Unidos Esporte Clube já atendeu mais de 2 mil atletas e conta, atualmente, com mais 200 garotos em bairro da periferia da capital baiana
Flávio Rosário, da ANF
Moradores da periferia de Salvador encontraram no esporte, há mais de três décadas, um caminho para conseguir enfrentar a realidade dura e de violência que o bairro enfrentava. Se por um lado as estatísticas mostram que jovens negros e pobres são a maioria das vítimas das violências, por outro grandes atletas também surgem nos bairros mais pobres.
Para que surja esses grandes atletas, existem projetos que oferecem altenativas para os jovens do Brasil. Um exemplo disso é o Unidos Esporte Clube, na capital baiana. O projeto nasceu para unir jovens em conflitos no bairro de Pirajá e oferecer oportunidade de integração social na sociedade.
De acordo com Unicef Brasil, de 2016 a 2019, Salvador apresentou um aumento de 52% na taxa de homicídios de adolescentes. A média de assassinatos cresceu de 55,43 mortes por 100 mil habitantes em 2016, para 85,49 em 2019.
Projeto Unidos Esporte Clube
Muito jovens são atraídos para os projetos sociais por causa do esporte. É o caso dos estudantes Samuel Lima Evangelista Silva e Vitor Elias Santos Gomes, 16 e 15 anos, respectivamente. Ambos são fascinados pelo futebol e fazem parte do projeto Unidos Esporte Clube.
Os jovens são amigos desde pequeno e formam uma grande parceria dentro e fora das quadras e sonham em ser jogadores profissionais.
“Nos conhecemos desde pequeno na escola, mas foi dentro do Unidos que viramos irmãos. A nossa amizade é muito forte e dentro de campo fica mais ainda. É uma amizade eterna”, declara Samuel.
“Coloco o meu coração na ponta da chuteira quando estou no campo. Quero ser igual a Cristiano Ronaldo, e sonho em ser jogador profissional. O projeto oferece essa oportunidade e me ajuda a focar e ter disciplina”, afirma Vitor.
O projeto é liderado pela fundadora dona Berenice Pereira do Nascimento dos Santos, de 70 anos, que conta com a ajuda do filho, diretor esportivo e treinador, Adriano Nascimento Borges dos Santos, 44. É por meio da associação que eles lutam por uma comunidade digna e justa.
O Unidos já apoiou mais de dois mil garotos com ações benéficas que mudaram a vida do bairro. O projeto atende crianças e adolescentes há mais de 30 anos, formando cidadãos e possibilitando aos alunos se tornarem grandes profissionais em diversas áreas e, principalmente, homens capazes de lutar pelos próprios sonhos.
Dona Berenice, auxiliar de serviços gerais, tinha um sonho: acabar com a violência entre jovens no bairro de Pirajá. Ela reuniu os pais dos garotos e propôs uní-los através do esporte.
“Nosso trabalho começou por uma necessidade da comunidade. Existia muita violência nas ruas. Quando o meu filho mais velho foi convidado para fazer parte de um time de futebol me veio a ideia de criar um aqui também. Fui na casa dos pais dos meninos e disse que tinha uma solução: formar um time para tentar acabar com esses conflitos”, explica.
O momento era tão preocupante que a auxiliar de serviços gerais temia pelos estudos dos filhos, pois a maioria estudava, mas não podia frequentar as escolas devido às agressões sofridas lá.
“Eu ficava desesperada. Tenho oito filhos e alguns já estudavam. Quando eu retornava do meu trabalho encontrava as minhas crianças com machucados, roupas rasgadas, olho inchado por causa de brigas. Eles apanhavam e batiam. Fiquei muito preocupada com a situação. Além disso, tinha os filhos dos vizinhos que passavam pelas mesmas coisas”, relembra Berenice.
O bairro de Pirajá tem cerca de 30 mil habitantes, fica localizado entre a BR-324 e o Subúrbio Ferroviário de Salvador. Possui três finais de linhas: Rua Oito de Novembro (Rua Velha), Rua Nova e o Conjunto Pirajá.
Eram exatamente nesses locais que aconteciam as brigas e as confusões. Quem era da Rua Velha não poderia passar na Rua Nova, e vice-versa. “A situação era grave, mas o projeto ajudou a mudar o comportamento deles”, destaca a fundadora.
Para dona Berenice, depois da implantação do projeto, a violência diminuiu na comunidade, pois muitos dos jovens que brigavam ficaram amigos e passaram a defender o outro. Até os jovens que faziam uso de drogas tiverem que largar para participar dos jogos.
De acordo com Adriano, o projeto foi criado em 12 de outubro de 1989, oferecendo espaço para todos os jovens da comunidade. Atualmente são 208 garotos, entre 5 e 18 anos – faixa etária permitida.
Os treinos acontecem no campo da própria comunidade, nas quartas-feiras pela manhã, das 8 às 11h30, e à tarde, das 13h30 até 17h, e às sextas e sábados, das 8 às 12h.
Para fazer inscrição é cobrada uma taxa de R$ 15 e uma mensalidade do mesmo valor. “A taxa mensal é para custear a manutenção da bola, roupas e os padrões do time”, explica Adriano.
Transformação social
Unidos Esporte Clube não trabalha só com a ideia do futebol, mas com conceito social e visão de transformação.
