Pelo menos sete das mais de 170 vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento no mundo poderão ser colocadas à disposição dos brasileiros, pelo poder público ou no mercado privado, a partir de 2021, se todas forem aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Quatro delas estão na fase 3 de testes, a final, no Brasil: a CoronaVac, parceria chinesa com o Instituto Butantan; a da universidade britânica de Oxford com o conglomerado anglo-sueco AstraZeneca; a da multinacional de origem norte-americana Pfizer associada ao grupo alemão BioNTech; e a dos norte-americanos da Johnson & Johnson com o laboratório Janssen, da Bélgica.
O governo brasileiro ainda não decidiu se investirá na CoronaVac e estuda incluir também a do grupo Bharat Biotech, da Índia, caso ela receba o aval da Anvisa (conheça aqui, em detalhes, a situação atual de cada uma das sete vacinas).
A ansiedade natural de se ver protegido, somada às polêmicas pela adoção de uma ou outra vacina, gerou em muitos a vontade de tomar vacina de mais de um fabricante nesses meses iniciais. Desejo sempre acompanhado de uma dúvida importante: será que isso poderá ter efeito negativo e fazer mal à saúde?
A resposta de dois dos maiores especialistas brasileiros em infectologia, patologia e vacinação consultados pelo R7 é a seguinte: como os pesquisadores ainda não possuem – e não deverão possuir tão cedo – uma resposta cientificamente comprovada para a questão, mesmo porque não há voluntário para mais de uma vacina ao mesmo tempo nos testes, cedo, a atitude correta agora é tomar doses de vacina de um único fabricante.
“Os estudiosos ainda não possuem elementos para sanar essa dúvida. E certamente só poderão dizer algo seguro sobre isso com as avaliações, após algum tempo de vacinação em massa no Brasil e no mundo”, alerta o patologista e pesquisador Paulo Saldiva, professor titular do Departamento de Patologia da USP (Universidade de São Paulo). “Por isso, antes que conheçamos os efeitos de cada imunizante, o certo é tomar apenas uma das vacinas”, acrescenta ele.
Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas e dos hospitais Santa Joana e Pro Matre Paulista, tem a mesma opinião. “Neste primeiro momento eu não tomaria nem tampouco aconselharia meus pacientes ou qualquer brasileiro a tomar mais de um imunizante”, resume.
A pesquisadora apresenta seus motivos. “Em outros casos históricos, as pessoas, é verdade, acabaram sendo vacinadas com imunizantes de fabricantes distintos, o que se chama na medicina de intercambialidade”, explica. “Mas isso depois de um tempo, com o estudo dos efeitos, a exemplo do que ocorreu com a meningite e outras doenças. No caso do coronavírus, será necessário cuidado absoluto nessa fase inicial. Até porque as vacinas são desenvolvidas com tecnologias diferentes e a combinação delas no ser humano precisa ser estudada com cautela e responsabilidade”.
Os primeiros consórcios a publicarem estudos de suas vacinas apresentaram índices animadores. A Pfizer divulgou 95% de eficácia após o 28º dia de aplicação. O laboratório americano Moderna, 94,5%. E a Oxford, média de 70%, com pico de 90% no grupo que recebeu a primeira dose integral e a segunda fracionada. Nos primeiros estudos, os índices da vacina russa superaram 95%.
Os chineses da CoronaVac ainda não publicaram resultados finais, mas anunciaram a produção de anticorpos em 97% dos voluntários avaliados nas fases 1 e 2. Todos esses índices estão bem acima da eficácia de 50% considerada mínima pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para um imunizante ser usado em massa. A eficácia das vacinas de gripe aplicadas anualmente no Brasil, por exemplo, gira em torno dos 60%.
Uma vacina com 95% de eficácia significa que uma pessoa imunizada por ela terá 95% menos chance de desenvolver a doença, se comparada aos que decidiram não serem vacinados nas campanhas ou, em casos pouco prováveis, a quem tenha tomado placebo como voluntário nos testes e, depois, optado por não se imunizar.
A maioria das principais vacinas será aplicada em duas doses, em intervalos de duas a quatro semanas. “Mesmo que o poder público compre as doses e as ofereça gratuitamente, as pessoas terão níveis de dificuldade diferentes para ter acesso a imunizantes distintos. Ainda não se sabe quais delas estarão à disposição da população sem custo, em cada estado ou região, e as que serão vendidas”, destaca Rosana.
A pesquisadora resume: “Diante dessa realidade, tomar as duas doses de um mesmo fabricante, e apenas elas, é a atitude correta e responsável até que a ciência possa responder, com segurança, se o cruzamento fará mal ou não. Essa não é a hora de pensar que a mistura de vacinas dará a tão sonhada imunidade de 100%”.
R7