O lar pode ser provisório, mas a satisfação de ajudar o próximo será permanente na vida de quem o faz, como é o caso de casais ou pessoas solteiras que se voluntariam para acolher temporariamente em seus lares crianças afastadas judicialmente do convívio familiar original pelos mais variados motivos ou abandonadas em hospitais da capital baiana nos primeiros dias de vida.
O serviço Família Acolhedora é ligado à Fundação Cidade Mãe (FCM) e tem ajudado os pequenos a terem um lar seguro enquanto a 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Salvador não dá um parecer sobre os seus destinos, que pode ser o retorno à família ou a inclusão na fila de adoção.
Os requisitos para se tornar uma família acolhedora são: ter mais de 18 anos e residir em Salvador. É imprescindível, no entanto, que os interessados não estejam no cadastro único de adoção e que não tenham qualquer interesse em adotar as crianças ou adolescentes enviados para seus lares. Todos precisam ter ciência de que o vínculo é temporário.
Antes de receberem as crianças, os voluntários passam por uma capacitação com o corpo técnico da Fundação Cidade Mãe. Durante esse processo, um psicólogo é designado para acompanhamento, especialmente para prepará-los para a adaptação e o momento de despedida.
“É um serviço que a família presta à sociedade ao cuidar dessa criança, porque em uma unidade de acolhimento são dez crianças para um educador, enquanto em uma família são quatro ou cinco membros para uma criança. Então, percebemos um desenvolvimento totalmente diferente”, explica Virginia Nascimento, assistente social e coordenadora do serviço.
“Gostamos de comparar a situação com a de um sobrinho que mora no interior, cuja família está enfrentando algum problema, e cuidamos dessa criança por um período determinado até que tudo se resolva. As contribuições que essas pessoas podem oferecer às crianças são inúmeras, assim como o que elas podem receber”, completa.
O número de famílias acolhedoras ainda é baixo, de acordo com a coordenadora, mas o perfil delas é diverso, incluindo pessoas solteiras, casais homoafetivos e famílias com ou sem filhos. Atualmente, nove crianças estão em processo de acolhimento.
Uma delas é Lara (nome fictício), de seis anos, que chegou na casa da advogada Yanna Tarouquela há quatro meses. A princípio, a adaptação não foi fácil, já que a garota carregava muitos traumas, como dificuldade em estabelecer confiança em adultos.
Mesmo morando sozinha, Yanna conta com uma rede de apoio, composta por amigos e vizinhos, que lhe dá suporte durante esse processo. Essa, inclusive, não é a primeira criança que ela acolhe. Em outro momento, a advogada deu suporte a um garoto de um ano e oito meses.
“Na época da faculdade, conheci o serviço Família Acolhedora, quando ele ainda não existia em Salvador, e aquela sementinha foi plantada. Fiz trabalho voluntário em um orfanato, mas percebi que a efetividade era muito pequena, porque eu não conseguia mudar necessariamente a vida daquelas crianças. Era um trabalho muito mais voltado para a estrutura do que para o pequeno em si”, comenta.
“Depois da pandemia, quando eu já estava preparada, entrei em contato com a Fundação Cidade Mãe, e a equipe me recebeu muito bem, além de tirar todas as minhas dúvidas”, completa Yanna.
Lara é uma garota comunicativa e que gosta de dançar. De sua maneira, ela expressou a gratidão que sente por ter sido acolhida em um novo lar temporário. “Ela está cuidando de mim enquanto procuram minha mamãe e meu papai. Minha tia (Yanna) faz um monte de coisas legais comigo. Tem um parque em frente à nossa casa e eu brinco com minha amiga. É muito legal”, resume.
Carla Trindade, vice-coordenadora do serviço, também já recebeu em sua casa duas crianças. O marido e os filhos, de 14 e 20 anos, a ajudaram nesse processo. Uma das acolhidas foi uma menina de cinco anos, que, mesmo na fase de desenvolvimento cognitivo, ainda não falava e não sabia manusear talheres, preferindo comer com as mãos.
A vice-coordenadora diz que, inicialmente, o que a impulsionou a também fazer parte da Família Acolhedora foi a possibilidade de ajudar uma criança vulnerável que poderia estar em um abrigo.
“Quando conhecemos de fato a proposta do serviço, o que mais nos motiva é pensar na possibilidade de ajudar uma criança. Mas quando você a coloca dentro do seu lar e oferece todos os cuidados que ela precisa, o que mais nos motiva é a possibilidade de tratá-la como um ser humano, como um indivíduo único. Diferente da situação no abrigo, onde ela é tratada junto com várias outras crianças, focando nas necessidades básicas, como alimentação e tudo mais”, comenta Carla.
A garotinha em questão foi encaminhada à fila de adoção e, neste momento, vive com sua família adotiva. A vice-coordenadora guarda as lembranças e o sentimento de gratidão por ter tido a oportunidade de ajudar o próximo.
“Hoje, olhamos fotos dela e sentimos muita saudade daquele tempo, mas o fato de sabermos que ela está bem, recebendo uma educação melhor, em uma escola particular, sendo inserida na sociedade com dignidade, vale muito mais do que eu pensar em um sentimento egoísta de querer mantê-la conosco. É muito mais profundo”, finaliza.
O processo de habilitação no serviço pode ser iniciado através de cadastro no site www.familiaacolhedora.
Fotos: Lucas Moura/ Secom PMS