De manhã, ao dar os primeiros passos para ir ao banheiro, há uma forte fisgada na planta do pé. Ao longo do dia, a dor diminui, mas pode voltar em intensidade quando um longo período de repouso é interrompido. Se você reconhece os sintomas acima, pode sofrer de fascite plantar, inflamação na região da sola do pé.
A fáscia plantar é um tecido que começa no calcanhar e se estende por toda a planta do pé. Esse tecido serve de amortecedor e dá sustentação ao arco plantar, aquela “curva” na sola do pé que, ao pisar, não toca no chão. Quando há a inflamação da fáscia, ela ocorre geralmente na região do calcanhar.
O processo inflamatório gera diferentes limitações, como dificuldades para o caminhar, para a prática de atividades físicas e para o lazer em geral. “Impacta muito a qualidade de vida”, disse à BBC Brasil Marco Antonio Gonçalves Pontes Filho, reumatologista no Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
De acordo com o médico, não há estudos sobre o número de pessoas que sofrem com o transtorno. No entanto, diz que há cada vez mais pacientes buscando tratamento.
As causas da fascite plantar são várias e podem estar tanto no sedentarismo e quanto na atividade física sem orientação adequada. Ela pode ser causada por trauma repentino, como o provocado pelo início ou intensificação de uma atividade física de alto impacto. Mas também pelo desgaste ao longo de vários anos, decorrente, por exemplo, da má postura ao caminhar ou da obesidade.
O uso de sapatos pouco confortáveis, como o salto alto, também pode gerar tensão na fáscia e desencadear o processo inflamatório, cuja recuperação é lenta e, nos casos mais graves, demanda cirurgia.
“A fascite plantar é uma inflamação da origem da planta do pé, principalmente por questões traumáticas, ou seja, sobrecarga de exercícios e de atividades que geram impacto na região do calcanhar. O ganho de peso recente também contribui para esse processo inflamatório porque sobrecarrega a região da fáscia”, explica.
Sobrepeso
Uma das causas pode ser o aumento de peso da população brasileira. De acordo com dados do Ministério da Saúde, uma em cada cinco pessoas no Brasil está com excesso de peso, e o cenário vem piorando. Em dez anos, o percentual daqueles que sofrem com sobrepeso saltou sete pontos percentuais, de 11,8% da população em 2006 para 18,9% em 2016.
“O sobrepeso já predispõe uma fascite, porque as nossas estruturas anatômicas e musculares estão dimensionadas para o nosso corpo. Mas, com o sobrepeso, o indivíduo está carregando carga além da prevista e isso favorece essa inflamação”, afirma Henrique Jatobá, chefe da fisioterapia do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que atua com atletas de alta performance e recreacionais.
Pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgada em maio, mostra que 100,5 milhões de brasileiros – ou 62,1% da população – não praticam nenhuma atividade física. Com um alto número de pessoas sedentárias, a incidência de sobrepeso deve continuar crescendo, o que pode contribuir para mais casos de fascite plantar.
Maratonistas de primeira viagem
Por outro lado, a prática de atividades físicas sem o devido acompanhamento também contribui para novos casos. “Na prática corriqueira de consultório, quem geralmente apresenta a inflamação é aquela pessoa que aumentou a intensidade de um treino físico repentinamente ou iniciou um exercício sem alongamento adequado. Essas ações prejudicam a fáscia”, explica Pontes Filho.
O início súbito de exercícios de alto impacto, como a corrida de rua, o crossfit ou outra modalidade que impacte o calcanhar diretamente, também podem levar à fascite. “Tenho visto um aumento grande de pacientes que vão buscar o consultório por traumas gerados por treinamentos de corrida. As pessoas acordam e acham que podem começar a correr da noite para o dia”, diz Jatobá.
O fisioterapeuta do COB alerta sobre a importância de uma checagem completa com um especialista antes de iniciar qualquer modalidade. Identificar, por exemplo, o seu tipo de pé pode ser fundamental para evitar lesões. “As pessoas compram um tênis de corrida caro sem saber se é o adequado. Mas há diferentes tipos de pé, e a compra do sapato incorreto pode causar traumas”, alerta.
Em outros casos, quando o indivíduo está com sobrepeso e decide iniciar uma atividade física, um programa muito intenso pode sobrecarregar diferentes partes do corpo, incluindo o calcanhar, podendo levar à fascite. “Às vezes a pessoa precisa perder peso antes de começar uma atividade de impacto”, explica Jatobá.
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico da fascite é feito pelo médico ao examinar o paciente no consultório. Exames como ressonância magnética e raio-X não conseguem detectar a fascite plantar e podem ser empregados para descartar outras doenças, explica Pontes Filho.
Se a fascite é diagnosticada, os médicos entram com terapias para aliviar a dor, como prescrição de analgésicos e acupuntura, além de anti-inflamatórios. Exercícios de alongamento antes de levantar da cama auxiliam na maioria dos casos. Para alguns pacientes é recomendado também o uso de uma órtese noturna para a hora do sono.
Em casos mais extremos, podem ser necessárias infiltrações de glicocorticoides na região da fáscia. Porém, seu uso deve ser evitado ao máximo, uma vez que pode causar complicações como a ruptura da fáscia. Outra possibilidade para casos mais severos são as terapia por ondas de choque (ESWT), indicada a pacientes que não responderam a nenhuma das terapias acima.
Opções cirúrgicas para liberação da fáscia plantar são reservadas para pacientes que não responderam a nenhuma outra opção de tratamento. O pós-operatório, no entanto, pode demorar meses e não há total garantia que o problema será resolvido – a taxa de sucesso varia de 70% a 90%.
Como prevenir
Utilizar sapatos confortáveis é algo que todo mundo deveria fazer. Para quem não abre mão do salto, a recomendação é deixar esse tipo de calçado apenas para locais específicos, como o escritório, e utilizar opções como tênis e sapatilhas no deslocamento da casa ao trabalho. Para homens e mulheres, o importante é usar sapatos com um bom sistema de amortecimento.
Aos que praticam exercícios, é necessário alongar sempre antes e depois do treino e escalonar as atividades. “Por exemplo, a pessoa estava correndo 1km por dia e passa a correr 10km – a fáscia não estava pronta para esse aumento súbito”, explica Pontes Filho.
Manter todos os grupos musculares bem trabalhados também é importante – desenvolver apenas um grupo pode gerar assimetrias e causar lesões em diferentes partes do corpo, levando à fasciíte e a outros transtornos. Realizar uma avaliação inicial para ter um treino individualizado evita traumas e lesões. Além disso, é importante evitar ganho rápido de peso.
Segundo o site do Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS), além da obesidade e das atividades físicas de forte impacto, a idade também é um fator de risco para a fasciíte plantar, mais comum entre 40 e 60 anos. A anatomia do pé, com um arco muito elevado, por exemplo, é outro fator de risco, bem como uma postura desequilibrada ao andar que, ao longo dos anos, põe estresse adicional no calcanhar. Profissionais que passam muito tempo de pé ou caminhando também estão no grupo de risco de longo prazo.
“Muitos problemas acometem o pé: infecções, fraturas do calcanhar por estresse, tendinites. Por isso o paciente precisa ter cuidados específicos com essa região”, diz o reumatologista do HC. “Em caso de dores, quem faz o diagnóstico é o especialista”, reforça.
Keila Guimarães
BBC Brasil