A estratégia utilizada na recuperação das florestas e matas ciliares destruídas pela tragédia da Samarco em Minas Gerais deverá gerar trabalho extra no futuro, afirma o pesquisador da USP que comandou um estudo, em parceria com o Greenpeace, sobre a recuperação das margens dos rios devastadas pela lama do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG).
“O esforço que a Samarco e a Renova estão fazendo é válido, mas [foi] feito sob muita urgência, meio no desespero. Falta olhar para essa recuperação com mais cuidado, de um ângulo experimental, testando em áreas pequenas o que é mais eficiente e, então, replicar em larga escala”, afirma o professor de Ciências Biológicas da Esalq/USP Ricardo Ribeiro.
A fundação Renova foi criada em março de 2016 após um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado entre o MPF (Ministério Público Federal) e Samarco, BHP Billiton e Vale, suas acionistas.
Ribeiro aponta como falhas no projeto o plantio somente de plantas de crescimento rápido, processo conhecido como adubo verde, e a escolha das espécies usadas nesta etapa. “Para reduzir custos e prazos, o método mais usado é plantar espécies nativas junto com o adubo verde. Essa estratégia deles vai aumentar significativamente o custo”, afirma, destacando que o modelo já é usado em áreas de floresta em todo o Brasil com resultados positivos.
Após a tragédia, a Samarco contratou a multinacional Golder Associates para executar a recuperação ambiental das áreas atingidas. Foram selecionadas 15 espécies de rápido crescimento. “Estas espécies, algumas leguminosas, servem para proteger o solo, incorporar matéria orgânica nele e prevenir a erosão”, explica Leonardo Silva, engenheiro agrônomo à frente do projeto na fundação Renova, que substituiu a Golder.
Silva explica que foi escolhido um trabalho em duas etapas. A primeira contempla a recuperação de 101 afluentes em 113 km dos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce, e o plantio desse adubo verde em 2.100 hectares (área maior que a ilha de Fernando de Noronha) até dezembro de 2017. “A partir disso faremos o plantio de 600 hectares de florestas até 2020, acompanhando o desenvolvimento até 2026”, conta.
O professor titular da USP critica a escolha das espécies.“Algumas destas plantas são agressivas com as nativas, então terão de ser retiradas manualmente pela Renova, o que representa mais trabalho e custo”, afirma, comentando que optaria por duas espécies que são mais utilizadas em recuperações de floresta em todo Brasil e consideradas mais seguras.
Dimensão inédita
Em 5 de novembro de 2015, 34 bilhões de litros de rejeitos de mineração de ferro da mineradora Samarco foram lançados no meio ambiente após o rompimento da barragem de Fundão, que ainda causou o transbordamento da barragem Santarém. Grande parte desse material se depositou nas margens de rios em Minas Gerais, formando uma espécie de tampão sobre o solo, como conclui o estudo produzido pela Esalq/USP e divulgado nesta segunda-feira (15).
A dimensão da tragédia e seu impacto representam um desafio nunca enfrentado por especialistas em recuperação ambiental, nem mesmo em outras partes do mundo, segundo Ribeiro. “Estamos desenvolvendo uma metodologia que nunca foi usada, e esperamos que não volte a ser”.
De acordo com o texto, “a lama de rejeito, após a secagem, forma uma crosta espessa e compacta que funciona como barreira física ao desenvolvimento de raízes e novas plantas, além de dificultar a infiltração de água no solo compactado. Essa crosta formada pelos rejeitos de minério apresenta níveis muito baixos de matéria orgânica e de alguns nutrientes fundamentais para o desenvolvimento de espécies florestais”.
Ribeiro e a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queirós) são consultores no projeto de recuperação de 20.000 hectares realizado no Espírito Santo pela empresa de celulose Fibria. Ele comenta o passo-a-passo do trabalho, o maior do Brasil atualmente. “Eles começaram plantando apenas árvores nativas, mas acabaram adotando o método misto com adubo verde porque diminui muito o custa com resultados iguais ou melhores”.
Segundo Leonardo Silva, da Renova, a área a ser recuperada em Minas é bem menor, cerca de 10% da área da Fibria no Espírito Santo, mas nunca foi feita uma restauração de floresta sobre lama de rejeitos nessas proporções. “Não estamos preocupados com o gasto gerado; o método a ser adotado foi escolhido em parceria com a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais) por ser considerado o mais eficaz”, defende. Em sua página institucional, a estatal mineira afirma ser referência nacional e primeira empresa do ramo no Brasil.
Árvores Mortas
Outro problema visível às margens do rio Gualaxo do Norte, o mais próximo a Bento Rodrigues e mais afetado na tragédia, é a grande quantidade de árvores mortas. Às margens dos rios ficam povoados também devastados, como Gesteira e Paracatu de Baixo, e também muitas áreas de florestas.
Muitas árvores dessas áreas foram arrancadas pelo ‘tsunami’ de lama ocorrido em 5 de novembro de 2015. No entanto, as que permaneceram e estão mais próximas dos leitos dos rios estão aparentemente mortas.
“Nós questionamos se deveríamos arrancar estas árvores — mas antes estamos aguardando, porque algumas podem se regenerar”, conta Leonardo Silva.
— No entanto, foi avaliado que a existência destas árvores é importante por funcionarem como poleiros de aves. E estas aves realizam a adubação do solo e a dispersão de sementes através das fezes.
Entre erros e acertos apontados, ambos especialistas afirmam que o ineditismo da situação gerada pelo maior rompimento de uma barragem de mineração no mundo apresenta um desafio para a recuperação do meio ambiente, em uma região já historicamente degradada pela exploração da floresta e matas ciliares para a agricultura e pecuária.
R7