Para o setor reagir a um período sombrio, a indústria e o comércio precisam rever alguns velhos conceitos
A cada nova reunião para apresentar os dados do mercado brasileiro de motos, os executivos da Abraciclo — Associação dos Fabricantes de Motocicletas, Motonetas, Ciclomotores, Bicicletas e similares — se desdobram para encontrar uma saída para a crise que atingiu o setor. Um mercado que já chegou a dois milhões de unidades vendidas, com potencial para cinco milhões, se viu em minguados 900 mil em apenas três anos. É como se o setor desse marcha à ré a uma realidade de 10 anos atrás. Como reverter essa tendência?
Primeiro, o País todo precisa reagir. E é o que se espera nos primeiros meses de 2017. Mas a indústria também precisa rever alguns velhos conceitos e os comerciantes têm de esquecer a boa fase de “tiradores de pedidos” para começar a correr atrás de clientes — sobretudo de novos clientes.
Dispararam as ofertas de motos usadas e aumentou o número de lojas especializadas nesse tipo de moto: é esse mercado que está fazendo girar o comércio
Um dado curioso: faz uns 10 anos que o mercado brasileiro de motos movimenta quatro milhões de unidades. Movimentar significa que quatro milhões de motos são comercializadas, entre novas e usadas. Em 2012 essa divisão representava 50% entre novas e usadas. Hoje o mercado de motos zero km representa 30%, sendo que os outros 70% são de usadas, mas continuam os mesmos quatro milhões. Ou seja: o mercado estacionou e o de novas andou para trás.
Basta uma rápida visita aos sites de classificados para ver como dispararam as ofertas de motos usadas. Também aumentou o número de lojas especializadas nesse tipo de moto. É esse mercado que está fazendo girar o comércio, felizmente.
Mesmo com a queda no comércio de motos zero-quilômetro, os fabricantes não param de lançar produtos e até assistimos a chegada de novas marcas ao Brasil, como a Piaggio com a Vespa. Não se trata de uma espécie de masoquismo comercial, mas de uma verdade insofismável que todo mundo do setor já conhece há décadas: novidade vende — em especial no Brasil, que tem um dos consumidores mais “novidadeiros” do mundo. Nós gostamos de novidades, mesmo que isso custe um carnê cheio de páginas.
Furor consumista
Veja que praticamente todas as marcas que atuam no Brasil, nos setores de duas e quatro rodas, apresentaram novos modelos em 2016, sobretudo as de automóvel. Essa é a tática para atuar em um mercado em crise: lançar coisa nova e aproveitar o furor consumista que a novidade provoca. Como participamos de lançamentos de automóvel e motocicletas, 2016 foi um ano de fazer malas, viajar, avaliar, escrever e comentar.
Entre as motos, a Honda lançou um produto inesperado, a XRE 190, uma nova NC 750X, trouxe a Africa Twin 1000 e comemorou 40 anos do lançamento da CG 125, moto que foi uma espécie de “professora” de toda uma geração de motociclistas. Em um evento pudemos rodar em diferentes CG, das primeiras até a atual. É fantástica a evolução do veículo motorizado mais vendido na história da indústria brasileira.
A Yamaha investiu pesado no segmento de scooters em 2016. Pioneira ao colocar no mercado o Jog 50 em meados dos anos 90, deixou o mercado livre para a concorrência durante quase duas décadas, até que decidiu voltar a um dos poucos segmentos que não enfrenta crise e lançou o NMax 160 e o Neo 125. A rede de concessionários aposta no sucesso desse mercado amplamente dominado pela Honda com o PCX 150.
Entre as motos do segmento premium também tivemos novidades de peso. A Triumph praticamente renovou toda a linha em 2016 e apostou em uma tendência que se espalhou no mundo todo: café-racer. De motos feitas em fundo de quintal, agora essa categoria tem modelos produzidos em série e uma delas é a belíssima Thruxton 900, com banco em forma de rabeta, guidão baixo e até semicarenagem opcional.
E na mesma semana que a Honda anunciou a Africa Twin, a Ducati surpreendeu com um lançamento mundial: a esportiva Panigale 959, com vocação 100% voltada para as pistas e motor de 157 cv para um peso a seco de apenas 176 kg, além de várias soluções eletrônicas herdadas da Panigale 1299. Também deu continuidade à família Scrambler com a versão Enduro. Trata-se de outro modelo customizado e que atende a uma fatia do mercado que recebeu a moda “retrô” muito bem.
É um tal de dar desconto, aumentar a garantia, mas o vendedor continua sentado atrás da mesa: acordem, a fase de tirar pedido acabou
Esta é outra forma de incentivar o uso e a compra de motos. Engenheiros e estilistas de todas as marcas estão olhando para a febre de customização para pegar carona nos futuros lançamentos. Toda marca já tem produtos para esse filão, que no Brasil ainda é tímido, mas pode crescer.
Como se vê, existe um esforço por parte da indústria para atrair novos usuários de motos e uma crença cega de que dias melhores virão na Economia. Modelo novo sempre atrai, mas o que realmente faz a diferença na hora da comercialização é ter dinheiro na mão. Agora falta o comércio fazer sua parte. Em recentes visitas a concessionárias vimos lojas vazias, pouco iluminadas, sem colorido e aqueles velhos cartazetes de “Promoção!”.
É um tal de dar desconto, supervalorizar as usadas, aumentar a garantia — mas o vendedor continua sentado atrás da mesa, estudando as redes sociais. Oi, acordem, a fase de tirar pedido acabou: agora é hora de correr atrás do cliente. E mais uma vez é preciso chamar atenção para um vício desse mercado, que é vender moto para quem já tem ou teve o veículo. Pouco se trabalha em cima daqueles que nunca tiveram uma moto.
O mercado precisa achar uma forma de apresentar a moto como veículo de transporte e não apenas como uma paixão de aventureiro. A verdadeira vocação das motos no Brasil é transporte. O resto é quem nem beirada de pizza, só consome por inércia. E aproveitar uma modalidade de venda que é invenção 100% brasileira: o consórcio.
Do total de motos novas vendidas, a divisão está bem equilibrada com 1/3 pelo financiamento normal por banco, 1/3 à vista (inclui o parcelamento pelo cartão de crédito) e 1/3 por consórcio. Apesar de serem recomendadas algumas contas para se avaliar as vantagens de cada um, o consórcio acaba sendo uma opção para quem não tem pressa — só que mais uma vez atinge, sobretudo, aqueles que já têm moto, porque o novo usuário tem pressa em se motorizar.
Ficar só lamentando a crise não vai ajudar o mercado. Usar as mesmas fórmulas de 100 anos atrás para vender também não. O desafio do mercado de motos agora é descobrir como ir atrás de novos clientes. Podem começar. Mas corram, porque o 13º salário está aí e a concorrência com outros “presentes” é grande.
uol