A medida provisória (MP) de reestruturação do ensino médio, anunciada hoje (22) pelo governo, precisa ser acompanhada de investimentos em infraestrutura das escolas, na contratação de mais professores e nas carreiras dos trabalhadores da educação. A análise foi feita por representantes de escola, sindicato e entidade estudantil ouvidos pela Agência Brasil.
O reitor do Colégio Pedro II, considerada uma das escolas mais antigas em funcionamento no país, fundada em 1837, Oscar Halac, considera a MP inovadora, mas diz que é necessário um período de adaptação, pois a realidade do ensino é muito diferente nas escolas.
“Somos uma escola propedêutica [que fornece educação iniciadora para especialização posterior]. Cumpriremos com mais dificuldades. Para nós, que não temos tradição nem iniciativa de profissionalização, vai custar um pouco mais para nos adaptarmos. Mas o fato é que existe hoje um certo distanciamento dos alunos das escolas, principalmente as de ensino médio. Nunca neste país houve uma identidade do ensino médio. O aproveitamento, segundo estatísticas, é pífio. No Colégio Pedro II, o aproveitamento é muito melhor, mas estamos falando de um pingo em um oceano”, comparou.
Segundo Halac, a MP tem a virtude de ser uma tentativa de melhora em um período com poucos avanços. “Pelo menos é uma tentativa, dentro de alguns anos sem tentativa nenhuma. Ela é uma decisão que busca mexer no marasmo de tanto tempo. É positiva. O que pode não ser positivo é a falta de condições para que isso aconteça”, ponderou.
O reitor do Colégio Pedro II defendeu a criação de um plano de carreira e de capacitação para os professores entre as novas medidas. Se não, segundo ele, será como trocar apenas os pneus de um carro com o motor defeituoso.
“Se o projeto tiver previsão de que essas aulas vão ser mais interativas, mais participativas e menos expositivas, que o professor será menos um ‘dador’ de aula e passe a ser um moderador, certamente esse aluno vai ter uma situação diferente. Não há hoje um atrativo na escola que suporte o dinamismo e a velocidade do saciamento da informação que tem fora dela. Não é mais aquela geração que se contenta em sentar cinco horas num banco escolar e ver um desfile de cinco ou seis professores repetindo verdades já ditas”, disse Halac.
Sem discussão
Já a presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Camila Lanes, criticou o fato de a medida provisória não ter sido discutida com os estudantes. “Somos contra essa política que não foi articulada com os movimentos estudantis e social. A gente não tem noção de como pode afetar o nosso público. Hoje estamos passando por uma crise no ensino médio muito grande, que vai muito além da grade curricular. Ela é um pequeno problema perto do contexto geral que atinge as escolas, desde segurança pública até material didático”, listou. “Não que o governo federal tenha toda a responsabilidade em resolver todos os problemas das escolas públicas, pois muitos problemas são de competência dos estados”, reconheceu.
A presidente da Ubes reconheceu que há pontos positivos nas mudanças propostas pelo governo, principalmente a liberdade para os estudantes escolherem parte das disciplinas do currículo. “É interessante a proposta, a gente não pode negar. Inclusive vai dialogar muito com os estudantes que pensam em fazer uma determinada área e não querem estudar outras áreas. Mas ainda assim a gente acha que o currículo poderia ser melhor aproveitado e que as coisas ali colocadas poderiam ser voltadas para o nosso desenvolvimento intelectual e cidadão.”
A dirigente do Sindicato Estadual dos Profissionais de Ensino do Rio de Janeiro (Sepe-RJ), Marta Moraes, também criticou a falta de diálogo com a categoria e disse que a entidade está finalizando uma nota sobre a medida do governo.
“A direção do Sepe discorda completamente desta medida, que está atropelando a discussão da Base Nacional Curricular Comum. Ela desqualifica algumas disciplinas, como por exemplo o espanhol. Sem nenhuma discussão com a categoria, isso é péssimo. A gente espera que isso não seja aprovado”, disse a sindicalista.
Segundo Marta, o sindicato defende uma formação geral de qualidade, que dê condições para o aluno escolher a profissão que quiser. “Esse tipo de medida em princípio parece interessante, mas tomar essa decisão sem nenhuma discussão é muito ruim. Temos problemas de infraestrutura, de valorização dos professores. Estamos estudando a proposta. Não teve articulação nenhuma. Duvido que um estudante tenha sido consultado.”
Agência Brasil