Quem se cura da dengue tem chances de se tornar imune à zika e quem escapa da zika talvez adquira também imunidade à dengue, indicam dois estudos liderados por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, baseados em evidências coletadas em Salvador, publicados recentemente em importantes revistas científicas internacionais.
O mais novo deles, “Impact of preexisting dengue immunity on Zika virus emergence in a dengue endemic region” (Impacto da imunidade pré-existente à dengue na emergência do vírus Zika numa região endêmica de dengue), veiculado no início deste mês na revista Science, propõe a tendência de imunização contra a zika após a dengue. Integram o grupo internacional e multidisciplinar de autores do artigo os professores Federico Costa – que liderou a pesquisa de campo, base do estudo – e Guilherme Ribeiro, ambos do Instituto de Saúde Coletiva (ISC), e Mittermayer Reis, da Faculdade de Medicina, além dos doutorandos Nivison Nery Júnior e Daiana De Olivera.
O artigo publicado pela Science apontou que amostras de sangue de pacientes que já haviam contraído dengue, coletadas antes do surto da zika, em março de 2015, reagiram positivamente a testes que detectam a presença de anticorpos que protegem contra a zika. Contudo, segundo o professor Federico Costa, essa imunização variou conforme a quantidade de anticorpos contra a dengue encontrados nas amostras. “Quanto mais anticorpos de dengue encontrados, menor a chance de infecção por zika”, afirma Costa.
O estudo traz ainda outros dois dados importantes. Primeiro, confirma incidência de aproximadamente 73% do vírus da zika nas 1453 amostras colhidas na localidade, com uma variação de 29% a 83% do alcance da doença, a depender da área do bairro. Ou seja, é provável que mais de 7 de cada 10 moradores do bairro tenham contraído zika no surto de 2015. E, segundo, confirma que quem se curou da zika adquiriu imunidade contra a doença.
Já o paper publicado pelo Lancet havia mostrado uma significativa queda de casos de dengue após o surto de zika de 2015. Das 1937 amostras de pacientes com febre aguda colhidas antes do surto, entre janeiro de 2009 e março de 2015, 484 (25%) eram casos de dengue. Nas 1334 amostras colhidas após o surto, entre abril de 2015 e maio de 2017, apenas 43 (3%) eram casos de dengue.
Na análise estendida a dados coletados pela Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, em que se tem um total de 40.904 pacientes cujos testes deram positivo para dengue num período de pouco mais de 8 anos, isto é, de janeiro de 2009 a maio de 2017, verificou-se que, se a incidência da dengue era de 31% da amostra antes do surto de zika de 2015, ela caiu para 8%, após o surto. Segundo o estudo, os dados disponíveis “sugerem que as infecções pelo vírus Zika podem induzir imunização cruzada contra o vírus da dengue”, muito embora ainda sejam necessários para comprovar definitivamente essa hipótese.