Envelhecer não é mais o que era antes graças aos baby boomers, que estão transformando esse período e vivendo de forma diferente das gerações anteriores – é o que diz uma das maiores autoridades em envelhecimento do mundo, o médico brasileiro Alexandre Kalache.
Em entrevista à BBC Brasil, Kalache diz que o brasileiro terá que trabalhar mais tempo “quer goste ou não”, acima de tudo porque terá uma vida mais longa. Mas a boa notícia, afirma, é que a chegada à velhice da geração do pós-guerra cria uma nova construção social, o que chamou de gerontolescência.
Segundo Kalache, os baby boomers – geração que nasceu no pós-guerra (1945-1964) e que atualmente tem mais de 50 anos – estão revolucionando a velhice e transformando o período em uma nova fase porque são em maior número, têm um nível de saúde e vitalidade maior e melhor formação do que as gerações que envelheceram antes deles.
Para o médico, que atuou como diretor de envelhecimento na Organização Mundial da Saúde e já lecionou sobre o tema em universidades como a de Oxford, isso abre a possibilidade de promoção de uma nova forma de envelhecer, que vem sendo construída socialmente por esse grupo.
“A gente revolucionou o conceito de fazer a transição da infância para a idade adulta e criamos uma coisa que não havia antes da Segunda Guerra Mundial, que é a adolescência”, explica Kalache, ao explicar que a adolescência como construção social não existia antes dos anos 1950.
“Fizemos muita coisa que está aí: a revolução sexual, a pílula, as revoluções musicais, a luta contra a ditadura – não vou deixar de ser essa mesma pessoa de 50 anos atrás. Eu e esse grupo todo, os baby boomers, estamos envelhecendo com isso tudo como legado. E daqui a um tempo vamos olhar para trás e ver que, assim como criamos a adolescência há alguns anos, estamos criando a gerontolescência”, diz ele.
Para ele, no entanto, há uma diferença entre essas duas construções sociais. “A adolescência deve durar quatro ou cinco anos – se durar mais tem algo errado. Mas a gerontolescência é para durar 20, 30, 40 anos. É muito tempo para a gente se rebelar, virar a mesa.”
Encarando a morte
Para tratar do tema do envelhecimento em palestras, Kalache costuma pedir à plateia que imagine rapidamente como vai morrer. O exercício, segundo ele, serve para mostrar como há uma “idealização da morte que já não é mais a regra”.
Isso porque, diz ele, “vamos morrer mais velhos, mais doentes e mais lentamente do que muitos imaginam”.
“A gente tem que se preparar para uma vida muito mais longa e pensar no processo de morte, porque no Brasil três quartos das mortes são de pessoas idosas e por doenças crônicas, inclusive aquelas arrastadas que causam sofrimento e despesas. Então é preciso tentar assegurar qualidade de vida até o final.”
E essa é uma realidade que deve ser levada em conta especialmente no Brasil, que envelhece a passos largos. Estimativas da Organização das Nações Unidas apontam que até 2050 o Brasil terá 64 milhões de idosos – ou 30% da população, em comparação aos atuais 12%. Em 2001 esse total era de apenas 9%. Em menos tempo – em 2025 – o país deverá ocupar o sexto lugar em número de idosos no mundo.
Para Kalache, além de estar envelhecendo rapidamente, o Brasil percorre esse caminho em um padrão sem precedentes.
“Estamos envelhecendo com uma grande parcela da população em pobreza. É um desafio grande porque não temos precedentes, modelos. Nenhum país até hoje envelheceu sem ser rico. E estamos envelhecendo rápido e ao mesmo tempo sem recursos para políticas sociais e de saúde que possam responder a uma população já muito envelhecida, como seremos em três décadas.”
Mais trabalho
Então vamos ter que trabalhar mais? Kalache, que atualmente preside o Centro Internacional Longevidade Brasil, responde que sim, e vai além: critica o “luxo” do nosso sistema previdenciário atual.
“Vai ter que trabalhar mais tempo? Eu acho que sim. Um país como o Brasil que se dá ao luxo de ter a aposentadoria média aos 54 anos é um país inviável. Não existe nenhum país que tenha conseguido por muito tempo manter tanta gente aposentada, sobretudo porque a base da pirâmide, que são os jovens, está diminuindo. Então, a gente goste ou não, vamos ter que nos preparar para uma vida laboral mais longa. E já que vai ter que trabalhar mais tempo, vamos trabalhar para ter projetos e para ser estimulante”, opina.
Por isso, segundo ele, será necessário pensar em uma política pró-natalidade para equilibrar a pirâmide social, ou seja, ter uma proporção menos desigual de jovens e idosos no país, e ainda garantir um envelhecimento melhor aos mais velhos.
Ele afirma que, para isso, são necessários quatro capitais fundamentais: saúde, conhecimento para não se tornar obsoleto (o manter-se antenado), bem-estar financeiro e bem-estar social (ou o “capricho nas relações para ter para a quem recorrer quando o negócio apertar”).
“A gente sabe que a pensãozinha só no fim da vida não vai dar conta. Aproveite para fazer suas economias porque, no final da vida, a gente precisa de mais renda e mais dinheiro, e não de menos.”