Dos evangelhos a costumes pagãos incorporados pela Igreja Católica, passando por tradições criadas na Era Vitoriana britânica, o Natal passou de uma celebração invernal a uma festa que, para muitos, mescla a tradição religiosa ao secularismo dos dias atuais.
O Natal – que para os cristãos marca o nascimento de Jesus, o filho de Deus – é celebrado em 25 de dezembro ou 7 de de janeiro, no caso dos cristãos ortodoxos.
A natividade é descrita no Novo Testamento da Bíblia, mas os evangelhos de Mateus e Lucas dão versões diferentes para o evento.
Ambas narrativas dizem que Jesus nasceu de Maria, noiva de José, um carpinteiro. Os evangelhos afirmam que Maria era virgem quando engravidou.
No relato de Lucas, Maria foi visitada por um anjo trazendo a mensagem de que ela daria à luz o filho de Deus. Já a versão de Mateus afirma que José foi visitado por um anjo que o persuadiu a casar com Maria em vez de dispensá-la ou expor a origem de sua gravidez.
Mateus fala também de de um grupo de sábios (os reis magos) que seguiram uma estrela até chegar ao local de nascimento de Jesus, para presenteá-lo com ouro, incenso e mirra. Lucas, por sua vez, conta que pastores foram guiados por um anjo até Belém.
Segundo a tradição, José e Maria viajaram pouco antes do nascimento de Jesus. José havia sido ordenado a participar de um censo em sua cidade natal, Belém.
Todos os judeus tinham de ser contabilizados, para que o Império Romano pudesse determinar o quanto recolheria deles em impostos. Os que haviam se mudado de Belém, como José, tinham de regressar para serem registrados.
José e Maria enfrentaram a longa e árdua viagem de 150 km a partir de Nazaré, pelo vale do rio Jordão, passando por Jerusalém até chegar a Belém. Maria viajou sobre uma mula, para guardar energia para o parto.
Mas, ao chegarem a Belém, souberam que a hospedaria local estava repleta. O dono do local os deixou permanecer em uma caverna rochosa sob a casa, usada como um estábulo.
Foi ali, próximo ao barulho e à sujeira dos animais, que Maria deu à luz seu bebê e colocou-o na manjedoura.
O primeiro Natal
Os evangelhos não mencionam a data do nascimento de Jesus. Foi só no século 4 que o papa Júlio 1º estabeleceu o dia 25 de dezembro como o dia de Natal. Era uma tentativa de cristianizar as celebrações pagãs que já eram realizadas nessa época do ano.
No ano de 529, o 25 de dezembro já havia se firmado como um feriado e, em 567, os 12 dias entre o 25 de Dezembro e o Dia de Reis – considerado o dia em que os reis magos chegaram até Jesus – eram feriados públicos.
O Natal não é apenas uma festa cristã. A celebração tem raízes no feriado judaico de Hanuká (festa de luzes celebrada ao longo de oito dias), nos festivais dos gregos antigos, nas crenças dos druidas (sacerdotes celtas) e nos costumes folclóricos europeus.
Celebração invernal e histórica
No hemisfério Norte, o Natal é uma festa invernal, próximo ao período do solstício de inverno – depois desse período, a luz do sol aumenta e os dias começam, gradativamente, a serem mais longos. Ao longo da história, esse já era uma época de festividades.
Nossos antepassados caçadores passavam a maior parte do tempo em ambientes externos. Portanto, as estações do ano e o clima tinham uma importância enorme em suas vidas, a ponto de eles reverenciarem o sol. Povos do norte europeu viam o sol como uma roda que mudava as estações, por exemplo.
Os romanos também tinham seu festival para marcar o solstício de inverno: a Saturnália (dedicado ao deus Saturno) durava sete dias, a partir de 17 de dezembro. Era um período em que as regras do cotidiano viravam de ponta-cabeça. Homens se vestiam de mulher, e patrões se fantasiavam de servos. O festival também envolvia procissões, decorações nas casas, velas acesas e distribuição de presentes.
O azevinho, arbusto típico usado hoje nas guirlandas, é um dos símbolos mais associados ao Natal – por ter sido transformado pela Igreja no símbolo da coroa de espinhos de Jesus. Segundo uma lenda, galhos de azevinho foram trançados em uma dolorosa coroa e colocados na cabeça de cristo por soldados romanos para zombá-lo: “Salve o rei dos judeus”.
Diz a crença que as frutas do azevinho eram brancas, mas foram tingidas de vermelho permanentemente pelo sangue do messias cristão.
Outra lenda diz respeito a um pequeno órfão que vivia com os pastores quando os anjos vieram anunciar o nascimento de Jesus. O menino trançou uma coroa de azevinhos para a cabeça do bebê recém-nascido. Mas, ao oferecê-la, ficou envergonhado de seu presente e começou a chorar.
O bebê Jesus tocou a coroa, que começou a brilhar, fazendo as lágrimas do órfão se transformarem em frutinhas vermelhas.
Mas o significado religioso do azevinho precede o cristianismo: o arbusto era associado inicialmente ao deus Sol e considerado importante nos costumes pagãos. Algumas religiões antigas usavam o azevinho para proteção, e as portas e janelas eram decoradas com suas folhas para proteger as casas de espíritos ruins.
Do ponto de vista histórico, o Natal sempre foi uma curiosa combinação de tradições cristãs, pagãs e folclóricas. Se voltarmos no tempo para 389 d.C., são Gregório Nazianzeno (um dos quatro patriarcas da Igreja Grega) advertiu contra “os excessos nas festividades, nas danças e decorações nas portas”. Nessa época, a Igreja já tinha dificuldades em eliminar os traços pagãos dos festivais de inverno.
