O aumento do número de macacos infectados pela febre amarela no Paraná e em Santa Catarina desde julho do ano passado chama a atenção para a circulação do vírus na região e serve de alerta para a importância dos brasileiros se vacinarem contra a doença.
Segundo a Secretaria de Saúde do Paraná, o vírus amarílico matou ou causou o adoecimento de pelo menos 287 macacos entre julho de 2019 e o último dia 8. Os casos foram notificados em 43 dos 399 municípios paranaenses. Do total, 133 casos foram confirmados entre os dias 27 de março e 8 de maio deste ano – só entre 24 de abril e 8 de maio, foram 27 confirmações.
Há ainda 89 casos em investigação e 423 notificações em que não foram colhidas amostras para análise. Mesmo assim, o total de casos confirmados do atual período epidemiológico da doença no estado é várias vezes maior que os de anos anteriores. De julho de 2018 a junho de 2019, a secretaria atestou 49 epizootias – ou seja, óbitos ou adoecimentos de primatas infectados pelo vírus amarílico. De julho de 2017 a junho de 2018, nenhum caso foi identificado no Paraná.
Embora macacos não transmitam a febre amarela para humanos, que só são infectadas quando picados por mosquitos capazes de transmitir o vírus, especialistas monitoram o contágio desses animais porque os consideram um alerta, um indício da presença do vírus em determinadas regiões. De posse destes dados, órgãos públicos podem planejar ou intensificar campanhas de vacinação contra a doença.
Foi o que fez o governo do Paraguai na semana passada. Após ser informada de que muitos macacos mortos no Paraná foram encontrados em uma região próxima à fronteira, a Diretoria do Programa Ampliado de Imunização, do Ministério de Saúde Pública e Bem-Estar Social do Paraguai recomendou que os moradores da região de Salto del Guairá procurem os postos de saúde e tomem a vacina contra a doença, conforme noticiou o jornal paraguaio ABC Color.
Apesar do alerta de aumento do número de ocorrências entre macacos, o Paraná não registra casos da doença entre humanos desde julho de 2019. Desde julho de 2018, todos os municípios paranaenses são considerados parte da área com recomendação vacinal. Isso não impediu, porém, que o número de infectados aumentasse, entre julho de 2017 e junho de 2018, de dois casos confirmados para 17. Nesse período, uma pessoa morreu devido à doença.
Concentração
Segundo o Ministério da Saúde, de julho de 2017 a junho de 2018, seis estados – Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio de Janeiro, São Paulo e Tocantins – confirmaram 867 epizootias. No período 2018-2019, o total de casos baixou para 126, notificados por oito estados – Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina e São Paulo. Entre julho de 2019 e o início de maio deste ano, embora apenas três estados – Paraná, Santa Catarina e São Paulo – tenham confirmado casos da doença entre macacos, o total chega a 348. Ou seja, faltando ainda dois meses para o fim do atual período epidemiológico, o aumento em comparação com o período anterior já está em torno de 180%.
O número de epizootias aumentou muito também em Santa Catarina, que, junto com o Paraná, concentra praticamente 99% do total de notificações confirmadas ao Ministério da Saúde.
De acordo com a pasta, de julho de 2019 ao começo deste mês, Santa Catarina tinha confirmado 54 casos de macacos infectados pela febre amarela. Entre 2018 e 2019, foram reportados apenas quatro casos ao ministério. Nenhum no período 2017-2018. Até meados de março deste ano, duas pessoas morreram no estado em decorrência da doença: um morador de Camboriú e outro, de Indaial.
Surpresa
Em entrevista à Agência Brasil, o professor Fernando de Camargo Passos, do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná, surpreendeu-se com os dados recentes. “Ésurpreendente esse grande número de casos no Paraná. Ainda que já estivéssemos prevendo um avanço da febre amarela [entre macacos] no estado, pois a doença, que já tinha atingido outros estados antes de vir em direção ao Sul, agora avança em ondas entre estes animais [no Paraná]”, disse o pesquisador, reforçando a importância da população se vacinar para evitar que a doença atinja as pessoas.
Passos explicou que, em áreas de mata, o vírus amarílico é transmitido apenas por mosquitos de dois gêneros (Haemagogus e Sabethes) que costumam viver na copa das árvores, onde dividem espaço com os macacos. À medida que picam os primatas para se alimentar de seu sangue, as fêmeas desses insetos vão espalhando a doença.
