Cada vez que vai contar uma história, Fabio Barrozo, 43, puxa papéis, quase sempre timbrados com o escudo do Corinthians, para usar como provas do que diz. “Abrir-me sobre isso é libertador para mim”, ele afirma à reportagem.
Quatro anos depois do que foi considerado à época um escândalo nas categorias de base do Corinthians e que custou a sua demissão, ele resolveu falar. Segundo o próprio Barrozo, por cansar de pedir empregos em outros clubes com cópias de processos debaixo do braço para provar a própria inocência.
“Eu apanhei calado por muito tempo. Apanhei porque a gerência de um departamento de futebol amador de uma grande equipe é um cargo de confiança, e acontece muita coisa que você não pode expor”, diz.
Do final de 2015 a março de 2016, Barrozo teve seu nome envolvido em episódios controversos no Corinthians. Primeiro, fez a intermediação para venda de 20% dos direitos econômicos do meia Alyson José da Mota, então uma das promessas da equipe sub-15.
A porcentagem acabou vendida por US$ 60 mil (cerca de R$ 300 mil em valores atuais) pelo empresário Julio Cesar Polizeli ao americano Helmut Niki Apaza, agente de futebol licenciado pela Federação dos EUA e piloto da American Airlines.
Niki depois acusou o departamento de futebol do Corinthians de lhe ter dado cartas de intermediação sem valor legal para prospectar negócios para a agremiação. Ele disse ter pago US$ 50 mil (R$ 250 mil) pelo documento, que estava assinado por Barrozo.
Após sindicância interna do clube, Barrozo pediu demissão. Ele não compareceu para depor na sindicância, o que foi interpretado como confissão de culpa.
“Edu [Eduardo Ferreira, então diretor de futebol profissional] e Mané [da Carne, conselheiro] pediram para eu não ir. Essa é a verdade”, completa Barrozo. Ele também diz que o presidente Andrés Sanchez, então sem cargo oficial no clube mas um dos nomes mais influentes no Parque São Jorge, pediu que saísse calado.
Sanchez conseguiu, segundo Barrozo, emprego para ele no departamento de futebol do Tigres do Brasil, time do Rio de Janeiro sob influência do prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis (MDB) –na época, era deputado federal.
“Eu fui acusado de corrupção. Mas quem acusou as duas partes na Justiça fui eu. Entrei na Justiça contra o Niki por calúnia, injúria e difamação. Acusei o Corinthians de coação de pedido de demissão. Mas esse caso está em segredo de Justiça e não posso comentar”, afirma.
Apesar de Barrozo não querer entrar em detalhes, a reportagem apurou com conselheiros que o clube fez um acordo com seu ex-funcionário e lhe pagou indenização de cerca de R$ 155 mil. Também deu uma carta de recomendação profissional em que dizia não haver nada na sua passagem pela agremiação que o desabonasse –ele já passou por Santos e Ponte Preta depois disso.
Contratado para trabalhar na base do Corinthians em 2008, Barrozo ascendeu no clube graças em boa parte à influência de Mané da Carne, que lhe conseguiu aumentos de salário anuais. Ele entrou ganhando R$ 8 mil por mês. Quando pediu demissão, recebia R$ 30 mil. O conselheiro o ajudava a navegar pelo complicado ambiente político das categorias de base, em que chegou a gerente.
No primeiro ano da gestão de Roberto de Andrade (2015-2017), Barrozo relata ter percebido que algo começou a ficar estranho. O ex-lateral Alessandro foi deslocado para cuidar dos contratos dos jogadores da base, antes sua responsabilidade. Ele depois foi avisado que seria aberta uma sindicância para investigar passagens de avião usadas por ele para ir ao Rio de Janeiro.
“Não havia nenhuma. Toda vez que eu viajava ao Rio, era de carro. Mas começaram a fazer isso para me minar.”
Barrozo afirma ter intermediado a venda de 20% dos direitos de Alyson a pedido de Mané da Carne, que havia introduzido Helmut Niki ao dia a dia do clube. “Disseram depois que negociações à parte assim não eram feitas no Corinthians. Eu tenho aqui vários exemplos de acordos iguais feitos antes mesmo da minha chegada”, diz, antes de mostrar contratos com divisões de direitos econômicos de outros atletas em papel timbrado do clube.
Na época, todos os diretores citados no caso e o presidente Roberto de Andrade afirmaram não conhecer Helmut Niki. Isso irrita Barrozo, assim como falar sobre a carta de representação assinada por ele que, teoricamente, não valia.
“O Niki frequentava o Parque São Jorge desde 2015, levado pelo seu Mané. Na Florida Cup de 2016 ele estava no mesmo hotel da delegação, ele ia jantar junto com os diretores.”
Barrozo disse ter assinado várias cartas, com autorização superior, para que empresários pudessem prospectar negócios.
Ele também possui documentos para exemplificar transações prospectadas pelo piloto de avião para o Corinthians com o uso da carta que assinou. Uma das negociações fechadas também tem a assinatura de Roberto de Andrade.
“Então o presidente tinha ou não tinha ciência? Tinha. Quem fez a intermediação? O NIki. Ele não era um segredo no clube. Não é que o Barrozo pegou um americano, fez tudo sozinho, o levou para o Corinthians escondido por um túnel”, finaliza.
A possível compra da carta por US$ 50 mil se tornou um escândalo, mas Barrozo afirma que o pagamento nunca existiu. A quantia, segundo ele, foi o que o americano gastou para mostrar que poderia representar o Corinthians no exterior.
“Eu e outros diretores do Corinthians fomos para os Estados Unidos para conhecer o projeto dele. Só eu fui quatro vezes. E era sempre passagem de classe executiva, ele pagava a hospedagem em hotel, vinhos caros… US$ 50 mil foi o que ele gastou. Futebol proporciona esse tipo de coisa”, justifica.
Se conseguiu uma indenização do Corinthians, o ex-coordenador da base não teve avanços no processo contra o americano. O escritório da American Airlines no aeroporto de Guarulhos já foi citado três vezes sobre a ação contra Niki, mas respondeu que o piloto havia mudado de rota e não vinha mais ao Brasil.
Procurada, a assessoria de imprensa da American Airlines disse que não comenta assuntos judiciais ou que são de interesse de seus funcionários.
O conselheiro Mané da Carne não atendeu às ligações da reportagem feitas na última semana.
Por meio de nota, o Corinthians apresentou resposta em nome do presidente Andrés Sanchez e de Eduardo Ferreira. O clube afirma que todas as acusações foram apuradas por sindicância interna no clube, que não comprovou qualquer irregularidade dos diretores. Segundo o clube, a carta de recomendação dada a Barrozo foi um erro do departamento de recursos humanos.
Bahia Notícias