“O nosso objetivo é fazer desses jovens cidadãos de bem. Quando a gente sabe que formamos barbeiro, professor, médico, empresário, músico, entre outras profissões, isso nos fortalece. Ainda não formamos jogadores profissionais, contudo vários jovens conquistaram outros empregos que ajudam sustentar as suas famílias”, diz Berenice.
Willian Pires Dias, 35 anos, profissional de educação física, é um dos exemplos de como o Unidos mudou completamente a vida dele.
Ele entrou no projeto porque amigos e colegas falavam muito sobre o Unidos. “Como eu gostava muito de futebol, pedi ao meu pai para me matricular”, revela
Dias revela que sempre foi um jovem muito nervoso, estressado com um temperamento explosivo, porém o projeto o fez mudar totalmente o próprio comportamento.
“O projeto tem uma representatividade muito grande, significa o início e o recomeço, uma transformação de vida. Posso dizer hoje que 60 % da minha vida devo ao projeto”, conta alegremente William, que ficou no projeto como atleta de dez até os 18 anos. É a última categoria – dos 17 para 18 anos-, quando encerra a participação dos jovens como atleta.
Outro aluno que passou pelo projeto e hoje é músico, é o cantor e compositor, Gilvan Cerqueira Sousa, 38 anos, conhecido como Van Van Toda Hora. Ele diz que Unidos fortaleceu a comunidade e mostra gratidão.
“Eu era um menino muito rebelde, bagunceiro, brigava muito. Diversas mães não me queriam no time. Elas tinham medo que eu fizesse alguma maldade com os filhos delas. Mas dona Berenice me deixou no projeto me dando uma oportunidade de mudança. Foi uma luta, mas mudei muito, aprendi a ser uma pessoa do bem. Sou muito grato de verdade a toda família Unidos. Adriano e dona Berenice são bençãos na minha vida”, conta o músico.
O projeto tem uma importância tão grande na comunidade que o ex-aluno Renivaldo Oliveira Hora, 42 anos, barbeiro, se emociona ao falar da vivência com Unidos.
“O projeto formou o meu caráter. Aprendi a ser compreensível com as pessoas e entender que o ser humano tem que amar o próximo. Nunca vou esquecer do projeto. Quando Deus me abençoar um lugar que eu nunca vou esquecer é Unidos. Quando vejo dona Berenice e Adriano levando esse projeto com amor e carinho, eu fico inspirado”, fala emocionado e questiona como o como um projeto desses não tem apoio?
O psicólogo João Paulo Moura Ferreira, 38, com 13 anos de atuação com crianças, adolescentes e Jovens fala sobre a importância de projetos sociais nas comunidades.
“O Projeto social pode significar efetivamente tirar muita gente da escuridão e dar identidade às pessoas, ajuda a combater o crime, a desigualdade e caracteriza cada um pela sua potencialidade e não pelo fato de serda favela ou da periferia. Até porque, na periferia temos médicos, dentistas, psicólogos, professores e muitos outros profissionais e possibilidades que agregam valor e efetivamente estabelecem mudanças”, afirma.
Falta de Apoio
Com 32 anos de existência, o grupo se mantém através de doações de amigos e dos pais dos garotos. Segundo o treinador Adriano, poucos alunos conseguem pagar as mensalidades, pois a maioria não tem condição financeira de arcar com os custos.
“O projeto ajudou bastante a diminuir a violência no bairro. Foi uma grande luta, mas conseguimos vencer. Quando eu era garotinho, já via a batalha de minha mãe e nunca tivemos uma ajuda permanente para manter o trabalho”, desabafa Adriano.
Quando os jovens vão participar de campeonatos em outros bairros ou municípios, muitas vezes faltam transportes e alimentação. “Não temos um apoio forte desde o nascimento do projeto, então fazemos vaquinhas e rifas para poder conseguir recursos para participar dos campeonatos.”, lamenta.
Benefícios da prática esportiva
O personal trainer, Jadson Nogueira Barbosa, 28, explica que os esportes estão diretamente ligados ao desenvolvimento físico das pessoas e ajuda no tratamento de problemas como déficit de atenção e dislexia, sem contar que reduz as chances do desenvolvimento de quadros de ansiedade e depressão.
Os exercícios físicos também colaboram para uma melhor qualidade do sono e ajudam a controlar posturas agressivas e estimulam o raciocínio.
Nogueira ainda salienta que a prática esportiva é fundamental nas comunidades, já que projetos sociais como Unidos favorecem aos jovens. “Além de praticar atividades físicas, os jovens ficam longe da criminalidade e da marginalidade, e ganham possibilidades de um futuro melhor”, pontua.
Projetos que fizeram baianos campeões olímpicos
Os projetos sociais também foram importantes para os atletas olímpicos brasileiros Hebert Conceição, campeão do boxe, eIsaquias Queiroz, bicampeão olímpico na canoagem.
Eles tiveram que lutar muito para ganhar as medalhas de ouro nas olimpíadas de Tóquio, no Japão, em 2021.
O soteropolitano Hebert Conceição, falou sobre o projeto social que o projetou depois de uma vitória nos ringues das olimpíadas:
“O boxe é muito tradicional, popular em Salvador, as crianças e moleques, graças aos projetos sociais, conseguem formar grandes campeões. Eu vim do projeto Campeões da Vida e existem muitos outros projetos”.