grandes empresas?
IG – Se discutiu muito o custo brasil. É importante dissecar o que há dentro custo Brasil. Questões importantes referentes a infraestrutura, tributária, educacional, a própria burocracia do estado. Vários itens compõem o “custo Brasil”. O que primeiro vem à tona no entanto são os encargos trabalhistas. Empresários e Governos se aproveitam disso para tentar reduzir direitos trabalhadores. Esse caso da Ford nada tem a ver com encargo trabalhista. É falácia se reduzir o debate aos encargos trabalhistas. O que “contrata” é o crescimento econômico. A reforma foi feita, mas não houve salvação. Encargos altos afetam mais as pequenas empresas, mas dizer que reduzir encargos vai aumentar geração emprego, é mentira.
P – E essa polêmica criada entre Brasil e Argentina?
IG – É mais a questão da rivalidade, como no futebol. Tem que entender a reestruturação mundial da Ford. O complexo de Camaçari é voltado para veículos mais populares, modelos como o Ka, com baixo valor agregado. Na Argentina são produzidos veículos mais caros, com margem de lucro maior, como as pickups. A descontinuidade foi baseada nas plantas que produzem veículos populares. O que se anunciou são mudanças estruturais, questões estratégicas. A opção não foi trazer modelos de lá ou levar os daqui para lá, foi descontinuar a produção desse formato de planta. O fechamento acaba com milhares de empregos, diretos e indiretos. O impacto não é só o complexo automotivo. Tudo do entorno, de comércio e serviços, é afetado também.
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Entrevista concedida ao jornalista Chico Araújo ( @chico.araujo92 / [email protected] )