O exame de carga viral, considerado uma peça importante para acompanhar a reação do paciente com HIV/Aids ao tratamento com antirretrovirais, passou a ser racionado pelo governo. Comunicado emitido pelo Ministério da Saúde no dia 30 de maio para serviços de saúde recomenda que o teste seja feito apenas em casos considerados indispensáveis, como gestantes e crianças até 18 meses. Os estoques do insumo duram somente até julho. O ministério afirma que o problema é reflexo de dificuldades na compra do exame. Em julho do ano passado, a pasta iniciou um processo para aquisição de 1,596 milhão de testes. Num pregão eletrônico realizado em abril, somente uma empresa, a Abbott, se apresentou. E o preço ofertado pela fabricante era 76,8% maior do que o valor de referência – R$ 31 por teste, equivalente ao que foi pago na última compra, datada de 2014. A restrição no uso do exame de carga viral foi recebida com apreensão por integrantes de movimentos ligados à luta pelos direitos de pessoas que vivem com HIV/Aids. Para Jorge Beloqui, do GIV, a redução na oferta de testes vai atrasar a identificação de pacientes que desenvolveram resistência ao tratamento. Quando o diagnóstico de que o organismo já não responde mais aos remédios é feito de forma rápida, é possível reduzir os riscos de piora do paciente, por meio da uma mudança da combinação de drogas usadas. A professora da Unicamp Monica Jacques de Moraes considera que a medida adotada pelo ministério, se for por um curto espaço de tempo, não trará prejuízos. “O problema será se a redução perdurar por vários meses”, observou. Ela afirma que o exame é recomendado para ser feito de forma periódica. “Em pacientes que estão estabilizados, um ou dois meses de espera não trará impacto no tratamento.” O mesmo, no entanto, não ocorre nos casos em que pacientes acabam de iniciar a terapia com antirretrovirais. “Passados os primeiros meses, é preciso fazer um exame para verificar a resposta do organismo do paciente à terapia”, conta. Para Veriano Terto, da Associação Interdisciplinar de Aids, o episódio deixa várias perguntas sem resposta. “Por que apenas uma empresa participou? Por que houve tanta demora entre o processo de compras e o pregão?”, questionou. Terto observa que a associação há tempos pede para acompanhar os processos de compra do ministério, sem sucesso. “Essa estratégia adotada pelo governo está longe do ideal. Mostra a precariedade na parte da logística, da assistência, que está presente na saúde como um todo”, completa. Monica avalia que a medida revela um cuidado do programa de DST, Aids e Hepatites Virais. “Já houve outras ocasiões em que medidas para evitar o desabastecimento foram organizadas, discutidas e nunca chegaram a ser colocadas em prática, porque não houve necessidade”.