O estudo Augustus, liderado pelo médico brasileiro Renato Lopes, professor da divisão de cardiologia da Duke University Medical Center, define novos caminhos para o tratamento de infarto em pacientes que têm fibrilação atrial que incluem a não utilização de aspirina. O estudo Augustos foi feito com 4.614 pacientes de cerca de 500 centros de 33 países, inclusive o Brasil. Ele foi debatido no 36º Congresso de Cardiologia da Sociedade de Cardiologia do Rio de Janeiro (Socerj) e publicado na edição de março no New England Journal of Medicine.
Renato Lopes disse à Agência Brasil que a pesquisa traz uma resposta muito específica para o paciente que tem fibrilação atrial e sofre um infarto do miocárdio ou que coloca um stent (uma peça expansível inserida dentro da artéria para evitar uma obstrução), “porque a gente tem que combinar diferentes remédios para afinar o sangue”. O paciente com fibrilação atrial precisa de medicação anticoagulante e o que apresenta quadro de infarto tem que usar dois antiagregantes plaquetários, cujo principal representante é o ácido acetilsalicílico (aspirina).
Lopes explicou que os médicos ficam indecisos em relação ao que fazer quando o paciente apresenta fibrilação atrial, tipo de arritmia mais comum da prática clínica, e infarto. “A gente não pode só ficar somando um monte de remédios porque o risco de sangramento é muito alto”. Segundo Lopes, é preciso tentar descobrir qual é a combinação de tratamento que dá o maior benefício líquido, isto é, que dá maior redução em eventos isquêmicos, como acidente vascular cerebral (AVC), infarto e trombose de stent, com menor risco de sangramento.
Melhor combinação
O estudo mostrou que a melhor combinação é usar um anticoagulante mais moderno, como a apixabana, junto com apenas um antiagregante plaquetário, retirando a aspirina. “Porque ela (aspirina) só causou malefício, provocando muito sangramento, e não trouxe nenhum benefício para diminuir outros infartos ou outras tromboses de stent.
O médico ressaltou que como a aspirina é muito importante para o paciente que tem só o infarto, as pessoas acreditavam que esse remédio deveria ser mantido também para pacientes com arritmia. O estudo mostrou agora que uma das drogas mais antigas da medicina, que é a aspirina, pode ser desprezada, porque vai causar mais mal do que bem.
A adição de aspirina ao esquema terapêutico aumenta o risco de sangramento em 89%. O estudo orienta que os médicos adotem a terapia dupla de anticoagulante mais antiagregante do tipo clopidogrel sem aspirina, ao contrário da terapia tripla com aspirina, empregada anteriormente, durante, pelo menos, seis a 12 meses. A partir de 12 meses, é recomendado a terapia única com o anticoagulante, no caso a apixabana.
Custos
Lopes destacou que não usar a aspirina vai evitar muitos sangramentos, que podem levar o doente a ser mais hospitalizado. Sem ela, cessa a necessidade de hospitalização. “Diminui a hospitalização por sangramento e, com isso, reduz os custos com saúde pública”.
Renato Lopes informou ainda que a incidência da fibrilação atrial aumenta diretamente com a idade. Em torno de 1% da população mundial tem fibrilação atrial. Se considerarmos apenas as pessoas mais velhas, acima de 80 anos, a incidência pode chegar até 25%.
No Brasil, existem poucos dados disponíveis. Um registro inédito de fibrilação atrial nacional que se acha em andamento, chamado Recall, liderado pelo médico brasileiro, será encerrado em 2020. A expectativa é que traga dados importantes sobre a doença no país.
Diretrizes de saúde
Outro estudo inédito publicado no Journal of the American Medical Association (Jama) por Renato Lopes e sua equipe fez uma revisão detalhada das diretrizes em cardiologia adotadas pela American College of Cardiology/American Heart Association e pela European Society of Cardiology.
O estudo descobriu que apenas 8,5% das diretrizes americanas e 14,2% das europeias provêm de estudos de nível de evidência A, a mais completa e abrangente.
“Quando a gente tem uma diretriz, o que se espera é que as recomendações venham do que existe de mais forte em termos de evidência, que são ensaios e estudos clínicos bem desenhados, que incluam vários países e tenham bastante dados. Ou seja, que tenham o maior nível de evidência para que haja maior certeza para tratar o doente. Isso é chamado de nível de evidência A”.
Renato Lopes disse que, infelizmente, a maior parte das diretrizes norte-americanas e europeias, de nível A, apresenta média de 10% . “Isso mostra que grande parte das evidências em cardiologia, que a gente faz no dia a dia, não são evidências com grau elevado de certeza que aquela recomendação faz bem ou mal. A gente não tem grande certeza sobre o benefício ou malefício daquela recomendação. Isso é um problema porque a gente tem que tratar o doente e acaba não tendo a certeza que precisa para promover o melhor para o paciente”.
Mudança radical
Lopes indicou a necessidade de haver uma mudança radical no mundo, no sentido de que sejam feitos estudos mais amplos, mais rápidos e mais baratos para gerar mais evidências de alto nível que possam ser traduzidas em diretrizes e recomendações aplicadas pelos médicos objetivando um tratamento mais adequado.
O médico defende que, para que se possa elevar o nível de qualidade das evidências em cardiologia, é importante um movimento que envolva a indústria farmacêutica, agências governamentais de fomento, a academia, e uma parceria público privada para que mude a maneira como se faz pesquisa clínica no mundo.
Segundo Lopes, as pesquisas têm que ser mais pragmáticas e menos burocráticas. “Os órgãos regulatórios têm que estar envolvidos, para que a gente possa fazer pesquisa mais barata, menos complexa e, consequentemente, gere respostas de alto nível mais rápido”.