“Você quer vender seu rim?”
Assim começa o anúncio enviado por e-mail com a promessa de resolver os problemas de pessoas em dificuldades financeiras em troca da venda do órgão.
Na apresentação, um suposto médico que diz representar várias clínicas internacionais especializadas em cirurgia renal deixa uma mensagem de contato para os interessados no negócio.
O aparente esquema de tráfico de órgãos na verdade é um sofisticado golpe aplicado por estrangeiros que querem apenas o dinheiro de quem já enfrenta uma situação difícil.
Durante 30 dias e 62 mensagens trocadas por e-mail, o R7 manteve contato com a “Clinica do Doutor Gerd” como interessado na venda do rim, órgão responsável pela produção de urina por meio da filtração de sangue. Foi criado um perfil de uma pessoa interessada no negócio. A clínica ficaria em Nova Délhi, capital da Índia, e prometia pagar 200 mil dólares por um rim.
O primeiro retorno aconteceu 24 horas depois de enviado o primeiro e-mail. Assinado por Gerd Adam, suposto médico responsável pela cirurgia, a mensagem apresentava termos e condições (gozar de boa saúde e não ser consumidor de álcool) necessários para o procedimento. Também foi enviado um formulário com pedido de informações básicas como endereço, telefone, tipo sanguíneo e dados bancários.
A solicitação de informação particular é um indício de falcatrua, conforme afirma Samara Schuch Bueno, advogada especializada em direito digital. “Esse tipo de e-mail é utilizado para a coleta de dados e para a prática de fraudes.”
A reportagem enviou ao suposto médico somente algumas informações e deixou outras sem respostas. Nenhum dado de saúde foi fornecido, mas mesmo assim foi aprovada a solicitação para vender o rim.
“Olá doador. Parabéns!!!!!!!!!!! Nosso diretor médico chefe acabou de aprovar seu pedido e também aprovou o pagamento da sua primeira parte de pagamento para que você possa começar o processamento do seu visto por aí para a Índia”, escreveu o médico na resposta por e-mail.
Na mesma mensagem, foi explicado que metade do valor seria transferido antes do procedimento cirúrgico por um parente do receptor. Foi pedida uma conta em um banco no Brasil para a transferência do dinheiro. A reportagem informou dados fictícios. A resposta veio oito horas depois com o envio de um comprovante de transferência no valor de 100 mil dólares. A falsificação é grosseira.
A reportagem respondeu que não havia recebido o dinheiro. Foi o gatilho para os estelionatários entrarem na fase seguinte do golpe. Foi enviado um e-mail em nome de Sunday Abah, suposto gerente do Premium Nation Bank, que seria um banco da Nigéria.
O suposto gerente explicou ao nosso perfil que, para receber o valor combinado pela venda do rim, era necessário antes fazer um depósito de 200 dólares, algo em torno de R$ 700. O montante deveria ser enviado por instituições que fazem transferência de quantias para outros países por meio de ordem de pagamento — meio muito utilizado por imigrantes para mandar dinheiro para parentes nos países de origem.
A transferência do dinheiro deveria ser feita para uma agência em Lagos, na Nigéria, em nome de Sunday Abah — mesmo nome do gerente do banco. No final, ele aconselha: “Por favor, aconselhamos que, após o pagamento, envie estritamente uma cópia digitalizada do boleto de depósito para nós servindo como recibo da documentação”.
O site do Banco Central da Nigéria não registra nenhuma instituição como o nome de Premium Nation Bank. Os estelionatários deixaram algumas pistas no site do suposto banco. O registro está em nome de uma produtora de vídeo. O site não indica um e-mail corporativo e um dos telefones de contato é um número de celular.
A reportagem encerrou o contato e ainda recebeu duas mensagens por e-mail, pressionando para que fosse feita a transferência do dinheiro.
De acordo com a advogada especializada em direito digital, o pedido de depósito é uma modalidade de fraude. “É um tipo em que o próprio fraudador interage com a pessoa, pedindo o envio de um sinal”, afirmou. Os estelionatários digitais são conhecidos como “scammer” ou “phishing”.
No Brasil, o comércio de órgãos é vetado pela lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. O texto informa que só é permitida “a disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano”. A venda de um rim, por exemplo, é considerada crime.
R7