Além disso, os mosquitos podem picar uma pessoa que entre na mata. O maior temor dos especialistas é que, ao voltar à cidade, uma pessoa infectada seja picada por mosquitos Aedes aegypti, potencial transmissor da doença.
“O maior problema é que muita gente não toma a vacina contra a febre amarela, que está voltando a entrar em áreas onde já não existia mais, inclusive em áreas urbanas”, afirmou Passos. “Com isso, a preocupação, o perigo, é a doença se espalhar pelas cidades e passar a ser transmitida pelo Aedes aegypti, que já transmite a dengue [além da zika e da chikungunya] e que infesta muitas áreas urbanas”, acrescentou o professor, reforçando a importância dos macacos para o controle da doença.
“Já houve casos de pessoas matarem ou maltratarem os animais por achar que podem ser responsáveis pela transmissão da febre amarela, o que não é verdade. O monitoramento dos macacos é muito importante porque eles têm este papel de sentinelas. Sua morte por febre amarela pode indicar a dispersão da doença e alertar a vigilância epidemiológica”, acrescentou Passos, lembrando que matar ou causar mal a eses animais é crime ambiental.
Respostas
Ao longo da última semana, a reportagem pediu à secretarias de Saúde e de Comunicação de Santa Catarina outras informações além das fornecidas pelo Ministério da Saúde, mas não obteve resposta. Em nota do início de abril, quando confirmou a segunda morte no estado, a Secretaria de Saúde informou que já havia registrado a morte de 39 macacos pela doença, além de 10 casos de pessoas infectadas. Na ocasião, a pasta reforçou a importância dos moradores de todo o estado com mais de 9 meses de idade se vacinarem.
A Secretaria de Saúde do Paraná disse à Agência Brasil que três aspectos ajudam a entender a maior incidência da doença entre macacos no estado, entre os quais o avanço do vírus amarílico por regiões em que populações inteiras desses animais ainda não tinham imunidade contra a doença. “As populações de primatas dessas regiões nunca tinham tido contato com o vírus, então não tinham imunidade, sendo mais suscetíveis à doença”, destacou a secretaria.
Além disso, ao avançar entre os macacos, o vírus amarílico chegou a áreas onde a vegetação está menos preservada, o que, segundo a pasta, facilita a notificação dos casos. “Isso faz com que moradores de fazendas ou sítios informem aos órgãos regionais e municipais, facilitando a notificação e a coleta de material para análise laboratorial.”
A secretaria ressaltou ainda que estados e municípios vêm procurando sensibilizar a população sobre a importância de informar as autoridades locais sempre quef or avistado um macaco morto. A pasta acrescenta que reforçou a orientação para que os municípios, principalmente os que formam o chamado “corredor de circulação do vírus”, intensifiquem a vacinação de suas populações.
Maior queda
Terceiro dos únicos estados com registro de epizootia no atual período, São Paulo mostra diminuição de casos da febre amarela silvestre desde 2017. Segundo o Ministério da Saúde, até o começo de maio, o estado tinha relatado apenas quatro casos entre macacos no atual período. De julho de 2018 a junho de 2019, São Paulo estado teve 26 casos confirmados. De julho de 2017 a junho de 2018, foram 670.
Por e-mail, a Secretaria de Saúde de São Paulo confirmou que o número de casos caiu progressivamente nos três últimos períodos, tanto entre animais quanto entre humanos. A pasta informou, porém, que, diferentemente do ministério e de outras unidades da federação, registra as ocorrências de janeiro a dezembro. E apresentou números diferentes dos do ministério.
Segundo a secretaria, as mortes e o adoecimento de macacos pela febre amarela caíram de 261 casos confirmados, em 2018, para 19 em 2019. Neste ano, um caso foi confirmado em Osasco, na Grande São Paulo.
A morte de pessoas por febre amarela caiu de 176 casos, em 2018, para 13, em 2019. Este ano, até o momento, não há registro de morte de pessoas pela doença no estado de São Paulo. Ainda assim, a secretaria recomenda que os que ainda não se vacinaram procurem um posto de saúde e se previnam contra a doença, principalmente aqueles que vivem ou visitam áreas próximas à vegetação densa.
Em 2017, o grande número de primatas infectados pelo vírus amarílico levou o governo de São Paulo a determinar o fechamento preventivo de parques públicos a fim de evitar que a doença entre humanos fugisse ao controle.
Agência Brasil