As revelações do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que quase matou o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes em 2017 geraram forte repúdio dentro do Ministério Público Federal. À BBC News Brasil, integrantes da categoria com alto status dentro da carreira se disseram “chocados” e “horrorizados” com as declarações.
Dentro da estratégia de lançamento de um livro sobre seu trabalho à frente PGR entre 2013 e 2017, período em que a Operação Lava Jato nasceu e viveu seu auge, Janot deu entrevista a grandes veículos brasileiros, como a revista Veja e o jornal Estado de S. Paulo, revelando que quase atirou em Gilmar Mendes dentro do Supremo.
“Não ia ser ameaça não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Gilmar) e depois me suicidar”, afirmou Janot, nas entrevistas.
Segundo Janot disse ao Estado de S. Paulo, o que o deixou a beira desse ato foi o fato do ministro ter dito que “sua filha – Letícia Ladeira Monteiro de Barros – advogava para a empreiteira OAS em processo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)”.
A declaração foi feita na defesa de Mendes à presidência do STF em resposta ao pedido de Janot para que o ministro fosse considerado suspeito para julgar um caso envolvendo Eike Batista.
Na época, o então PGR acusou o ministro de suspeição por ser casado com a advogada Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima, sócia do escritório Sérgio Bermudes Advogados, que representa Eike nas áreas empresarial, comercial e trabalhista.
Já Mendes destacou em sua defesa que a filha do ex-PGR poderia na época “ser credora por honorários advocatícios de pessoas jurídicas envolvidas na Lava Jato”.
“Surpreso! Chocado com a conduta. Lamentável! Reprovável!”, respondeu um sub-procurador ao ser questionado por WhatsApp pela reportagem sobre as revelações de Janot.
“Isso não é conduta que se espere de um membro do MPF”, acrescentou ainda, solicitando que seu nome fosse preservado.
As falas de Janot foram divulgadas na noite de quinta-feira pela imprensa brasileira. Segundo as reportagens, o ex-procurador-geral, que voltou à advocacia, faz o mesmo relato em seu livro de memórias, Nada menos que tudo, mas ocultando o nome da autoridade envolvida. A BBC News Brasil tentou contato com Janot e Mendes na noite desta quinta – o ex-PGR não quis comentar e o ministro não respondeu à solicitação.
Segundo outro alto integrante do Ministério Público Federal ouvido pela reportagem, as manifestações em grupos de mensagens de procuradores eram “todas de repúdio” às falas de Janot.
Na sua avaliação, as declarações foram “um horror” e “uma falta de consideração com a carreira, uma autodesconstrução”. O entrevistado ressaltou ainda o momento inoportuno, já que a categoria está sofrendo uma série de reveses no Congresso (que aprovou uma nova lei de abuso de autoridade) e no STF (que está prestes a concluir um julgamento que pode anular dezenas de condenações da Lava Jato).
“Uma exposição indevida do MPF nesse momento. Estamos todos estarrecidos. As expressões (nos grupos de procuradores) vão de insensatez à ingratidão passando por desconsideração pelos ex-colegas e pelo MPF”, contou, lembrando ainda que Janot sempre foi bem quisto pela maioria da categoria.
Nos grupos de procuradores, alguns ainda avaliaram que as declarações de teor bombástico visavam “vender livros”, segundo um terceiro integrante do MPF ouvido pela BBC News Brasil.
Já um quarto procurador consultado considerou que as declarações “rebaixam o MPF” e fortaleceriam as críticas de Mendes a Janot.
O ex-PGR também disse aos veículos brasileiros que o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o hoje deputado Aécio Neves (PSDB-SP) lhe ofereceram cargos e vantagens na tentativa de arrefecer as investigações da Lava Jato. Ambos acabaram sendo denunciados criminalmente por Janot. A BBC News Brasil não conseguiu contato com os dois na noite de quinta-feira para questioná-los sobre as acusações.
R7