A deficiência física nunca foi um empecilho. Sob a cadeira de rodas desde 2000, a guardadora de carros Angelina Nascimento, de 54 anos, que se tornou campeã paraolímpica, não abre mão de participar da Maratona Salvador, que acontece neste domingo (15), na orla da cidade.
Veterana na disputa, ela estará entre os cinco mil corredores na terceira edição do evento. Angelina vai encarar a meia maratona (21km), o segundo maior percurso da competição, e aposta que pode ser uma das vencedoras.
O currículo favorece. É a única maratonista cadeirante da Bahia, já ganhou quatro meias maratonas pelo Brasil e ano passado fez os 42km da prova soteropolitana. A Maratona Salvador é uma realização da Prefeitura, por intermédio da Empresa Salvador Turismo (Saltur) e apoio da Federação Baiana de Atletismo (FBA).
“Geo” – Na região da Barra, na Rua Miguel Bournier, onde trabalha como guardadora de carros da Zona Azul há 30 anos, é conhecida pelo apelido carinhoso de “Geo”. Mãe de três filhos, com idades acima dos 25 anos e todos com nível superior, fala orgulhosa do ofício que ajudou na educação da família.
“Sempre trabalhei aqui para que todos estudassem”, diz, orgulhosa. A história de superação, tanto no esporte como na maternidade, lhe renderam boas amizades no local onde ganha o pão. Quem estaciona na região e trabalhadores da redondeza ajudam como podem.
O cadeira especial com três rodas que utiliza nas corridas, por exemplo, fica guardado no edifício Barra Sol. O porteiro e amigo, que preferiu não se identificar, além de cuidar do equipamento sempre dá uma força na preparação da atleta. Após a rotina de trabalho, ela troca a cadeira de rodas comum pelo equipamento triciclo, que também lhe serve como meio de transporte.
Paralisia – A atleta descobriu o significado do esporte há 19 anos, quando teve as pernas paralisadas. Infectada por água de esgoto, contraiu um distúrbio neurológico chamado de polineuropatia. Ficou hospitalizada por um ano e, como consequência, teve a perda total do movimento dos membros inferiores.
Ela conta que foi na corrida que viu a chance de reabilitação. Sem nunca ter praticado nenhuma atividade, encarou a fisioterapia e passou a treinar num triciclo. Emocionada, revela: “A corrida salvou minha vida! Correr para mim é tudo. Sem meu esporte eu estaria em cima de uma cama me lamentando”.
Vencedora – Assim, se tornou uma atleta vencedora, já tendo sido campeã de provas tradicionais como a Maratona do Rio de Janeiro, a Volta Internacional da Pampulha e a São Silvestre. Neste domingo (15), garante que conquistará o pódio e levará para casa um dos prêmios da Maratona Salvador.
“Participo de provas em todo o país, mas fazer parte da maratona da minha cidade é um orgulho. Darei toda a minha energia para levar”, revela, entusiasmada.
Os vencedores do percurso de 21km (meia-maratona) serão contemplados com valores de R$ 8,5 mil (1° lugar), R$ 5 mil (2° lugar), R$ 3,5 mil (3° lugar), R$ 2,5 mil (4° lugar) e R$ 1,5 mil (5 lugar)°. O horário de largada de sua modalidade, assim como os que disputarão a maratona completa (42 km), é às 5h30, no Farol da Barra.
Treino e dedicação – Amante do esporte, Angelina leva a sério a preparação física. Os treinos são diários e têm início logo nas primeiras horas do dia. A média é de 20 km dia, 100 por semana, 400 por mês.
Ainda na madrugada, às 3h, sai do Dique do Tororó, onde mora com a família, e segue pelas ruas da Sete Portas, Rótula do Abacaxi, Avenida ACM, Jardim de Alah e Farol da Barra. A atleta aproveita o pouco movimento de carros para fazer cumprir sua planilha de treinos, invariavelmente de segunda a sexta, faça chuva ou sol.
Nos finais de semana, geralmente aos domingos, participa de competições Brasil afora, nas quais, via de regra, ocupa o ponto mais alto do pódio. Após a Maratona Salvador, vai alçar novos voos. Angelina irá disputar no dia 29 deste mês a Maratona Internacional de Foz do Iguaçu. “Metade da prova é no Paraguai e parte no Brasil. Será um outro grande desafio”.
Federação – Para o presidente da Federação Baiana de Atletismo (FBA), Og Robson de Menezes, a participação de Angelina, assim como a presença de um outro candidato cadeirante, é de suma importância para a modalidade esportiva.
“Para nós da FBA, trata-se de inclusão social, até por que não é nossa expertise lidar com o paradesportivos. Existe uma entidade internacional e uma nacional com regras próprias voltadas para cada necessidade especial, envolvendo árbitros também com formação específica para tratar com atletas deste seguimento esportivo”, informa o presidente.