O luto pode desencadear doenças e até a morte, afirma a psiquiatra Tânia Alves, do Ambulatório de Luto do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo. A atriz Hilda Rebello, mãe do ator e diretor Jorge Fernando, morreu neste domingo (29), dois meses após a morte dele.
Hilda estava internada desde 7 de dezembro na UTI do Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, no Rio de Janeiro, com um quadro grave de infecção respiratória.
A influência do luto na saúde
Tânia explica que o luto prejudica a saúde quando a pessoa não tem uma perspectiva para o futuro. “É comum em pessoas mais velhas quando morre o cônjuge. O corpo naturalmente adoece e chega ao fim”, afirma.
Por sua vez, o psiquiatra Claudio Martins, diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) lembra que o luto é um processo natural do ser humano diante de perdas.
“O luto em si não é patológico, ele é necessário. Mas pode ser um gatilho dependendo da história de vida, de predisposições para doenças como a depressão, do tipo de vínculo com a pessoa e das outras atividades e relações que a pessoa mantém”, explica.
O adoecimento acontece quando o processo de luto gera dor e tensão psíquica. “A dor é sentida em forma de peso, angustia, desanimo e, às vezes, ela extravasa e vai para outros órgãos”, afirma Tânia.
É um mecanismo biológico. O aumento do estresse eleva o nível de cortisol e outros hormônios que alteram o funcionamento do organismo. Desta maneira, o próprio corpo gera doenças em si mesmo.
Segundo Tânia, o primeiro sistema a ser afetado costuma ser o cardiovascular. A pessoa começa a apresentar arritmia e hipertensão. Em segundo lugar, são as alterações no sistema gastrointestinal, como perda ou aumento do apetite.
“O indivíduo pode começar a ter insônia e dormir mal. As pessoas que já apresentam problemas psicológicos pioram. Alcoólatras bebem mais, fumantes consomem mais tabaco. Algumas pessoas começam a apresentar alergias de pele. E em último caso, o sistema imunológico pode ser afetado, surgindo até mesmo um câncer”, afirma a psiquiatra.
Tânia alerta que casos de morte por luto acontecem, na maior parte das vezes, com pessoas que tiveram longa vivência juntas. “Quando o casal está há mais de 20 anos juntos, um não sabe viver sem o outro. Além disso, imagina um senhor que já tem 70 anos e perdeu a esposa. O luto vai durar anos, mesmo que ele passe por todo o processo, ele já não tem planos para o futuro. Para a pessoa estar viva, ela precisa se ver no futuro, ter projetos, amar algo”, explica.
A psiquiatra explica que o corpo responde a uma perda de forma previsível. A primeira reação é o choque. A pessoa começa a pensar como aquilo é possível. Depois vem a fase da investigação, em que o indivíduo tenta entender por que a morte aconteceu e se ele poderia evitar aquela situação ou outras parecidas no futuro.
A próxima fase é a da raiva, que normalmente é direcionada a elementos da situação como o médico negligente, o motorista em alta velocidade e etc. “Na verdade, a raiva é da impotência de não poder fazer nada diante daquela cena”, afirma a Tânia.
Em sequência, vem a fase da traição. Em que o indivíduo se sente culpado por viver. “Essa fase é muito intensa em relações conjugais, em que o casal fez muitas juras de amor. Depois de todo esse processo, a pessoa aceita e volta às suas atividades normais”, explica a psiquiatra.
Tânia afirma que existem fatores que dificultam o processo do luto: quando não se encontra o corpo, pois dificulta o início do luto, mortes repentinas e violentas, como acidentes, homicídios e suicídios e inversão da ordem da natureza, quando morre um filho antes dos pais. A morte de Caio se encaixa nos dois últimos casos.
Martins afirma que pessoas que apresentam um processo de luto patológico podem ser tratadas com psicoterapia e medicamentos. “É importante que essa pessoa receba atenção. Os amigos e família precisam visitar e ligar com frequência. E se perceber que a pessoa apresenta sintomas de não superação, de isolamento, dar o pontapé inicial, ser proativo e se oferecer para ir com a pessoa à consulta com um profissional”, afirma.
Segundo o psiquiatra, o luto costuma durar de 6 meses a 2 anos. Tânia explica que o tempo depende do tipo, intensidade e tempo de vínculo. Além disso, ela afirma que o primeiro ano é o mais grave e que já esperado que a angustia aumente nas primeiras datas (aniversário, Natal, Ano Novo, aniversário de morte).
“A melhor maneira de lidar com a perda é aprender com elas desde pequeno. O processo que acontece no cérebro nas pequenas perdas da infância e quando um ente querido morre é o mesmo, só muda a intensidade”, afirma a psiquiatra. Ela alerta para a importância de abrir espaço para conversar sobre as dores das crianças, pois isso pode fazer com que o indivíduo aprenda a lidar melhor quando passar por uma perda mais significativa.
R7