A ingrata posição de primeiro lugar no ranking dos estados com maior número absoluto de crimes intencionais em 2016, de acordo com o Anuário Brasileiro da Segurança Pública divulgado nesta segunda-feira (30) , revela que os investimentos na área na Bahia são aplicados de forma ineficaz. A avaliação é do professor João Apolinário da Silva, coordenador do Observatório de Segurança Pública da Bahia, que acompanha as ações realizadas no setor no estado. Só em 2016, a Bahia registrou 7.110 mortes, um aumento de 12,8% em relação ao ano anterior, quando 6.273 pessoas morreram em diversas circunstâncias, como homicídios dolosos, latrocínio (roubo seguido de morte) ou pelas mãos da polícia, por exemplo. Segundo Silva, a trajetória de aumento da violência é constante e um dos principais fatores para essa escalada está na injeção “incorreta” dos recursos destinados à segurança. “O governo tem aplicado os recursos na construção de edifícios. Constrói um edifício para a polícia, outro para abrigar um sistema de câmeras, um sistema de rádio, compra viaturas, mas isso não tem impacto na redução da criminalidade. Um exemplo está na construção do Centro de Operação da SSP. Nesse mesmo período, aumentou substancialmente a quantidade de homicídios na Bahia”, criticou, em entrevista ao Bahia Notícias. Segundo dados do anuário, o governo estadual incrementou os repasses para a área de informação e inteligência. Em 2016, as subfunções receberam R$ 20,2 milhões, um reajuste de 24,49% na comparação com 2015, quando os investimentos foram de R$ 16,2 milhões. No entanto, mais dinheiro para as áreas, que, na prática, monitoram e podem evitar ações de criminosos, por exemplo, não significa mais efetividade. De acordo com o especialista, a informação deveria chegar para quem atua nas ruas, o que não ocorre. “A informação produzida pela inteligência é de consumo interno. A inteligência não produz informações para o policiamento de rua, mas sim para o gestor tomar ação. Essas pessoas não têm conectividade nenhuma com o serviço aplicado no cotidiano”, afirmou. Enquanto os aportes nesses setores cresceu de um ano para outro, na área de policiamento a queda foi vertiginosa. Em 2015, o governo estadual destinou R$ 3,6 bilhões para esta subfunção. No ano seguinte, foram R$ 471,5 milhões. Uma queda de 87%. Para Silva, o fato não tem relação direta com o aumento dos assassinatos no estado. “Vários estudos mostram que aumento no policiamento não quer dizer redução na violência. Neste caso, não necessariamente o governo deixou de investir em policiamento. Os policiais estão sem receber aumento há quase três anos. Por isso, fica parecendo que não houve investimento”, ponderou. Ao trazer explicações para o aumento do número de mortes violentas na Bahia, o coordenador do Observatório resumiu a questão em dois eixos centrais. Um é a “gestão continuada de insucessos” na política de segurança implementada há 10 anos. O outro é o que classificou como crise do sistema prisional baiano. O professor relembrou que, nos últimos 16 anos, mais de 60 mil pessoas foram assassinadas no estado e, mesmo assim, há uma “omissão” na procura das melhores práticas na área de segurança. “A Bahia, no ramo da segurança pública, funciona como uma capitania hereditária. O estado é sempre pioneiro no número de homicídios. A gente tem omissão em procurar as melhores práticas de segurança pública no estado. Estamos com inconsistência perdurando anos a fio”, atacou. Ele também culpou a proliferação de células criminosas pelos vultosos índices de violência. O professor explicou que, ao contrário de estados como São Paulo e Rio, que possuem facções criminosas únicas, com ramificações pelo país, a dinâmica na Bahia é diferente. Após brigas entre traficantes nos presídios, as organizações acabam se esfacelando e o que sobra delas se espalha pelo estado, como células criminosas, disputando o controle das regiões. São confrontos, aponta Silva, que fazem emergir um grande número de crimes. E é esta batalha, na avaliação dele, que o Estado tem perdido. No caso do sistema prisional, o especialista critica a falta de “conexão” entre o setor e o sistema de segurança pública. “São duas coisas apartadas. O estado se eximiu do controle da prisão, os presos são controlados pelos próprios presos”, acusou. Ele também contestou as constatações feitas por especialistas de que há superpopulação prisional no estado. “Nestes 16 anos, foram mais de 60 mil assassinados. Nesse mesmo período, foram contabilizados 2.700 presos por homicídio. O que temos é uma grande impunidade, um conjunto de medidas insuficientes que não consegue investigar e prender criminosos e leis que possibilitam que a Justiça não retenha esses criminosos para prática de novos crimes”, criticou.
Bahia Notícias