Após a repercussão negativa de algumas propagandas, acusadas de sexismo ou preconceito, a publicidade aposta em um novo tipo de personagem: o brasileiro comum.
Marcas de xampu, lingerie e cerveja –produtos que tradicionalmente exploram em seus comerciais rostos conhecidos e corpos bem esculpidos– decidiram escalar pessoas fora dos padrões de beleza para divulgar suas marcas, adotando um discurso favorável à diversidade.
Um dos exemplos mais recentes é o da Procter & Gamble, que lançou um reality show com consumidoras para escolher a nova garota-propaganda da Pantene. A marca de produtos para o cabelo, que já foi representada por celebridades como Gisele Bündchen, Marina Ruy Barbosa e Selena Gomez, afirma que o programa busca “celebrar a força e a beleza da mulher brasileira”.
A nova campanha da marca de lingerie Darling tem um mote semelhante. No lugar de modelos super magras, consumidoras de diversos biotipos foram fotografadas e entrevistadas para “ressaltar a beleza da mulher real”.
Fizemos um estudo e vimos que em cada época a linguagem da propaganda era adaptada à ‘mulher-símbolo’ da década. Mas, hoje, quem é a ‘mulher-padrão’? O padrão está se diluindo e, em tempos de diversidade, a beleza é relativa.
Margareth Lewinski, diretora de criação da Darling
Menos biquíni fio dental
Frequente alvo de críticas pelas propagandas machistas, o setor cervejeiro também começa a dar menos espaço para anúncios com mulheres seminuas.
A campanha da Skol para este verão, por exemplo, exibe homens e mulheres de diversas idades, cores, biotipos e orientações sexuais. A Ambev, fabricante da Skol, diz que a mudança reflete uma evolução da sociedade e do mercado.
Antes, 90% do consumo era masculino. Era uma categoria que falava com homens, fazia sentido para a sociedade do momento. Agora, a Skol quer falar com todo mundo –homem e mulher, de todas as classes, de todos os lugares do país.
Maria Fernanda Albuquerque, diretora de marketing da Skol
Hoje, as mulheres respondem por cerca de metade do consumo da marca de cerveja.
Redes sociais ‘bombam’ críticas
As redes sociais são um fator importante para entender por que a publicidade está recorrendo às pessoas comuns. A internet permitiu que as minorias tivessem espaço para criticar e dar às marcas um feedback em tempo real, segundo Juliana de Faria, sócia-fundadora da Think Eva, consultoria de marketing sobre o público feminino.
A própria Skol foi alvo de críticas nas redes sociais há dois anos, com uma campanha acusada de incentivar o assédio às mulheres no carnaval. Na época, a repercussão foi tão negativa que a empresa resolveu trocar as frases dos anúncios.
Dez anos atrás, quando você via uma propaganda machista, o máximo que fazia era mandar um e-mail para a empresa ou uma carta para o Conar [Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária]. Agora, você vai para as redes sociais e em cinco minutos a crítica viraliza.
Juliana de Faria, sócia-fundadora da consultoria Think Eva
Consumidor quer se ver representado
A procura por gente “de verdade” na publicidade é explicada por três razões, segundo Fábio Mariano, professor de comportamento do consumidor na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing):
- O consumidor passou a questionar os padrões de beleza inalcançáveis, que Mariano chama de “ditadura do corpo perfeito, da beleza perfeita e das pessoas perfeitas”;
- Também existe, segundo ele, uma busca por transparência, o que leva as empresas a adotarem uma comunicação mais próxima do dia a dia das pessoas;
- Por fim, as empresas começam a perceber que o consumidor busca identificação com as marcas e “responde muito melhor ao verdadeiro”.
Mulheres ‘normais’ desde os anos 80
Essa busca por identificação foi comprovada em pesquisas com consumidoras, segundo a Natura. “Muitas pesquisas que fizemos mostraram que as mulheres gostam de se reconhecer nas propagandas”, diz Denise Figueiredo, diretora de marca e consumidor da empresa de cosméticos.
A publicidade da empresa é estrelada por mulheres fora dos padrões desde a década de 1980, de acordo com Figueiredo. “Trazer mulheres com muita diversidade transcende a questão estética”, diz. “O que está por trás disso é a autoestima e a valorização da mulher e da beleza fora dos padrões. A propaganda está começando a tangenciar essas questões.”
Modelos e celebridades, porém, não precisam ter medo de perder o filão da publicidade, de acordo com o professor Fábio Mariano. “A tendência de mostrar pessoas comuns veio para ficar, mas não vai substituir o uso de celebridades e de corpos padronizados. Existe mercado para consumir todo tipo de publicidade, e esses dois tipos vão coexistir”, diz.
uol