Se construídos, os 30 andares do já polêmico edifício La Vue, pivô da principal crise enfrentada até agora pelo governo Michel Temer, bloquearão a visão de uma das principais áreas históricas de Salvador e lançarão sombra sobre a praia mais visitada da capital baiana, afirmam as autoridades do patrimônio histórico.
“Levar o prédio para conversar com eles”, pensaram os estudantes Matheus Tanajura e Raphael Gazotti, autores do bem-humorado protesto que viralizou neste fim de semana – já foi compartilhado mais de 6 mil vezes nas redes sociais.
Inspirado em uma iniciativa similar de ativistas do Recife, eles vestiram uma fantasia que simula o La Vue e circularam pelo Porto da Barra na última sexta-feira, causando surpresa entre banhistas.
“Teve gente que perguntou se aquilo era propaganda do prédio”, conta Gazotti, que estuda geografia na Universidade Federal da Bahia e literalmente vestiu o edifício enquanto o colega, formando em Arquitetura e Urbanismo, filmava a ação.
“Mas a maioria ficou curiosa. Muita gente já acompanhava o caso e se envolveu com a história. Outros não tinham ideia e ficaram surpresos. Apesar de estar em um bairro nobre, a praia tem um perfil bem popular e é frequentada por muitas classes. Foi uma maneira de mostrar como aquele predião que aparece na televisão, na capa do jornal, pode afetar diretamente a sua vida.”
Durante o passeio, os estudantes paravam na frente de banhistas e projetavam a sombra sobre quem tentava se bronzear, simulando o efeito da construção – que prevê apartamentos de 4 suítes e quatro vagas de garagem, com preços que variam entre R$ 2,5 milhões e R$ 4,7 milhões.
“Queríamos mostrar como a especulação imobilíaria literalmente invade a vida das pessoas e não afeta só moradores, mas aqueles que circulam, principalmente quem frequenta a praia”, diz Gazotti. “Imagina quantos carros esse prédio vai trazer às ruas estreitas da região?”
Os prédios vizinhos têm, no máximo, 10 andares – muitos deles, sem garagem.
‘Quem é a especulação?’
A construção resultou na queda do sexto ministro de Temer em seis meses de governo.
Acusado pelo ex-ministro Marcelo Callero (Cultura) de pressão pela liberação das obras, que estão embargadas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural), o agora também ex-ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) enfrenta mais um agravante: ele é o dono de um dos apartamentos do empreendimento.
Ele nega ter pressionado o colega.
A construção foi embargada por possíveis impactos em bens históricos da época da fundação da capital baiana (século 16), como a Igreja de Santo Antônio da Barra e o Forte de São Diogo, nos arredores do terreno.
O futuro arquiteto e urbanista Matheus Tanajura pergunta, durante a conversa com a BBC Brasil:
“O caso é revoltante, mas permitiu uma discussão interessante para a cidade: afinal, quem é a especulação imobiliária: são as construtoras, são os próprios governantes, está tudo misturado?”
Ele conta que a fantasia se inspira no bloco carnavalesco Empatando Tua Vista, de Recife, que também se “veste de edifícios” para questionar a construção de grandes empreendimentos em áreas históricas, como os que seriam construídos no cais Estelita, caso emblemático no Estado.
“A Troça Carnavalesca Mista Público-Privada Empatando Tua Vista é um ato político-folião crítico à verticalização excessiva, que negligencia o planejamento urbano, a história do lugar, privatiza o descortinar das águas, a paisagem e a vista dos monumentos”, diz a descrição da página pernambucana no Facebook.
“Quando você vir torres no meio de outros blocos, junte-se a nós e venha brincar o Carnaval e declarar seu amor pelo Recife.”
Os pernambucanos saudaram os vizinhos baianos. “Tudo deriva pra tudo se transformar. A ideia se espalhando contra aziminiga é lindo”, escreveram.