Do antigo método de fazer farinha, com equipamentos de madeira e cipó, os produtores da comunidade quilombola de Cordoaria, em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), guardam as histórias e cantigas que entoavam durante a produção. Há pouco mais de um mês, eles começaram a trabalhar em uma nova casa de farinha, totalmente reformada e com equipamentos novos. Mesmo com a cevadeira motorizada, a prensa de metal e o forno mecanizado, a farinha guarda o diferencial de produto artesanal.
A reforma e os equipamentos são resultado do Edital de Apoio a Empreendimentos Econômicos Solidários e a Redes de Economia Solidária de Matriz Africana. A ação da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre) disponibilizou cerca de R$ 8,2 milhões para mais de 50 projetos, contribuindo para o resgate da dívida social histórica com os afrodescendentes da Bahia.
Segundo a coordenadora de Fomento à Economia Solidária da Setre, Lívia Borges, além do projeto de Cordoaria, iniciativas em outros setores receberam o apoio. Todas as propostas têm relação com o desenvolvimento econômico das comunidades, mas também guardam o modo de vida e a memória desses povos.
“O edital vem com o objetivo de gerar renda e criar redes de economia solidária, preservando a cultura de matriz africana, em diversas cadeias produtivas, em quase todos os territórios da Bahia. Temos projetos para confecção de adereços de axé e roupas de orixás. Temos ervas medicinais, turismo étnico, gastronomia e cultivo do dendê. A diversidade é grande. É um edital que tem impacto real na geração de renda para essas comunidades”, destaca a coordenadora da Setre.
Cordoaria
Para os agricultores familiares que vivem da produção e do beneficiamento da mandioca em Cordoaria, os investimentos são resultado do Projeto Multicultivo Quilombolas de Cordoaria, contemplado com recursos de R$ 121 mil do edital. A iniciativa beneficia 35 famílias da comunidade. Além de equipamentos como balança, máquinas de beneficiamento, cevadeira de mandioca, prensa, raladores e motores elétricos, elas receberam kits com carrinho de mão, botas, luvas e ferramentas. Os equipamentos ampliaram a produção diária de quatro para dez sacos de farinha.
Para Florisvaldo Gomes, conhecido como Seu Dadu e um dos produtores mais antigos de farinha em Cordoaria, o conhecimento veio da família. Aos 65 anos, ele é da terceira geração de agricultores que vivem de casa de farinha. Mesmo com a modernização do processo, ele acredita no valor daquilo que produz, assim como o avô já fazia há mais de 100 anos.
“Antes era na força do braço, com tachos ‘acanhados’. Hoje, com a máquina, não. O processo manual fez muita gente até desistir de fazer farinha. Mas mesmo com tudo isso, a farinha que fazemos aqui tem o valor agregado, porque trazemos o domínio da produção de muito tempo, da tradição, da seleção de mandioca que temos aqui. É um produto muito diferenciado”, conta Dadu.
Banco de sementes
A seleção de mandioca citada pelo produtor recebeu atenção especial no Projeto Multicultivo Quilombolas de Cordoaria, que incluiu um banco de sementes – criado com o investimento do edital. Segundo o coordenador do projeto, Jorge Nascimento, esse é mais incentivo para o produtor e para a manutenção da cultura, da mandioca e da capoeira na comunidade quilombola.
“O banco funciona como suporte de variedades de mandioca. São dez tipos de mandiocas nativas que são trabalhadas pelos quilombolas aqui. Para que elas não se percam, nós cultivamos e cedemos para os produtores as mudas que eles acharem que vão crescer melhor em suas terras e que eles se identificam mais”, explica o coordenador.
Jorge Nascimento acrescenta que o banco de sementes ainda “fornece plantas medicinais, para preservar uma questão cultural local que são as ervadeiras. Como o projeto foi proposto por uma associação de capoeira, promovemos o cultivo sustentável da biriba, para a produção de berimbau, e o plantio de cabaça, também fornecendo mudas dessas espécies”.
Secom