Uma lei apresentada no Havaí pode virtualmente banir a venda de cigarros no estado a partir de 2024, ao estabelecer uma idade mínima de cem anos para quem quiser comprar o produto. A medida foi elogiada por especialistas em saúde, mas deve encontrar ferrenha oposição da indústria tabagista.
A legislação foi apresentada pelos democratas Richard Creagan, John Mizuno e Cynthia Thielen, membros da Câmara baixa da legislatura havaiana. Um deles, Creagan, além de político, trabalha como médico em uma emergência no Havaí.
Em entrevista ao Hawaii Tribune-Herald, Creagan afirmou que há um grupo de pessoas “pesadamente viciadas -na minha opinião, escravizadas por uma indústria ridiculamente ruim, que as escravizou ao desenhar um cigarro que é altamente viciante, sabendo que é altamente letal. E é.”
A proposta, espera, servirá para dar um fim aos malefícios provocados pelo cigarro. Os legisladores abrem o texto afirmando que o produto é considerado o “artefato mais mortal da história humana” e que, no Havaí, causou mais doenças preveníveis, morte e incapacidades do que qualquer outro problema de saúde.
O estado foi o primeiro nos EUA a fixar a idade mínima de 21 anos para comprar cigarros, em 2017. Agora, a intenção é subir ainda mais a régua. “A legislatura acredita que banir as vendas de cigarro deveria ser visto como um esforço de boa fé para libertar fumantes da escravidão desse vício poderoso, e não [como] uma violação de liberdades individuais.”
Para isso, propõe escalar, ao longo de cinco anos, o aumento da idade mínima exigida para comprar cigarro no estado. A partir de janeiro de 2020, seria proibido vender o produto a menores de 30 anos. Em 2021, a exigência iria para 40 anos. No ano seguinte, alcançaria 50 anos, e bateria 60 anos em 2023. No último ano, 2024, só quem tivesse cem anos ou mais poderia comprar cigarro.
Segundo estudo realizado pela revista Journal of the American Medical Association, a expectativa média de vida no estado em 2016 era de 81 anos.
Nos Estados Unidos, as leis federais definem 18 anos como a idade mínima para comprar cigarro, mas os governos estaduais têm prerrogativa de aumentar esse piso. A maioria fixa 18 anos. Em alguns, como no Alabama, o patamar é de 19, e em outros, como o Havaí e Massachusetts, de 21 anos.
As restrições seriam aplicáveis apenas a produtos tradicionais, deixando de fora cigarros eletrônicos e outros derivados do tabaco.
A regra reconhece o impacto que a medida poderia ter sobre as receitas obtidas pelo estado com a taxação da venda de cigarro, estimadas em US$ 100 milhões (cerca de R$ 370 milhões) por ano.
“Portanto, enquanto seria ideal e poderia salvar mais vidas proibir a venda de cigarros a todas as idades imediatamente, a legislatura acredita que uma proibição mais gradual, focada inicialmente em grupos de idade mais jovens que provavelmente se beneficiariam mais de uma proibição das vendas de cigarro, vai permitir que o estado seja afastado desse vício e encontrar fontes para substituir esses recursos.”
A medida está em apreciação na Câmara baixa havaiana. Caso seja aprovada, vai para o Senado. Depois, teria que ser sancionada pelo governador, o democrata David Ige.
Para Jidong Huang, professor associado do departamento de políticas de saúde e ciências comportamentais da universidade estadual da Geórgia, a medida é bem vinda. “Há pesquisas que mostram que 90% dos fumantes começam a fumar antes dos 18 anos. Se pudermos impedir que as pessoas fumem antes dos 18 ou 21 anos, a maioria não vai começar depois disso. É provável que elas não fumem pelo resto da vida”, diz.
O especialista acredita que, ao escalar a idade para comprar cigarro, o estado pode ter uma geração livre do consumo do produto. Além da proibição, Huang sugere que seria necessário adotar políticas para educar sobre os riscos do tabagismo e implementar programas de apoio a quem quer largar o vício.
Mas o especialista não espera que a proibição entre em vigor sem qualquer tipo de contra-ataque das produtoras de cigarro. “A indústria do tabaco é muito poderosa, e há um histórico que mostra que elas vão se opor a qualquer política de controle de tabaco”, reconhece.
“Há uma luta com eles toda vez que um governo ou cidade quer aumentar os impostos. Eles vão fazer o que puderem, usar lobby, dar dinheiro a políticos, entrar com ações judiciais.”
Huang acha provável que, se a proposta for aprovada, as empresas decidam processar o governo do Havaí em tribunais federais.
Já Stephanie Morain, professora assistente do centro para ética médica e políticas de saúde do Baylor College of Medicine, questiona como o cumprimento da proibição seria fiscalizado.
“Poderia ser criado um mercado negro. Além disso, seria preciso ver como ajudar as lojas que vendem cigarro a repor essa receita. Pode convencer os comerciantes a não vender os produtos? Porque pode ser uma parte importante de sua receita”, diz.
“Muitos governos dependem de financiamento da indústria do tabaco. Acho que não deveríamos ter esse tipo de relação com um produto tão nocivo, mas é preciso medir o impacto nos negócios e na economia.”
Morain afirma também que a indústria do cigarro, nos últimos anos, já tem se antecipado às mudanças e apostado mais nos cigarros eletrônicos. “Não sabemos os riscos do cigarro eletrônico, mas não queremos que as pessoas comecem a usá-lo”, complementa.
Bahia Notícias