Jair Bolsonaro, não. Para Fernando Haddad, agora é Bozo, alguém com “bozoideias” péssimas para o Brasil. O apelido que caiu nas graças da esquerda para se referir ao presidente do Brasil incorpora-se agora ao vocabulário de seu adversário petista na eleição –e dá uma pista do papel que Haddad está disposto a prestar como líder de oposição ao novo governo.
Na quarta-feira (9), o professor acadêmico que no pleito costumava se dirigir ao rival como “deputado Jair Bolsonaro” o chamou de Bozo e ironizou a anulação de uma multa ambiental que o Ibama tascara em 2012 no agora presidente (disse que havia sido “aplicada por fiscal comunista”).
Na véspera, Haddad deu algumas dicas para seu 1,14 milhão de seguidores no Twitter. “Antes de defender uma bozoideia, espere 24h. Poupa o esforço de defender o recuo”, o petista escreveu ao comentar a possibilidade (logo descartada) de o Brasil abrigar uma base militar americana.
Investiu contra dois ministros. Primeiro replicou um editorial da Folha de S.Paulo sobre Ricardo Vélez Rodríguez: “Cara (alô Rio), agora é a Folha, atacando o tosco ministro da Educação. Onde isso vai parar?”. Depois atacou o titular da Casa Civil. “Os truques do baixo clero: Onyx usou notas em série de amigo para receber verba de gabinete. Nova tattoo sendo providenciada.”
Em dezembro, acuado por denúncias de caixa dois, Onyx Lorenzoni tatuou no braço um versículo bíblico para que ele “nunca mais erre”, declarou então: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
Outra alfinetada de Haddad, desta vez no escritor Olavo de Carvalho. “Trailer do próximo filme do Woody Allen. Imperdível!”, disse sobre um vídeo em que o ideólogo do bolsonarismo afirma não ser possível provar que a Terra se mova em torno do Sol ou que a Teoria da Relatividade de Albert Einstein seja válida.
A troca do tom professoral antes tão associado a Haddad por um discurso mais combativo não é acidental. O petista avalia que o momento é de partir para o ataque e vem colhendo frutos virtuais, com maior engajamento de seus seguidores em redes sociais.
Internamente, sua equipe compara seu caso com o do governador João Doria (PSDB), mais comedido no “modo sabichão” que desempenhou no último pleito. No Facebook, ele tem quase seis milhões de pessoas que curtem ou seguem seu perfil. Haddad, pouco menos de quatro milhões. O petista, contudo, tem amealhado uma média bem superior de “likes”, sobretudo em postagens mais ferinas contra Bolsonaro. Já o tucano, com postura mais institucional, repercute menos.
No sábado (5), Haddad se reuniu com o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, e usou de exemplo a conduta que adotou após a derrota para Doria na eleição de 2016 para a Prefeitura de São Paulo. Por um semestre, poupou o tucano de críticas, ao menos publicamente, até por admitir que, naquele período, Doria era respeitoso com ele e sua família. Acha que não pode repetir o mesmo modus operandi com Bolsonaro.
“Achei ele animado, disposto a fazer oposição forte já agora, como mostra sua presença nas redes”, diz Medeiros. Haddad cuida da própria conta do Twitter, com ajuda do assessor pessoal Frederico Assis, o Fred, formado em relações internacionais da USP –estão juntos desde 2012, quando o petista foi eleito prefeito paulistano e se cercou de um grupo de jovens que causou ciumeira no PT (o que lhes rendeu o apelido “Pokemóns do Haddad”).
O ex-prefeito parece cada vez mais à vontade em elevar os decibéis contra sua nêmesis eleitoral. Tem dito que o presidente é desrespeitoso com ele. Guarda mágoas de vários ataques frontais contra sua pessoa, que teriam extrapolado o esperado debate político.
Como quando Bolsonaro, por exemplo, disse que “quem conversa com poste é bêbado” após o petista se dispor a ir até numa enfermaria para debater com ele, que se recuperava de um esfaqueamento. Ou quando o rival tuitou que Haddad era “marmita de corrupto preso”, por suas visitas a Lula na prisão. A expressão “marmita de bandido” é usada para definir uma mulher que namora presos.
Por essas e outras que o petista concluiu que Bolsonaro não se dá ao respeito e, para enfrentá-lo, é cair na jugular. A faceta “pistola”, gíria para ficar bravo com algo, eletrizou seus seguidores, mas também despertou críticas pela adoção de uma linguagem que ecoa em bolhas.
“Um típico acadêmico de classe média que não faz ideia do que é militância”, tuitou um seguidor. Fora da internet, o ex-presidenciável costura a imagem de um líder da esquerda global. Nos últimos meses, esteve com ícones progressistas como o ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica e Bernie Sanders, que em 2016 perdeu para Hillary Clinton o posto de candidato democrata (e ela, para Donald Trump o de presidente dos Estados Unidos).
Haddad tem no horizonte agendas com forças partidárias da esquerda europeia (o Podemos espanhol e o Geringonça português) e o mexicano Andrés Manuel López Obrador, exceção esquerdista na leva de novos mandatários da América Latina.
As viagens a Curitiba para visitar Lula na cadeia, comuns em 2018, ainda não se repetiram neste ano. Haddad não sabe quando voltará à cidade.
Agência Brasil