Liberdade de expressão talvez seja o direito maior da democracia e exercício pelo da cidadania. Mas nem tudo que se diz corresponde à liberdade de expressão. Em muitos casos, e isso tem ocorrido comumente nas redes sociais, inclusive por professores, as manifestações são indicativos de submissão ao discurso totalitário. Afinal, longe de ser liberdade de expressão uma retórica sem criticidade é muito mais uma alienação, no sentido bem marxista do termo. Quando pobres, negros, homoafetivos, mulheres, professores, assalariadas e categorias de servidores públicos repetem discursos produzidos pelo conchavo golpista, estão atirando em si mesmos.
Antes de falarmos em esquerda e direita, PT, PMBD, PSDB… Temos que concordar, que se não todas as políticas inclusivas raciais, sexuais e sociais, ao menos a maioria ou as mais significativas não estão na história dos grupos golpistas, e foram implementadas nos últimos 14 anos da história do país, que por sua vez é instituída há mais de 500. Isso não livra ninguém da culpa por corrupção e formação de conchavos políticos. Jamais! Comprovado o crime, deve haver as punições mais rigorosas previstas pela lei. Mas apoiar um golpe, qualquer golpe, é assinar a própria inquisição. Todo golpe é ditatorial, afinal configura-se como imposição.
Portanto, repercutir ideias que fortaleçam o governo Temer, neste momento, significa levar a democracia para a forca. Afinal, grupos golpistas já começaram até a destituir o próprio sentido da democracia, quando afirmam que a votação para o impedimento da presidenta Dilma foi uma ação democrática. Se não for cinismo e oportunismo tal consideração, trata-se de tamanha insanidade mental ou pior, incapacidade crítica.
É triste ver professores justificando a PEC 241, negros fazendo menção à ditadura e, inclusive defendendo Bolsonaro; é triste homoafetivos defendendo o governo Temer e até tentando desconstruir a Ana Júlia, uma adolescente. É muito triste ver estudiosos tentando estereotipar o movimento Ocupa, entre outros gritos de resistência como o combate à segregação social, racial e de gênero como discurso do ódio. O ódio está imposto pelas oligarquias que sempre dominaram o país.
Na cultura da cana de açúcar, do cacau, do café, da soja, na industrialização, no próprio funcionalismo público, e pior, nas universidades, assim como no atual governo Temer, há um discurso elitista perverso, segregador, que impõe verdades, comportamentos; que estereotipa e desconstrói origens étnicas não europeias; que sucumbe manifestações populares ao escarnio social, que reprime avanços e desejos de mulheres e homoafetivos, que tenta esmagar a racionalidade de qualquer cidadão que ouse a se manifestar contra seus padrões, retirando-lhes a cidadania, taxando-o de louco ou mesmo negando-lhe status de ser humano.
Alias é nesse contexto que surgem guetos de negros e de gays, por exemplo. Estes espaços não são exatamente organizações sociais espontâneas; são, antes, consequências de uma imposição racial e patriarcal de taxar e estereotipar seus frequentadores, colocando-os a margem da cidadania, sem o livre direito de transitar pela cidade e manifestar seus modos de vida, retirando-lhes o Direto à Cidade, à liberdade de expressão.
Portanto, reproduzir discursos golpistas, em redes digitais ou em espaços públicos, significa apoiar as oligarquias patriarcais e segregadoras do país que instituíram o discurso do ódio – a não ser, é claro, que se compactue com ideologias conservadoras. Em menos de cinco meses este governo ilegítimo já manifestou sua vocação inata à perversidade, com medidas que reduzem a aplicabilidade da lei das cotas, investimentos na saúde e educação (a PEC 241 será aprovada mesmo, não ser por um milagre) e ampliam o tempo de trabalho do brasileiro. Bem possível que na sequência retirem a força da Maria da Penha, coíbam a união estável em pessoas do mesmo sexo e dificultem ainda mais o acesso de negros e pobres à universidade.
Ou abrimos nossos olhos e aprendemos a ler as entre linhas daquilo que repercutimos ou, de fato, mataremos nossas possibilidades de ser quem queremos ser; exterminado nossos códigos sociais… nossa vitalidade. Ou acordamos para a essência dos fatos e nos rebelamos contra eles, ou seremos espancados nos troncos simbólicos da dominação, onde muitos já estão amarrados.
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Moabe Breno,
Jornalista, doutorando na UFNR.