A antiga alfândega de Fortaleza, hoje sede da Caixa Cultural, abriga até o dia 16 e abril uma exposição que mostra muitas histórias, inclusive a do próprio prédio. São fotos antigas de Fortaleza, discos de cera, rádios a válvula, microfones, revistas em quadrinhos da década de 50, caixas de fósforos, embalagens e outros itens.
A exposição tem cerca de 300 peças, de um total de 141 mil, do Arquivo Nirez, criado e mantido pelo jornalista, historiador e memorialista Miguel Ângelo de Azevedo.
“Você tem o mesmo nome da Chiquinha Gonzaga”, observou Nirez ao autografar os catálogos da exposição para a repórter da Agência Brasil. O nome completo da compositora e maestrina brasileira, que viveu entre os anos 1847 e 1935, é Francisca Edwiges Neves Gonzaga.
Ao mostrar o início do arquivo, Nerez lembrou que, aos 20 anos, ao ganhar de presente de aniversário um toca-discos (naquela época, em 1954, era chamado de picape), começou a comprar discos de cera “para deleite”.
Cada novo disco o levava a buscar outro e outro, especialmente reedições da década de 30. Em certo momento, essas reedições acabaram e, ansioso por continuar a coleção, Nirez resolveu seguir a dica de um dos lojistas de discos: procurar com as famílias de Fortaleza.
“A dificuldade era grande porque ninguém queria se desfazer dos discos”, conta. Mas, em 1957, começou a ser vendido no Ceará o LP, que reunia mais faixas de música que os discos de 78 rotações (rpm), que só tinham uma faixa de cada lado.
“Eu botava cinco LPs debaixo do braço e ia às casas das pessoas para trocá-los por discos de cera. Elas gostavam da novidade e acabavam trocando, mas como não tinham o aparelho para reproduzi-los, até os toca-discos a gente negociava em troca dos discos de 78 rotações.”
Foi assim que Nirez reuniu 22 mil discos de cera, a maior discoteca particular do Brasil. As músicas de seu acervo são mostradas aos domingos no programa Arquivo de Cera, na Rádio Universitária FM, ligada à Universidade Federal do Ceará (UFC).
Família
A trajetória de Nirez se confunde com a história que ele busca preservar. O historiador é filho do poeta e pintor Otacílio de Azevedo e irmão do astrônomo Rubens de Azevedo, que hoje dá nome ao planetário do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.
Quando criança, conviveu com o arquiteto húngaro Emílio Hinko, que projetou diversos prédios em Fortaleza. Alguns ainda resistem, como o Náutico Atlético Cearense, na Avenida Beira Mar.
Nirez atribui a Hinko o apelido pelo qual é conhecido. “Eu era vermelhinho e loiro, e ele me apelidou de inglês. Todo mundo passou a me chamar ‘inglês’, ‘inlês’, ‘niês’ e terminou em nirez. Como, eu não sei”, disse.
Fotografia
A coleção de fotos do Arquivo Nirez soma hoje cerca de 30 mil. Na sala de exposições da Caixa Cultural, algumas foram reproduzidas em grandes formatos.
O engenheiro civil aposentado Benedito Madeira Sobrinho, de 71 anos, se encantou com uma foto de 1912 que mostra a jovem Odele de Paula Pessoa segurando o estandarte da Liga Feminista Pro-Ceará Livre, considerada a primeira manifestação em defesa das mulheres no estado.
“Essa foto é de 1912. As mulheres só passaram a votar em 1932 e Fortaleza já tinha uma liga feminista. Isso mostra um pouco do pioneirismo cearense.” A liga era a favor da candidatura de Franco Rabelo à presidência do Ceará e contrária à oligarquia acciolina (liderada pelo político Antônio Pinto Nogueira Acioly, que governou o estado de 1896 a 1912).
As fotos antigas da cidade são outro destaque da mostra. Entre 1975 e 1991, Nirez manteve no jornal O Povo a coluna Fortaleza Ontem e Hoje, em que trazia uma foto antiga de um ponto da cidade e outra atual do mesmo ponto, mostrando o que mudou.
A coluna deu origem a um livro com o mesmo nome, editado em 1991 e sem segunda edição até hoje. “É difícil uma atualização desse livro. Tiramos uma foto atual de um lugar em Fortaleza e, três dias depois, já mudou tudo. As mudanças hoje em dia são mais aceleradas e mais radicais”, afirmou.
A foto que ilustra o material de divulgação da exposição Arquivo Nirez é de um dos locais que ainda mantém preservadas algumas características da época (a imagem data de 1918) – a Igreja do Rosário (à esquerda) e o Palacete Brasil (na esquina, no canto direito), que já foi sede do Banco do Brasil e abrigou o Hotel Brasil.
O bailarino e coreógrafo Fauller conta que hoje ensaia no terceiro e último piso da edificação. “Por essas janelas, posso ver uma cidade possível e, sobretudo, humana”, afirmou.
O acervo de Nirez continua em expansão. Durante o dia, ele faz pesquisas emFortaleza, recebe doações e, à noite, recepciona as pessoas que desejam consultar o arquivo. Além disso, trabalha na organização do acervo do Instituto Moreira Salles, em São Paulo.
Agência Brasil