Em uma brincadeira na internet, quando ainda começava no taekwondo, Milena Titoneli respondeu a perguntas de amigos, amigas e desconhecidos. Uma delas foi qual era sua palavra favorita.
“Comida”, ela respondeu. De qual marca?, foi a questão seguinte. “Sendo comida está bom.” Ao ser lembrada pela Folha sobre o diálogo, Milena, 22, faz cara de espanto por aquilo ainda estar na rede. Depois reconhece que pouco mudou. “Comida me faz feliz.”
Também pode lhe dar uma medalha olímpica. Na infância, comer demais a fez engordar. Por causa disso, sua mãe , Rosemeri, disse à menina de 12 anos que ela teria de fazer algum esporte. Imaginava ver a filha escolher basquete ou vôlei. Deu taekwondo para preocupação também do pai Everaldo. Ele se assustou ao vê-la chegar em casa com hematomas. Milena já quebrou o nariz cinco vezes.
Esses foram efeitos colaterais de ter se tornado a principal atleta brasileira da modalidade na categoria até 67 quilos. Foi medalhista de bronze no Mundial de 2019, disputado em Manchester, na Inglaterra.
“Eu me encantei com o taekwondo. É algo que eu nunca tinha visto, de chutar. Tenho perna grande e era um pouco desajeitada. Primeiro chute que dei, achei legal. Eu gostava de handebol, mas não me dava bem nos outros esportes. No vôlei, sempre tomava bolada na cara”, relembra, bem-humorada.
Competir na Olimpíada a deixa ansiosa e, por isso, ela faz trabalho psicológico todas as semanas. “Tento levar a ansiedade para o lado bom, não para o ‘ai meu Deus, faltam não sei quantos dias para os Jogos'”, afirma Milena, que conseguiu pelo menos ver o lado bom do adiamento da Olimpíada, marcada originalmente para julho de 2020.
Milena logo percebeu que a mudança de data e a pandemia lhe dariam tempo para fazer algo que era difícil no início de 2020: treinar. A sequência de competições dificultava seu cronograma de práticas.
Desde março do ano passado, quando começou a pandemia, ela já passou por dois períodos de preparação na Sérvia, de cinco meses no total. Também viajou com integrantes de sua antiga equipe para chácaras em São Roque e Vargem Grande, no interior de São Paulo. Foi quando testou equipamento de realidade virtual em que simulava lutas contra possíveis adversárias na Olimpíada de Tóquio.
“Como não podíamos lutar, eram colocadas as características do oponente na máquina e treinávamos assim. Usamos por pouco tempo. Em seguida fui para a Sérvia. Mas era uma ideia muito boa, mesmo que não tivesse o contato físico e não pudéssemos sentir a força [dos golpes]”, ressalva.
Ao pisar no tatame do Makuhari Messe Hall em 26 de julho, em Tóquio, Milena já sabe no que vai pensar. Será em todos os dias que foi assistir às competições de taekwondo na Rio-2016, ano em que entrou para a seleção brasileira adulta. Ou nas madrugadas em que ficou acordada para ver Natalia Falavigna conquistar a medalha de bronze nos Jogos de Pequim, em 2008.
Será a realização de um sonho que para ela começou a ficar sério em 2015, quando passou a acompanhar a preparação de outros atletas para a competição.
“Percebi que eu queria aquilo para mim também.”
Vai tentar pensar no pai, nervoso, assistindo à luta pela TV, em São Paulo. Ele diz não gostar de ver a filha lutando ao vivo porque dá azar. Mas Milena afirma ser mentira. É por causa da ansiedade que sente. “Já me contaram que ele quase teve um ataque do coração”, completa.
Antes disso, a atleta tem o Pan-Americano da categoria, a última competição antes do embarque para o Japão.
Ela lamenta que a pandemia de Covid-19 irá impedir a presença de torcedores estrangeiros no país. Sua irmã, Amanda, passou dois anos economizando dinheiro para acompanhá-la in loco. Seus pais, donos de uma corretora de seguros, talvez estivessem presentes, uma recompensa após vários anos financiando as viagens da filha para competir.
O pódio também seria para ela o sinal de vitória após se privar dos hambúrgueres e chocolates que confessa adorar comer, mas que precisa evitar para se manter no peso de sua categoria. Patrocinada pela Ajinomoto, ela recebe da empresa todos os suplementos e produtos que fazem com que se alimente de forma saudável.
Com ou sem medalha, Milena sabe também como pretende comemorar a realização do sonho olímpico. Quer cumprir a promessa que fez a si mesmo de ir a uma conhecida rede de fast food em todas as cidades em que está presente para competir.
Não por acaso, os amigos deram um apelido para a menina que era gordinha e virou esperança brasileira do taekwondo: Big Mac.
Bahia Notícias