O Ministério Público Federal de São Paulo enviou, no último domingo (12), um ofício ao governador João Doria (PSDB) para obter esclarecimentos sobre um acordo firmado entre a gestão pública estadual e empresas de telefonia celular para a liberação de dados do Simi-SP (Sistema de Monitoramento Inteligente de São Paulo) com a finalidade de monitorar a circulação de pessoas no Estado durante a quarentena imposta para combater o avanço do contágio do novo coronavírus.
O documento, assinado pelo procurador da República Bruno Costa Magalhães, em regime de plantão, tem o objetivo de “analisar se há potencial violação de direitos fundamentais da pessoa humana na execução do referido acordo, considerando que ele pode dar ensejo a mitigação do direito de intimidade e do direito de reunião – que, como sabido, não está ao alcance do poder normativo dos governos estaduais”.
O ofício estabelece prazo de 48 horas para que o governador paulista envia cópias dos termos do acordo, indique a especificação (nome, versão, desenvolvedor) do software utilizado para o processamento dos dados e esclareça quais informações estão sendo encaminhadas pelas operadoras no cumprimento dos referidos acordos.
Outro questionamento da Procuradoria da República em São Paulo ao chefe do Executivo paulista é sobre a possibilidade do uso da força policial para retirar cidadãos que estejam circulando nas ruas em situações que possam causar aglomerações públicas, baseada no Decreto n. 64.881/2020.
De acordo com o entendimento do Ministério Público Federal, tal decreto não proíbe, no Estado de São Paulo, o exercício do direito de locomoção, em logradouros públicos, por pessoas sós ou acompanhadas.
A desembargadora Ivana David, que atua na 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, explica que já foram utilizados três tipos de monitoramento de dados na tentativa de evitar a disseminação do novo coronavírus em todo o país: dados de localização agredados; monitoramento individual da circulação de cada pessoa; monitoramento e exposição das pessoas infectadas.
No entanto, a juíza lembrou que Lei de Proteção de Dados, legislação que permitiria esse tipo de ação por parte das autoridades, que entraria em vigor no mês de agosto de 2020, ainda está em dicusssão no Congresso Nacional para prorrogacao da data – para janeiro de 2021. Por isso, Ivana David entende que a medida do governo paulista é muito discutivel e poderá ser objeto de ações judiciais no futuro.
“No nosso ordenamento jurídico, ao meu sentir, não existe lei que autorize esse tipo de monitoramento, ainda que seja sem a indicação da qualificação de cada um. Se fosse para indicar os dados cadastrais, a legislação proíbe, porque o Estado estaria recebendo de forma administrativa informações que chamamos de dados sensíveis”, avaliou.
Ivana David, desembargadora da 4ª Câmara do TJ paulista, enfatizou que o Estado pretende fazer um gerenciamento geopolítico ainda dependente de prévia autorização judicial, como já ocorre em solicitações feitas pela Polícia Civil no curso de investigações criminais.
“A constitucionalidade desse tipo de providência que agora o Ministério Público Federal está indagando ao governo é, no mínimo, discutível. Dependendo da forma que esse dado é repassado ao Poder Executivo, pode sim enveredar para o campo da ilegalidade, já que fere a garantia constitucional do sigilo das informações e, principalmente, o sigilo referente às pessoas e as comunicações telefônicas”, complementou a desembargadora.
O R7 procurou o governo do Estado para se pronunciar sobre os questionamentos do MPF em relação ao uso de dados dos telefones celulares de cidadãos paulistas para monitorar a adesão à quarentena. No entanto, não houve resposta até a publicação desta matéria. Assim que houver um posicionamento do Executivo paulista, será acrescentado na reportagem.
Sobre a possibilidade de dispor da força policial para impedir o descumprimento das determinações que implementaram o isolamento social no Estado, o governador João Doria havia se pronunciado na última segunda-feira (13), quando ressaltou que sua posição pessoal e do governo do estado de sp é proteger o direito e a liberdade de ir e vir.
“Nunca o governador do Estado de São Paulo desejou limitar, impedir ou restringir o direito de ir e vir. Mas também não desejamos e não faremos nenhum estímulo para que as pessoas possam se aglutinar e, circunstancialmente, deliberadamente ou não, desrespeitar a orientaç da quarentena e desrespeitar o direito à vida. Primeiro, delas próprias. Depois dos seus familiares. Na sequência, dos seus vizinhos, amigos e da população”, frisou João Doria em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes.
O Ministério Público Federal também foi procurado pelo portal para revelar mais detalhes sobre o ofício enviado ao governo paulista, mas não se manifestou até a conclusão desta reportagem.
R7