Na Era Medieval (cerca de 400 d.C a 1400 d.C), o Natal já era conhecido como um período de banquetes e diversões. Era um festival predominantemente secular, mas continha alguns elementos religiosos.
O Natal medieval durava 12 dias, entre o dia 24 de dezembro ao dia 6 de janeiro – dia da “Epifania do Senhor”. Epifania vem da palavra grega que significa aparição, em referência ao momento em que Jesus foi revelado ao mundo. Até os anos 1800, a Epifania era uma celebração tão grande quanto a do Natal.
Ao longo da história, a Igreja tentou restringir as celebrações pagãs e dar um sentido cristão a costumes populares. Os cânticos natalinos, por exemplo, eram originalmente músicas para comemorar colheitas ou a metade do verão, até serem incorporadas pelos religiosos. Elas se tornaram uma tradição natalina no final do período medieval.
Proibições ao Natal
Até o século 19, a data não era uma celebração familiar – era comum as pessoas beberam e saírem comemorando pelas ruas. A festa costumava ser tão efusiva que de meados do século 17 até o início do século 18, as puritanos cristãos suprimiram as festas natalinas na Europa e no continente americano.
O movimento puritano havia começado durante o reinado da rainha britânica Elizabeth 1ª (1558-1603) e se baseava em severos códigos de conduta moral, muita oração e em uma interpretação rígida das escrituras do Novo Testamento.
Como a data do nascimento de Cristo não consta dos evangelhos, os puritanos acreditavam que o Natal era muito relacionado aos festivais pagãos romanos e se opunham a sua celebração, sobretudo ao seu aspecto festivo, regado a comida e bebida, como herança da Saturnália.
A representação da natividade
A contação de histórias se tornou uma parte importante da cristianização do Natal, por exemplo por intermédio do presépio, como uma representação do estábulo onde Jesus nasceu.
A tradição de montar presépios é antiga: já em 400 d.C., o papa Sisto 3º ordenou que um fosse construído em Roma. No século 18, em muitas partes da Europa, a montagem de presépios era considerada uma forma importante de artesanato.
Peças de natividade também eram apresentadas em igrejas, com a intenção de ilustrar a história natalina contada pela Bíblia.
A Era Vitoriana e o Natal atual
O Natal chegou a ser vetado na Inglaterra, mas voltou com força na Era Vitoriana (1837-1901), com forte caráter nostálgico.
A obra clássica de Charles Dickens, Um Conto de Natal, de 1843, inspirou ideias de como o Natal deveria ser, capturando a imaginação das classes médias britânica e americana – que tinham dinheiro para gastar e vontade de fazer da festa um momento especial para toda a família, dando início ao Natal da forma como o conhecemos hoje.
Ainda que a intenção vitoriana fosse reproduzir práticas natalinas da Inglaterra medieval, muitas das novas tradições eram invenções anglo-americanas. A partir dos anos 1950, os corais de Natal foram estimulados por sacerdotes, sobretudo nos EUA, que incorporaram a cantoria às celebrações natalinas religiosas.
Os ingleses foram os precursores dos cartões de Natal, mas os americanos – muitos deles migrantes – adotaram a prática e a popularizaram, graças a um serviço postal barato e à possibilidade de manter contato com parentes fisicamente distantes.Já a árvore de Natal era uma tradição germânica, levada à Inglaterra e popularizada pela família real. Em 1834, o príncipe Albert, marido da rainha Vitória, ganhou uma árvore da rainha da Noruega e exibiu-a na praça Trafalgar, ponto importante de Londres.
Celebração moderna
O Advento é um período de preparação das comemorações do nascimento de Jesus e começa no domingo mais próximo ao dia 30 de novembro. A palavra vem do latim adventus , ou chegada. Tradicionalmente, é uma época de penitência, mas não mais tão rígida quanto a Quaresma, uma vez que os cristãos não fazem mais jejum nesse período.
Guirlandas do Advento são populares na Europa e nos Estados Unidos, sobretudo em igrejas. Elas são feitas com galhos de pinheiros e quatro velas – uma para cada domingo do Advento.
Papai Noel
Uma parte importante do Natal moderno é o mito do Papai Noel ou Pai Natal, cuja origem remonta a tradições cristãs e europeias. Mas a imagem dele como a conhecemos hoje foi popularizada por fabricantes de cartões natalinos americanos no século 19.
Tradicionalmente, o Pai Natal visita as casas à meia-noite da véspera de Natal, descendo pela chaminé para entregar os presentes, colocando-os dentro das meias que as crianças deixam penduradas.
Algumas tradições ao redor do Pai Natal também precedem o cristianismo. Seu trenó, puxado por renas, vem da mitologia escandinava. A prática de deixar tortas e leite ou conhaque para o Papai Noel pode ser remanescente de sacrifícios pagãos que marcavam a chegada da primavera.
Nos EUA, a figura do Santa Claus tem seu nome derivado de São Nicolau, que, segundo a tradição, costumava entregar anonimamente sacos de ouro para um homem que não tinha dinheiro para pagar o dote de casamento de sua filha.
Algumas versões da história afirmam que o santo jogava as sacolas de ouro pela chaminé.
O Natal hoje
O Dia de Natal é a festa cristã mais celebrada pelas pessoas que não frequentam igrejas, e estas, ao mesmo tempo, costumam ficar repletas para a missa natalina.
No entanto, para muitas pessoas, o Natal hoje se tornou uma festa secular, centrada na reunião familiar e na troca de presentes.
Se em séculos passados a Igreja temia a influência pagã sobre a festa cristã, as preocupações atuais são o consumismo e os excessos que marcam as festas de fim de ano.
Do Terra/BBC Brasil (reprodução)