O português ainda é dominado pelas meninas, e a matemática, pelos meninos. Em ciências, porém, elas tomaram um fôlego maior, e o jogo empatou.
Na mais recente edição do Pisa, prova internacional que avalia a cada três anos estudantes de 15 anos, as participantes brasileiras ficaram numericamente à frente dos colegas em ciências pela primeira vez desde que a área é avaliada, há 14 anos.
Em 2006, elas marcaram 386 pontos no exame, nove a menos que os meninos (395). Desde então, ficaram sempre atrás —até a prova de 2018, divulgada no fim do ano passado, mostrar que elas passaram à frente, com 404 pontos contra 403.
A diferença de um ponto configura uma situação de igualdade, ao menos por enquanto.
O aumento da participação feminina é algo que a supercampeã de olimpíadas do conhecimento Alicia Duarte Silva, 15, diz ter notado nas competições de que participa —entre elas de matemática, física e ciências em geral.
Aluna do Objetivo, ela segue uma rotina intensa de preparação. Entra às 7h para as aulas regulares, estuda à tarde e só volta para casa depois das 19h30.
Alicia diz não ver diferença entre ter homens ou mulheres como colegas e adversários. “Sempre senti que estava competindo apenas com um monte de pessoas.”
Nem todas as meninas, porém, conseguem, como ela, passar pela trajetória escolar sem vivenciar uma palavra ou episódio de desestímulo, especialmente na área tecnológica.
É o que relata Débora Garófalo, professora premiada por um projeto em uma escola municipal na entrada da favela Alba, na zona sul de São Paulo, que envolve o desenvolvimento de robótica a partir da sucata.
Ela conta que, quando começou com a iniciativa, os meninos da classe segregavam as colegas. “Eles perguntavam: ‘Como uma menina vai mexer com furadeira e solda?’”
Ter a professora como referência foi fundamental para quebrar essa barreira, diz Débora. “Eu falava: ‘se vão excluir elas, vocês têm que me excluir também’.”
“A contragosto, eles aceitaram, mas ficavam em grupos separados. Foi depois de um ano de trabalho, à medida que apareceram os protótipos construídos por elas, com um grau muito maior de atenção aos detalhes, que começou a ter integração.”
Para quebrar a resistência, ela também fez questão de levar à sala de aula mulheres em posições de destaque de dentro e de fora da comunidade. Hoje à frente de um projeto de ensino de tecnologia na rede estadual paulista, ela diz que tem passado essa preocupação aos professores que farão as atividades.
Desfazer a ideia de que ferramenta é coisa de menino é fundamental, diz Marcia Barbosa, professora do Instituto de Física da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e autora de estudo sobre a desigualdade de gênero nas ciências.
“O laboratório de brinquedo que eu tinha quando era criança hoje nas lojas fica na prateleira dos meninos, e os brinquedos de menina ficam na prateleira rosa, não faz sentido”, diz. “A gente tem que desconstruir a prateleira rosa.”
Outra coisa que é preciso desconstruir, reforça, é a ideia de que a superinteligência, associada às ciências exatas, é uma característica essencialmente masculina.
Estudo publicado em 2017 na revista Science mostrou que, aos seis anos de idade, meninas já se mostram menos propensas a associar o seu gênero à inteligência.
Mudar essa cultura pode levar tempo, mas não dá para esperar, diz a socióloga Fernanda Nobre, vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
Ela cita a necessidade de políticas públicas como prêmios e destinação de bolsas específicas para as mulheres, como algumas que já existem.
O ambiente familiar também é importante. “Se você fala para a criança ‘deixa de ser curiosa’, ela dificilmente vai se interessar por ciência. Mas, se você estimular a curiosidade, vai fazer com que as pessoas procurem as ciências, não só biológicas e exatas mas também as humanas.”
Alunas ensino médio do colégio Dante Alighieri, nos Jardins (região central de SP), Lara Stefani, Juliana Padilha e Rafaela Morel aplicaram metodologia científica a três questões que queriam entender melhor, no âmbito de um programa de iniciação científica da escola.
Delimitaram o problema, buscaram referências confiáveis e seguiram uma metodologia para coletar evidências.
Lara, que tem asma, foi buscar algo que trouxesse alívio para as pessoas que têm a doença. Foi estudar meios para viabilizar o cultivo in vitro do guaco, fitoterápico importante para o tratamento. Toda semana, acompanha a sua cultura.
Juliana tem amigos que já sofreram bullying e tinha receio de que seus irmãos mais novos passassem por isso. Resolveu estudar o tema. Aplicou um questionário a mais de 300 alunos e desenvolveu intervenções que vão dos anos iniciais do ensino fundamental ao ensino médio —como, por exemplo, jogos de estímulo à empatia.
Rafaela sempre teve muito interesse em saúde mental. Decidiu investigar a influência do consumo cultural de adolescentes sobre suas percepções sobre o corpo —que, no limite, podem se relacionar a transtornos como bulimia e anorexia.
A profundidade com que as três se lançaram ao tema é um indício de que todas vão seguir na área que escolheram estudar? Não necessariamente.
Juliana quer ser engenheira aeroespacial. Rafaela, médica. Essa era também a opção de Lara, mas ela agora se vê diante de outras opções. “Abri meu campo de visão também para farmácia, bioquímica, biomedicina. O que não consigo é me ver sem o meu projeto”, diz.
Bahia Notícias