Sancionada pela Presidência em junho, a lei que permite a pulverização aérea de inseticidas em áreas urbanas foi questionada no Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria-Geral da República na última quarta-feira (21). A PGR diz que a lei não segue a Constituição por não proteger a saúde e o meio ambiente, e alega também haver pressão empresarial para que a prática seja liberada.
O Ministério da Saúde afirma que a técnica é mais uma ferramenta de combate ao mosquito Aedes aegypti e recomenda uso racional dos pesticidas. Mas técnicos e instituições vinculados à pasta questionam sua eficácia e afirmam haver riscos para a população.
A Lei 13.301/2016 foi sancionada pelo presidente Michel Temer para aprovar novas práticas de combate ao Aedes, transmissor dos vírus da dengue, zika e chikungunya. A lei permite, por exemplo, a entrada forçada em imóveis em situação de abandono, além do uso de aviões para lançar pesticidas nas cidades.
Na ADI 5.592 (Ação Direta de Inconstitucionalidade), o procurador-geral Rodrigo Janot diz que a lei “subverte o modelo constitucional e altera o regime jurídico de proteção ao ambiente e à saúde, com potencial para causação imediata de danos aos ecossistemas e intoxicação de pessoas”.
A dispersão por aeronaves utilizaria os mesmos produtos químicos usados pelo popular “fumacê”, e um dos dois permitidos no Brasil é o malation, classificado em março de 2015 pela IARC, a agência que investiga o câncer na OMS (Organização Mundial da Saúde), como “provável cancerígenos para humanos”.
Na ação, a PGR cita recomendações técnicas da Fiocruz, do Conselho Nacional da Saúde e do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, setor do Ministério da Saúde, todas contrárias à liberação.
O Ministério já rejeitou em duas ocasiões o método de jogar inseticidas em áreas urbanas. A primeira vez em 2007, com a Nota Técnica 75/2007, da Secretaria de Vigilância em Saúde, e a segunda vez neste ano, com a Nota Informativa 17/2016.
Segundo essa última recomendação, que se baseia em um estudo da Universidade de Notre Dame, dos EUA, o controle de larvas (por meio de larvicidas e pelo combate aos reservatórios de água parada) apresenta resultados sustentáveis na eliminação do mosquito. Diz ainda que a aplicação de inseticidas, tanto a terrestre como a aérea, não é recomendada por ter baixo impacto na população de mosquitos adultos e por faltar a comprovação de seu custo-benefício.
As notas de Fiocruz, Conselho Nacional da Saúde e Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador seguem a mesma linha, ressaltando problemas como a deriva, uma consequência da pulverização aérea, quando gotas dos produtos químicos são arrastadas para áreas fora do alvo.
O Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador afirma que as doses de agrotóxicos dos tratamentos aéreos devem ser superiores às doses dos tratamentos terrestres, já que há um desperdício causado pela produção de gotas grandes, que caem muito rápido ao solo.
O Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, por meio da Nota Informativa 128/2016 — solicitada por Janot e anexada à ação —, afirma que a dispersão aérea “é uma estratégia que hoje não tem sua eficácia comprovada” e que um grupo de trabalho será formado para verificar evidências, a partir da revisão de estudos científicos e, possivelmente, um teste de campo.
Durante audiência pública realizada na Comissão de Reforma Agrária e Agricultura do Senado Federal, em 9 de junho, antes portanto de a lei ser sancionada, ficou acordado que o Ministério da Saúde planejaria um ensaio de campo para verificar se a tecnologia pode ser empregada como política pública.
Pressão empresarial
Na ação de inconstitucionalidade, Janot afirma que “a dispersão de produtos químicos por aeronaves é atividade de interesse das empresas de aviação agrícola, que, por meio do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), pressionam o Ministério da Saúde nesse sentido”.
Segundo relata o Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, o ministério “tem sido solicitado” pelo Sindag para autorizar o uso das aeronaves agrícolas para combater o mosquito.
Em nota enviada ao R7 pela assessoria de imprensa, o Ministério afirma que o Brasil tem um programa permanente de prevenção e controle do mosquito Aedes e que os larvicidas (combate às larvas) e inseticidas (combate aos insetos) “devem ser adotados como último recurso em situações especiais e em pontos estratégicos”.
A pasta diz ainda que “essa possibilidade é um instrumento adicional que pode ser utilizado nas ações de combate ao mosquito, conforme conveniência do gestor local”, ressaltando que “o uso de inseticida deve ser realizado de forma racional”.
O presidente do Sindag, Júlio Augusto Kämpf, que encerrou na sexta-feira (23) uma agenda de duas semanas em Brasília — onde se encontrou com representantes do Ministério da Agricultura, ANAC, EMBRAPA, Confederação Nacional da Agricultura, Embraer, além de deputados e senadores —, afirma que “não existe risco” à saúde e ao meio ambiente e que o assunto é tratado “preconceituosamente”.
— Essa tecnologia é usada em vários países do mundo, como Cuba e EUA, e é reconhecida pela OMS. Os produtos recomendados são fitossanitários de uso em áreas urbanas.
Em uma publicação de 2006, a OMS indica a técnica como combate ao mosquito vetor das doenças, mas com algumas ressalvas, como: “os aviões e máquinas devem ser projetados para os fins que serão utilizados”.
No Brasil, existem cerca de 2.220 aeronaves de 300 empresas, segundo o Sindag. Elas foram desenvolvidas para atuarem no trabalho agrícola e pelo menos metade delas, segundo Kämpf, estão em operação desde os anos 1990.
O presidente do Sindag diz que apoia todos os métodos de controle do mosquito Aedes e que pleiteia junto ao Ministério da Saúde pesquisas sobre o uso do avião no controle do mosquito.
— A aviação agrícola está colocando mais uma ferramenta para o País, que está vivendo uma epidemia desse vetor. Isso não invalida os outros métodos. Simplesmente se agrega mais tecnologia pra gente sair dessa situação.
R7