A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) divulga, nesta sexta-feira (21), a autorização de produtos sem registros em casos de pacientes cujas possibilidades de tratamento foram todas esgotadas. Portadores de doenças raras e pacientes sem chances de cura serão os principais beneficiados.
A nova norma, que é a maior quebra de paradigma na história da Anvisa, será anunciada durante a convenção da OMS (Organização Mundial da Saúde) em Genebra, na Suíça.
Na prática, as novas normas permitirão tratamentos com terapia celular e terapia com células-tronco no Brasil. Até esta semana, ambos não eram autorizados. A exceção em um tratamento com terapia celular no Brasil ocorreu no ano passado, durante ensaio clínico na USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto.
O paciente mineiro Vamberto Luiz de Castro, de 62 anos, praticamente se curou de um linfoma, que estava em estágio avançado. O acompanhamento desse paciente não foi mais possível porque ele morreu após um acidente doméstico dois meses depois de voltar a Belo Horizonte.
Os ensaios clínicos em universidades são diferentes das autorizações que a Anvisa passa a conceder com as novas normas. A partir de agora, um médico capacitado para o tratamento, por exemplo, pode fazê-lo independentemente de estar ligado a uma determinada pesquisa específica.
Se ele tiver um paciente sem mais alternativas terapêuticas, poderá pedir a autorização na Anvisa e tratar essa pessoa, como explica o gerente de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos (GSTCO) da Anvisa, João Batista da Silva Júnior.
— Agora existe a possibilidade de outros pacientes terem acesso às terapias de ponta sem estarem ligados a um ensaio clínico.
No caso da terapia gênica, que é o tratamento baseado na introdução de genes sadios com uso de técnicas de DNA recombinante, o rigor da Anvisa era ainda maior. Com a nova norma, a agência passa a ter 30 dias para liberar o procedimento e, caso não conclua a avaliação nesse prazo, o médico está automaticamente autorizado a prosseguir com o tratamento.
Expectativa de cura
No caso da terapia celular, a expectativa de cura no mundo é para vários casos de câncer. No caso da terapia gênica, já existem muitos casos de sucesso nas áreas de ortopedia, recuperação de cartilagem e oftalmologia. Mas João Batista lembra que não existem limites para essas técnicas.
No Brasil, o maior entrave era mesmo os processos de liberação da Anvisa, que agora foram flexibilizados.
— Estamos sendo audaciosos porque tecnologias só são aceitas aqui quando estão muito robustas lá fora. Mas dessa vez quisemos ser proativos senão a ciência no Brasil fica travada.
Nesses tratamentos excepcionais que a Anvisa vai liberar sem registro, os pacientes serão acompanhados de perto pela agência durante 5 anos. E a revalidação dos processos dependerá da eficácia do tratamento nessas pessoas.
As novidades incluem também novas classificações para produtos para doenças raras, que passam a ter seus registros aprovados com maior rapidez no país. Hoje, o tempo para liberação é de cerca de um ano e, nesses casos, passa a ser de, no máximo, 120 dias.
Para esse avanço, a Anvisa estudou e avaliou processos semelhantes na Europa, Estados Unidos e Japão. O Brasil se torna o primeiro da América Latina a quebrar essas barreiras para tratamentos e produtos inovadores.
Comemoração
A ideia é considerada audaciosa na própria Anvisa e está sendo muito bem recebida tanto pela comunidade científica como pelos laboratórios. Pesquisadores brasileiros se sentirão mais motivados a apostarem em novos tratamentos, e os laboratórios mais seguros em se associarem aos pesquisadores nacionais. Antes, diz João Batista, a indústria farmacêutica temia investir sem saber se a Anvisa aprovaria o procedimento.
O chefe do Serviço de Hematologia e Terapia Celular do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Vanderson Rocha, comemorou a decisão da Anvisa. Isso porque vai facilitar muito as pesquisas e utilização de células geneticamente modificadas para o tratamento do câncer e doenças genéticas no Brasil.
— Trata-se de um grande avanço na filosofia da Anvisa, fruto de um aprendizado com outros países, principalmente Europa e Estados Unidos.
Ele lembra que, no ano passado, participou de diversos fóruns sobre o tema e que, diante das novas normas, percebe-se que a Anvisa soube ouvir as ponderações da comunidade científica.
Segundo Rocha, além de favorecer os pacientes, a decisão da Anvisa vai incentivar o desenvolvimento da pesquisa em torno desses tratamentos inovadores que, por sua vez, agilizará a chegada das terapias nos serviços públicos de saúde.
— O setor privado vai adquirir experiência e desenvolver técnicas mais compatíveis com a realidade brasileira, que poderão ser aplicadas no público a custos bem menores.
A expectativa da agência é que, por meio desses modelos excepcionais, surgirão propostas de estudos controlados e até parceiros financeiros interessados. Outra vantagem será coibir as ofertas de tratamentos alternativos absurdos e sem qualquer eficácia científica, que acabam atraindo pacientes já sem alternativa de cura.
Veja a reportagem completa sobre o assunto no Jornal da Record desta sexta-feira (21), a partir das 19h45.
R7