Sombra, rímel, batom vermelho, roupas novas e uma peruca. Uma hora depois e Cacai Bauer, de 22 anos, está pronta para gravar um vídeo e dar mais um passo para realizar seu sonho de ser famosa.
Em seus vídeos, Cacai fala de Pokémon, relata um pouco do seu dia a dia, faz piada de si mesma e canta paródias de funk ostentação.
Mas nem tudo é tão divertido quando as câmeras desligam e Cacai, a primeira youtuber com síndrome de Down do Brasil, começa a ler os comentários publicados em sua página na rede social. É ali, onde os internautas se expressam sem filtros, que ela conheceu e aprendeu a lidar com os haters – como são conhecidas as pessoas que disseminam ódio na internet.
Em entrevista à BBC Brasil, Cacai relatou que já foi alvo de preconceito diversas vezes em sua página no YouTube. “Eu não apago nenhuma. Eu ignoro. Meus fãs me defendem dos ataques e eu deixo lá para que todos vejam que a melhor forma de combatê-los é ignorando”, disse.
Sua mãe, Janaina Lemos, disse que manter os comentários na página é uma forma de a filha conhecer o outro lado da fama, saber que “não são só flores, há também os espinhos”. A exceção é quando há mensagens muito agressivas ou palavrões.
Em um dos casos extremos, um fã tomou as dores de Cacai e entrou em contato com os pais de um usuário que fez um comentário agressivo. Os responsáveis pelo menino pediram desculpas e obrigaram o filho a se retratar no mesmo espaço que usara para desrespeitar a youtuber.
Cacai tem namorado, então ignora as cantadas que recebe.
Sete meses após estrear seu canal na rede social, ela já tem quase 6 mil seguidores que assistem aos vídeos publicados religiosamente toda segunda-feira às 18h.
Por enquanto, seus vídeos são gravados com um celular em uma produção caseira. Mas a intenção de Cacai é crescer e comprar sua primeira câmera profissional com o dinheiro que receber da monetização dos vídeos no YouTube. Por enquanto, ela ainda não ganhou nenhum centavo.
Mesmo com vídeos relativamente populares – um deles com mais de 60 mil visualizações -, Cacai ainda não recebeu nada porque as paródias, presentes em grande parte dos vídeos, não têm os direitos autorais liberados por seus artistas originais e, desta forma, não geram dinheiro.
Exemplo
Em pouco tempo, os vídeos de Cacai se tornaram uma fonte de informação e referência para outras pessoas com síndrome de Down. Muitas pessoas comentam na página de Cacai que os vídeos os incentivam a estudar, respeitar os pais e ter vontade de brincar. E ela agradece e responde a maior parte deles.
“Eu acho muito legal ter os seguidores que eu tenho. O que eu sinto é uma conexão maravilhosa quando eu faço os vídeos e vejo depois que eles gostaram”, afirma a youtuber.
Familiares de pessoas com síndrome de Down relatam se inspirar nas publicações de Cacai. Em um de seus vídeos, a youtuber conta que tem deveres e obrigações como qualquer outra pessoa. Ela aparece lavando louça, arrumando a cama e limpando a casa.
Mães de pessoas com síndrome de Down entram em contato com Janaina Lemos com frequência para esclarecer dúvidas. “Uma mãe me ligou esses dias para dizer que o filho dela tem um ano e quatro meses e ela está preocupada porque ele ainda não anda. Eu esclareci que era normal e recomendei que procurasse um médico. Mas esse retorno é maravilhoso”, disse.
Cacai estudou numa escola regular até completar o ensino fundamental. Sua mãe quer matriculá-la no ensino médio, mas por enquanto não tem dinheiro para pagar um ensino particular. Ela não queria colocar Cacai em uma escola pública por receio da violência e de uma difícil adaptação com professores.
A mãe de Cacai diz que não tem do que reclamar da educação de sua filha, mas nem sempre foi assim. A youtuber chegou a participar de uma edição do reality show Supernanny, do SBT, que ajuda pais a colocarem regras e educar os filhos.
Cacai foi convidada porque costumava fugir de casa para brincar com os vizinhos. “Mas a Supernanny colocou algumas regras e está tudo bem. Eu era muito arretada mesmo”, disse à reportagem.
Durante uma viagem à Argentina, a youtuber descobriu sua paixão na televisão:Violetta. A telenovela argentina despertou em Cacai o sonho de viajar para Orlando, nos Estados Unidos, e conhecer uma área destinada aos fãs da série.
Trabalho em família
Para tornar Cacai uma “estrela” da internet, o pai, a mãe e os irmãos a ajudam em vários aspectos, da produção até a edição dos vídeos.
O roteiro é feito pelo pai, Dalmo Santos, de acordo com o tema definido pela própria Cacai. A irmã Luiza, de 17 anos, faz a voz das paródias, enquanto o irmão Caio, de 14 anos, é coadjuvante nas filmagens.
A mãe Janaína cuida da iluminação, maquiagem, filmagem e edição.
Cacai ainda conta com a ajuda de amigos youtubers para divulgar seu trabalho e conseguir novos fãs.
O também youtuber baiano Pablo Toneti “foi um anjo da guarda”, nas palavras de Janaina, porque deu as primeiras dicas para Cacai, fez um vídeo com ela e o postou no canal dele, alavancando o início da carreira da amiga.
“Mas isso ainda é só um começo. Eu vou ficar bem famosa, você vai ver”, conclui a youtuber.
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