Foi um fim de semana agitado para o comércio em todo o Brasil e também um período de trevas na cabeça de quem se descobriu enganado, como meu vizinho que comprou um relógio por mil e duzentos reais e eu mostrei, só de sacanagem, a nota fiscal de relógio igual que comprei por setecentos e cinquenta reais, pagando em suaves prestações. Ele foi mais uma vítima de mais uma invenção brasileira, a Blackfraude.
O comércio comemorou pois mais de 40 por cento dos brasileiros anteciparam as compras de Natal aproveitando o Black Friday. Você sabe que essa invenção é como sempre coisa de marketing dos americanos, que são geniais em ganhar dinheiro. Aconteceu primeiro lá na Filadélfia desde os anos 1950 e que a partir de 2010 começou a ser praticado no Brasil.
Nos Estados Unidos a promoção é séria. Aqui, logo de saída teve comerciante e grandes e tradicionais empresas de varejo sendo acusadas de aumentarem os preços dos produtos uma semana antes para baixar de mentira no Black Friday. E, como sempre, o comerciante brasileiro já chegou desmoralizando a iniciativa e até hoje não se consegue melhorar a imagem do Black Friday.
Mas nossos comerciantes historicamente sempre tentaram dar um jeitinho, roubar no peso, colocar o dedo na balança ou vender um metro de tecido com 90 centímetros e por aí vai. Os importadores de açúcar da Europa no auge da produção do Recôncavo baiano no século XVIII se queixavam que pagavam pela saca inteira de 50 quilos e invariavelmente alguns chegavam com 40 quilos. E ainda tinha dono de engenho cara de pau dizendo que derretou na viagem.
Os marchantes e açougueiros da Rua do Cabeça, no início do século passado, sofriam desconfiança da população que não acreditava que os pesos de cobre tivessem mesmo a medida marcada em baixo relevo.
Nos primórdios de Salvador, alí onde hoje é a Praça Castro, ficava a Porta de São Bento, o lugar era conhecido também como largo da feira e onde se vendia e comprava tudo que era produzido pelos índios nas imediações ou vinha de longe; tinha escambos e acordos. Pois lá tinha um pelourinho que era para punir com chicotada e escárnio o comerciantes que roubasse ou iludisse comprador. Fosse no peso fosse no preço.
Até hoje no interior da Bahia – coisa que já vem de séculos passados – tem sempre um dia na feira livre de alguns municípios e eu vi isso certa vez em Bom Jesus da Lapa, onde os produtos são vendidos a preços mais baixos, principalmente frutas, verduras e legumes. E vale pagar como der: dez galinhas valem um bode, uma dúzia de ovos vale uma penca de banana e infelizmente passarinho pode ser trocada até por roupa ou aparelho de TV.
Entre os séculos XIX e XX quem levava a fama de ladrão era o comerciante ou os tropeiros libaneses, turcos, sírios e italianos que andavam pelo sertão e pelo Sul da Bahia. Todos eram chamados de turcos, fosse qual fosse sua origem. E nunca conseguiram se livrar da pecha.
Em Salvador temos nosso Black Saturday, Sundeyou Weekend que é a velha e resistente Feira do Rolo, lá perto de onde ficava a extinta Feira do Curtume, no início da Avenida Suburbana. Lá um Tênis de original de marca pode valer 20 paus. Um celular 100. Um pneu 50. Um micro-ondas sai por menos de 100 reais. Tem também revólver, TVs e num dia bom pode se encontrar carro. A cartela de Viagra sai por 10 contos. É como comprar pela internet: nunca se sabe se o produto vai mesmo funcionar.
Como todo mundo desconfia do Black Friday brasileiro é bom mesmo colecionar os encartes de ofertas para não ser enrolado, como Bruno, amigo da minha filha que comprou um Play station e quando abriu a caixa era um tijolo. E outra amiga que comprou camiseta G e recebeu roupa de boneca. As o SPC que fez a pesquisa que falei antes está preocupado também com os clientes Black Friday. Aqueles que compram e fingem que pagam. (Texto customizado de comentário feito na Rádio Metrópole).
+++
Jolivaldo Freitas é escritor e jornalista
[email protected]