O bloco afro Ilê Aiyê amanheceu sob novo reinado. A professora de dança e bailarina Gisele Santos Soares, 24 anos, foi a grande vencedora da Noite da Beleza Negra. Ao todo, 15 mulheres negras baianas concorreram ao título de Deusa do Ébano na 38ª edição do disputado e emblemático concurso, que culminou num grande espetáculo com direção artística de Elísio Lopes Jr.
Com casa lotada, a Senzala do Barro Preto reuniu um público entusiasmado, que deu um show à parte de participação, interagindo continuamente com as candidatas durante as suas apresentações individuais, batendo palmas, dançando e jogando chuvas de confetes nas beldades. As ganhadoras dos segundo e terceiro lugares, eleitas Princesas do Ilê Aiyê, foram Suana Émile Góis de Jesus, 24 anos, e Juliana da Silva Conceição, 29 anos, respectivamente.
Um dos destaques da noite foi a eleição da primeira princesa plus size na história do concurso. Ovacionada pela plateia, Suana Émile de Jesus, mesmo fugindo do ideal de magreza imposto pelos padrões de beleza vigentes, não apenas emocionou o público pela sua bela apresentação, como levou o troféu de segundo lugar para casa (veja perfil de cada eleita abaixo).
Suana Émile
O posto de favorita ao título de Deusa do Ébano deste ano foi bastante disputado, com alguns grupos levando cartazes com as fotos e os nomes das suas favoritas. Entre os fãs do Ilê que prestigiaram o evento estavam a apresentadora Regina Casé, que anualmente marca presença no Curuzu, o comediante Luiz Miranda e diversos políticos baianos.
PODER FEMININO – Com o tema “Empoderamento Feminino”, o roteiro da noite foi dedicado a exaltar a força e a beleza da mulher negra e, para isso, reuniu personalidades e artistas no palco para falar sobre o poder de resistência da raça em um momento em que o Ilê Aiyê passa por uma crise financeira sem precedentes.
“Não dá para a gente pedir respeito sem antes a gente entender e ter certeza que temos respeito a nós mesmos,” clamou o ator Érico Brás. Já a cantora Larissa Luz pediu que a platéia desse “um grito de força, de emancipação, da mulher preta, da descolonização”.
Numa performance hilária e descontraída, a jornalista Maira Azevedo, mais conhecida como Tia Má, assumiu o palco junto com o ator Sulivã Bispo (canal Frases de Mainha) e arrancou gargalhadas do público “Eu não cresci querendo ser Paquita, eu cresci querendo ser
Já em um dos momentos mais reflexivos da noite, a antropóloga Wilma Reis, as jornalistas Wanda Chase e Rita Batista e a líder do candomblé Mãe Jaciara fizeram um pleito de protesto à violência contra a mulher e à intolerância religiosa. “Companheiro não bate, não agride, não humilha, não mata. Ele torce, comemora as suas vitórias e compartilha as suas derrotas,” defendeu Wanda Chase.
Em seguida, a cantora Danny Nascimento e 15 Rainhas do Ilê de anos anteriores tomaram conta do palco num encontro surpreendente, emocionando a plateia com uma apresentação delicada de balé afro que enfatizou a importância de cuidar das meninas negras. O momento ainda destacou a bailarina mirim do Ilê, Yasmim Santana, ovacionada pelo público.
PREMIAÇÃO – Todas as 15 candidatas à Deusa do Ébano 2017 ganharam uma fantasia para desfilar no bloco Ilê Aiyê neste ano. As belas foram avaliadas pela graça e desenvoltura na dança afro, assim como pela consciência do papel da negra empoderada. A Rainha do Ilê guia o bloco afro e serve de espelho para outras mulheres, atuando para elevar a autoestima e senso crítico delas.
As princesas Juliana da Silva Conceição e Suana Émile Góis de Jesus, terceiro e segundo lugar no concurso, ganharam o troféu Perfil Azeviche e prêmios em dinheiro, de R$2500 e R$ 3000, respectivamente.
Já a grande vencedora da noite, que vai liderar o bloco afro no Carnaval 2017, ganhou um prêmio de R$ 3.600 em dinheiro, o troféu Deusa do Ébano e dois bilhetes de ida e volta para qualquer destino da empresa Air Europa.
