Ícone da liberdade e queridinha dos hippies, a Kombi continua conquistando viajantes apaixonados das novas gerações, que sonham em conhecer o mundo pela estrada, sem pressa. Com velocidade que dificilmente ultrapassa os 100 km/h, o veículo é ideal para apreciar a paisagem, além de ser resistente e mais barato que outros carros do mesmo tamanho.
“O desapego com a velocidade do nosso mundo é uma grande experiência. A viagem é mais devagar, é como viajar no tempo e voltar para uma época onde o contato com a natureza, a percepção e a relação entre as pessoas eram cultivados”, explica Christie Meditsch, 32, que foi de Porto Alegre a Lima (Peru) com as amigas Antonia Wallig, 32, e Clarissa Del Fabbro, 34, acompanhada de sua filha Gabriela, de 3 anos.
As três costumavam viajar para surfar e decidiram refazer o percurso que o pai de Antonia fez de Kombi com os amigos, em 1976, até a Califórnia (EUA). O sonho, alimentado há anos pelas amigas, virou o projeto Rekombinando, que inclui oficinas de surfe, arte e educação ambiental pelo caminho. Em janeiro de 2017, vai acontecer a segunda etapa da viagem, do Peru até a Califórnia.
Por causa do seu bom espaço interno, a Kombi funciona como uma casa econômica sobre rodas. É possível adaptá-la e transformar o banco de trás em cama, instalar fogão, reservatório de água para banho e criar soluções conforme as necessidades.
Quando decidiram partir para uma volta ao mundo, Inês Calixto, 52, e Franco Hoff, 42, optaram pelo veículo pelo seu simbolismo e porque era o “que cabia no bolso”.
Durante a expedição de três anos e meio, percorreram 23 estados brasileiros e depois 22 países nas Américas e na Europa, de 2010 a 2012 e de 2013 a 2014, respectivamente. “Alice foi uma Kombi mágica que embalou e carregou nossos sonhos, era como um útero onde nossos desejos e loucuras amadureciam no percurso. Foi o carro-casa perfeito, nos levava dos vales às alturas das montanhas, ia devagar, mas sempre chegávamos lá”, relembra Inês, com saudosismo.
Com seu visual simpático, na maioria das vezes cheio de cores e desenhos, a Kombi também parece um ímã por onde passa, atraindo a curiosidade das pessoas. Esse efeito magnetizante, na opinião do casal argentino Verónica Rezk, 34, e Fernando Ríos, 40, é uma das principais vantagens de viajar com o veículo. “Jamais se passa desapercebido, muita gente se aproxima para conhecer sua história, sua viagem e vira uma oportunidade de fazer novos amigos”, conta Verónica, que acaba de voltar à Argentina depois de dois anos percorrendo a América do Sul na aventura que chamaram de “A Rodar La Vida”.
Uma ‘banheira’ fácil de consertar
A Volkswagen parou de fabricar a Kombi em 2013. Como todo carro usado e antigo, pode apresentar falhas. Porém, o casal argentino considera o veículo confiável e voltaria a escolhê-lo “mil vezes” para a viagem, sobretudo por causa do seu baixo preço e pela facilidade de encontrar peças de reposição em qualquer lugar.
Em dois anos de estrada, “Desideria”, como foi apelidada carinhosamente, quebrou apenas três vezes. Apesar disso, Fernando acha importante conhecer minimamente o funcionamento do veículo. “Não é preciso ser um especialista, mas é bom saber um pouco de mecânica básica para fazer diagnósticos em caso de problemas no trajeto”, diz.
Para a primeira fase da expedição, quando percorreram praticamente todo o Brasil, Inês e Franco compraram um modelo 2006, já com 70 mil km rodados, que teve muitas panes pelo caminho. Em razão das dificuldades, o casal adquiriu uma Kombi nova para a viagem internacional e adaptou-a com banheiro, chuveiro externo, cama, sofá, geladeira, fogão, pia e armários.
Conduzir uma Kombi também tem suas particularidades. “A pessoa deve saber que é como dirigir uma banheira. Existe um tempo de adaptação, mas depois fica muito gostoso”, explica Christie, que relutou um pouco até assumir a direção no revezamento com as amigas.
Devagar e sempre
Como é diferente dos carros comuns, cansa mais ficar ao volante da Kombi e o tempo de estrada costuma ser reduzido. É melhor viajar durante o dia e evitar terrenos muito acidentados, já que o veículo não tem tração nas quatro rodas. O condutor também precisa ficar atento nas descidas, quando o freio pode superaquecer e perder sua capacidade.
“É uma viagem lenta, com tempo para contar histórias, ver as paisagens pelas janelinhas. Às vezes temos atritos, mas há tempo de sobra pra resolver tudo ao longo do caminho, fortalece a amizade”, resume Christie.
As meninas do “Rekombinando” viajam em uma Kombi toda reformada e com alguns confortos, como ar-condicionado e painel solar, que garante energia para carregar as câmeras que documentam o projeto e uma geladeira com as comidas da pequena Gabriela. Como se leva muita coisa dentro do veículo, a casa móvel fica facilmente bagunçada e suja. A dica de Christie é evitar entrar de sapato na Kombi.
As aventureiras do “Rekombinando” também já foram hospedadas pelos mesmos amigos que deram abrigo aos viajantes de 1976. Além disso, elas contam com as dicas do diário de viagem do pai de Antonia e seus amigos. A paixão que moveu os surfistas 40 anos atrás é a mesma que agora impulsiona as amigas. “Em Portoviejo (Equador), amigos deles da primeira viagem nos hospedaram e rolaram muitas rodas de fogueira com histórias revividas”, conta Christie, ansiosa pela continuação da viagem até a Califórnia em 2017.
Travessia cara e complicada
Muitos viajantes de Kombi escolhem como roteiro percorrer a América do Sul pela facilidade de atravessar as fronteiras. Alguns mais ousados extrapolam para um itinerário pelas três Américas e apenas os mais corajosos se aventuram em desbravar outros continentes, como a Europa. Cada país tem seus procedimentos burocráticos para liberar a entrada do veículo, por isso é importante ter sempre em mãos todos os documentos originais e várias cópias para agilizar os processos.
Para Inês, a melhor opção para quem tem vontade de viajar de Kombi é não ir além das Américas. Dos Estados Unidos para a Europa, o casal gastou cerca de US$ 1,5 mil para embarcar o veículo. Já na volta da Europa para o Brasil foram cerca de US$ 5 mil e muita dor de cabeça com a papelada. “Faria tudo de novo, só não iria para a Europa, lá os carros para alugar são baratos, não compensa”, diz.
A volta ao mundo da Kombi “Alice” foi interrompida na França porque Franco teve um sério problema de saúde, que demorou a ser diagnosticado corretamente. Ele passou por uma cirurgia de emergência e ficou dez dias internado. “Voltamos para casa depois disso, porque uma aventura não pode continuar se existe risco de vida”, fala Inês.
Depois dessa experiência, ela reforça a necessidade de estar coberto com um seguro de saúde o tempo inteiro, pois precisaram do plano justamente no curto período em que estavam sem.
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