A investigação do brutal assassinato de uma menina de oito anos de idade, vítima de estupro coletivo e tortura na parte indiana da Caxemira, dividiu a população e expôs a cisão religiosa na região. Sameer Yasir, jornalista independente baseado em Srinagar, cidade que reveza com Jammu o status de capital do Estado indiano de Jammu e Caxemira, relata o caso:
Na manhã do dia 17 de janeiro, Muhammad Yusuf Pujwala estava sentado do lado de fora de casa quando um vizinho chegou correndo, parou em frente a ele e deu a notícia: a filha dele, Asifa Bano, de oito anos, foi encontrada morta. O corpo dela estava numa mata, a algumas centenas de metros dali.
“Eu sabia que alguma coisa horrível tinha acontecido com a minha menina”, diz Pujwala, de 52 anos e olheiras profundas. A mulher dele, Naseema Bibi mal consegue falar. Balbucia o nome de Asifa, enquanto chora.
Pujwala é integrante de uma comunidade muçulmana de pastores nômades, chamados gujjars, que conduzem cabras e búfalos pelas montanhas do Himalaia.
O crime chocou a comunidade, expondo a cisão entre hindus e muçulmanos no território que há décadas é disputado pela Índia e pelo Paquistão.
Apesar de estar ser controlado pela Índia, Jammu e Caxemira, junta três territórios (Jammu, Caxemira e Ladhak). Jammu é de maioria hindu e Caxemira tem população majoritariamente muçulmana – esta, constantemente é palco de revoltas contra o regime indiano. Já em Ladhak a população e a cultura estão mais ligadas ao Tibete.
A polícia prendeu oito pessoas, entre elas quatro policiais, um funcionário do governo aposentado e um adolescente suspeitos de terem participação no crime.
As prisões, entretanto, provocaram protestos em Jammu, cidade de maioria hindu. Advogados tentaram impedir que policiais entrassem em um tribunal para apresentar as acusações contra os detidos e dois ministros de um partido nacionalista hindu, o Bharatiya Janata (BJP), participaram de manifestações em defesa dos suspeitos.
Como Asifa desapareceu
Quando a garota desapareceu, em 10 de janeiro, a família dela vivia num vilarejo a 72 km ao leste da cidade de Jammu. Naquela tarde, recorda a mãe de Asifa, a menina tinha ido à floresta buscar os cavalos da família. Os cavalos voltaram para casa, mas Asifa, não.
Munidos de lanternas e machados, Naseema, o marido e os vizinhos começaram a procurar pela garota. Viraram a noite, mas não a acharam. Dois dias depois, em 12 de janeiro, a família registrou o desaparecimento na polícia.
O pai de Asifa conta que a polícia não foi muito prestativa. Um dos policiais, conta Pujwala, chegou a dizer que ela poderia ter fugido com um garoto.
O corpo de Asifa foi localizado cinco dias depois do desaparecimento. “Ela foi torturada, teve as pernas quebradas”, diz a mãe da garota, que fez questão de ir com o marido à mata para ver o corpo, quando ele foi encontrado. “As unhas dela estavam pretas e tinham marcas azuis e vermelhas nos braços e dedos”, relata Naseema.
O que aconteceu com Asifa, segundo os investigadores
No dia 23 de janeiro, seis dias depois que o corpo de Asifa foi encontrado, Mehbooba Mufti, ministro chefe do Estado de Jammu e Caxemira, determinou que a investigação fosse conduzida por uma unidade especial da polícia.
De acordo com investigadores, Asifa foi sedada e confinada num templo local por vários dias consecutivos. De acordo com o relatório policial, ela foi “estuprada por dias, torturada e, finalmente, assassinada”. Ela foi morta por estrangulamento e em seguida, teve a cabeça partida por uma pedra.
A polícia acusa um funcionário público aposentado de 60 anos de ter planejado o crime com a ajuda de quatro policiais.
O filho e o sobrinho do funcionário público também foram indiciados, assim como um amigo e um menor.
Os investigadores acreditam que os policiais acusados estavam entre os que participaram das primeiras buscas pela menina. Eles teriam eliminado manchas de sangue do corpo e sujado as roupas da menina com lama antes de mandá-las para a perícia.
Ainda segundo as investigações, os suspeitos do crime queriam aterrorizar a comunidade gujjar e forçá-los a deixar Jammu. Os pastores nômades têm o costume de usar áreas públicas como áreas de pasto para seus animais, o que tem causado conflito com moradores hindus da região.
“Teve a ver com (disputa) de terra”, disse Talib Hussain, advogado e ativista social que liderou uma manifestação de apoio à família da menina – e que diz ter sido detido e ameaçado pela polícia local.
Ankur Sharma, um dos advogados que protestou em defesa dos acusados, afirma que os muçulmanos nômades estão tentando alterar a demografia de Jammu, onde hindus representam a maioria. “Eles estão usurpando nossas florestas e recursos hídricos”, disse Sharma à BBC.
Ele afirma que os suspeitos são inocentes.
E se o assassinato de Asifa não ganhou muita atenção em Jammu, foi assunto de capa nos jornais de Srinagar.
Na Assembleia do Estado de Jammur e Caxemira, Mian Altaf, influente líder gujjar e representante da oposição, tentou chamar atenção para o caso mostrando a fotógrafos jornais com fotografias de Asifa e pedindo uma investigação célere e punição para os culpados.
Rajiv Jasrotia, representante do partido BJP, disse que o incidente com a menina foi “uma rusga de família” e acusou Altaf de tentar politizar o crime.
O que aconteceu no enterro de Asifa?
Os gujjars queriam enterrar Asifa num cemitério em um terreno comprado há alguns anos, mas quando chegaram, teriam sido cercados e ameaçados por ativistas hindus, segundo o pai da menina.
O grupo foi impedido de enterrar a garota.
“Tivemos que caminhar sete milhas para enterrá-la em outra vila”, diz Pujwala. Duas das filhas dele foram mortas num acidente há alguns anos. Por insistência da mulher, ele adotou Asifa, que é filha biológica do cunhado dele.
A garota é descrita pela mãe adotiva como um “pássaro cantante”, que gostava de correr como um “cervo”. Quando eles viajavam, era Asifa quem cuidava do rebanho. “Isso fez dela a queridinha da comunidade”, disse. “Ela era o centro do nosso universo.”
R7