O momento do anúncio da vencedora trouxe um feito inédito: pela primeira vez, desde quando foi idealizada a Noite da Beleza Negra, o presidente da entidade, Vovô, cedeu a entrega da coroa para outra pessoa. O homenageado e incumbido da tarefa foi o parceiro do Ilê Aiyê e diretor artístico do espetáculo, Elísio Lopes Jr.
“Não existe crise. Essa crise existe há 500 anos, desde que o primeiro branco pisou aqui. Não há desculpa de crise. Eu só tenho de agradecer a esse povo teimoso, à nossa Diretoria, que não nos deixou desistir,” desabafou Vovô.
Após Larissa Oliveira, Rainha do Ilê de 2016, passar a coroa e o manto para Gisele Santos Soares, outra Rainha subiu ao palco. Vestida com as cores do Ilê, Daniela Mercury, a estrela mais esperada da noite, fez um show à altura da grandeza e tradição dos 42 anos do bloco afro. Com grandes sucessos como ‘Maimbê Dandá’ e ‘O mais belo dos belos’, a cantora agradeceu a parceira de muitos anos com a instituição e fechou a noite com chave de ouro.
Daniela Mercury
PERFIS DAS VENCEDORAS
1º Lugar
Gisele Santos Soares, 24 anos
Mãe de uma menina linda de 10 meses chamada Ayomí Zuhri, professora de balé clássico e dança afro e atuante em projetos comunitários, Gisele estreou no concurso da Deusa do Ébano com o pé direito, sendo eleita a Rainha do Ilê. Influenciada pela família desde de pequena, Gisele sempre foi encantada pelo Ilê. “Isso aqui não é só um concurso de beleza, é de ancestralidade, de força, identidade e afirmação. Confesso que não esperava ser eleita no meu primeiro ano, estou muito feliz”, conta a Rainha.
Focada em conquistar o título, a morada do bairro de Itapuã conta que assistiu vídeos das antigas rainhas e ensaiou durante bastante tempo, mesmo com uma filha recém nascida, para se preparar para grande noite. “Desde os três meses que dou aula com minha filha grudada comigo no sling“, revela a Deusa. “A dança afro, pelo fato de eu ser uma mulher negra, me representa muito e eu busco essa representatividade para ela”, completa.
Gisele tem no seu currículo o título de Rainha Mirim do bloco afro Malê de Balê e Princesa do Okambi, e garante que, para conquistar o coração dos jurados no concurso da Deusa do Ébano, o seu diferencial foi a simplicidade, o amor pela família e ser ela mesma durante toda a apresentação.
2º Lugar
Suana Émile Góis de Jesus, 24 anos
Ovacionada pelo público em sua estreia, Suana é a primeira princesa plus size eleita na história dos 38 anos de concurso. Orgulhosa de sua raça, das suas origens e do seu gênero, a estudante de enfermagem levanta a bandeira plus size e luta pela igualdade nos concursos de beleza. “É como se fosse um sonho impossível. Fiquei muito surpresa, não esperava uma reação tão positiva do público”, revela a ganhadora do 2º lugar do concurso. “Me deixou muito emocionada, como se o corpo todo estremecesse naquele momento”, completa.
Certa de que concorrerá no próximo ano para batalhar pelo topo da premiação, Suane se diz realizada por representar uma parte da sociedade que se sente fora do padrão de beleza. “Nós somos lindas e precisamos nos assumir de verdade, nos orgulhar do que somos e acreditar”, afirma a moradora do bairro de Santo Antonio Além do Carmo.
3º Lugar
Juliana da Silva Conceição, 29 anos
Direto do Acupe de Brotas, Juliana da Silva Conceição traz consigo uma história de relação familiar com Ilê, passada de geração em geração. Com 29 anos, a publicitária, que conquistou o 3º lugar, participa do concurso desde 2006 e, desde então, não parou mais. “Me identifiquei como mulher negra, empoderada e vou me preparar para o ano que vem, quem sabe, ser eleita Deusa do Ébano 2018”, adianta otimista.
Suana Émile (2º) , Gisele Soares (Deusa) e Juliana Conceição (3º)