A 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital autorizou nesta sexta-feira (26) a prefeitura de São Paulo a abordar os usuários de crack que estão espalhados por pelo menos 22 pontos da cidade e encaminhá-los para avaliação médica e possível internação compulsória (forçada). A decisão do juiz Emilio Migliano Neto determina uma série de restrições, como a avaliação médica particular, caso a caso, e limite de 30 dias para a medida. O processo corre em segredo de Justiça. O MPSP (Ministério Público de São Paulo) afirmou que irá recorrer.
O R7 e a Record TV divulgaram na noite de terça-feira, com antecedência, o pedido do secretário de Justiça da cidade, Anderson Pomini, para conseguir a autorização judicial para a medida.
As três clínicas em que serão feitas as internações são: João de Deus, em Pirituba, Cantareira, no Tucuruvi, ambas na zona norte da capital, e Irmãs Hospitaleiras, em Riviera Paulista, na zona sul. Os três locais têm capacidade para abrigar 90 pessoas cada um. Porém, apenas a João de Deus tem condições de receber os usuários de crack. O Hospital Cantareira tem consultas especializadas, atendimento ambulatorial e serviço de hospital-dia, mas não tem o serviço de internação, e a instituição Irmãs Hospitaleiras paralisou as operações em março deste ano.
A Secretaria Municipal de Saúde afirma que as três unidades assinaram em maio um termo aditivo para prestação de serviços médicos e dará conta de 270 leitos de internação.
A assessoria de imprensa do TJSP informou que a decisão ainda não é válida. Ela só passa a valer depois que ambas as partes sejam notificadas e confirmem o recebimento da sentença, o que deve acontecer só na segunda-feira. Nesse mesmo dia, o MP vai entrar com o recurso.
O MP enviou na quinta (25) um parecer à 7ª Vara recomendando não aceitar o pedido da prefeitura. De acordo com a promotoria, “o pedido é de tal forma amplo que, em tese, qualquer pessoa da cidade, tida pelos agentes públicos como “em situação de drogadição”, poderia ser conduzida para avaliação médica”. Para o MP, o pedido inicial feito pela gestão Doria poderia ensejar uma “caçada humana”. A Defensoria Pública de SP endossou o parecer de ontem.
Em nota publicada na noite de hoje, a Prefeitura de São Paulo informou que o pedido permite “a abordagem individualizada dos dependentes químicos, inicialmente por um prazo de 30 dias. O juiz decretou segredo de justiça. A Prefeitura reitera que este é um instrumento a ser utilizado em última instância e com total respeito aos direitos humanos”.
Como vai funcionar a internação compulsória?
Segundo a decisão do juiz Migliano Neto, os dependentes químicos serão abordados por uma equipe formada por membros da Saúde e da Assistência Social. Eles serão perguntados se querem ser avaliados. As equipes poderão solicitar auxílio da GCM, se assim decidirem, para encaminharem o usuário para avaliação médica.
Cada usuário deve ser avaliado individualmente por um médico da prefeitura. Se este profissional decidir pela internação, uma pessoa responsável pelo dependente será nomeada e, em seguida, o pedido de internação será formalizado à Justiça. O juiz então irá decidir se acata ou não o pedido do médico.
De acordo com o presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP), o psiquiatra Mauro Aranha, a fundamentação da internação pelo médico e a posterior autorização pela Justiça são procedimentos “corretos”.
— É como tem que ser uma internação compulsória, caso a caso, com decisão fundamentada e determinação do juiz.
Ele discorda, no entanto, da atuação dos guardas municipais na abordagem inicial ao dependente químico, que poderão levar o usuário contra a vontade dele.
— Esse contato dá margem a arbitrariedades.
Para o psiquiatra Dartiu Xavier, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que trabalha com dependência química há 28 anos, a melhor forma de tratar o usuário “é pelo modelo multidisciplinar, contando com a aprovação dela [do paciente]”.
Aranha, do Cremesp, também critica o fato de que, das 270 vagas anunciadas pela prefeitura, “90 delas não existem, porque o hospital está trancado”.
Em nota, o conselho médico orienta “os psiquiatras quanto à sua prerrogativa técnica e profissional para decidir a necessidade de internação de paciente”.
“O Código de Ética Médica contém as normas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício de sua profissão. A legislação garante ao profissional autonomia suficiente que lhe permita recusar-se a realizar atos médicos que sejam contrários aos ditames de sua consciência e ao melhor interesse da saúde de seu paciente”, diz a nota.
O R7 realizou na última quarta um debate sobre a internação forçada de usuários de crack. Veja:
O que está acontecendo na Cracolândia?
Centenas de usuários de crack se espalharam pelo centro de São Paulo após a operação policial do último domingo (21), executada pelo governo do Estado em parceria com a prefeitura. Boa parte desses usuários já participava de programas de tratamento do vício.
A operação contou com 900 policiais do Denarc (departamento de combate ao tráfico do governo do Estado) e da GCM (Guarda Civil Metropolitana). O resultado foram 12,3kg de crack apreendido, entre outros entorpecentes, além da prisão de 53 pessoas (sendo 38 no “fluxo” da Cracolândia) e a dispersão das centenas de pessoas dependentes químicas que moravam ali.
A GCM identificou pelo menos 22 novos pontos de venda e consumo da droga, sendo o principal deles na praça Princesa Isabel, a 400 m de onde ficava o antigo “fluxo”, na alameda Dino Bueno com a rua Helvétia. Os abrigos do município para moradores em situação de rua também estão lotados. Diferentemente do que pretendia a operação conjunta de Estado e prefeitura, o tráfico continua, inclusive com novas estratégias.
R7