As multas aplicadas pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) às concessionárias de estradas federais por descumprimento dos contratos somaram R$ 424,5 milhões entre 2016 e 2017. Ao todo, foram 511 autuações no período, mas apenas 0,14% (R$ 607,1 mil) do valor total foi pago à agência reguladora.
Isso ocorre porque as concessionárias recorrem administrativamente e também ao Judiciário, o que acaba deixando os pagamentos suspensos até decisão definitiva.
Entre os motivos das multas estão problemas relacionados a atrasos ou a não execução de obras obrigatórias, pavimentação e sinalização inadequadas, questões relativas ao atendimento ao usuário, entre outras.
O país tem 9.344,8 km (20 trechos) de rodovias concedidas à iniciativa privada — 14 delas foram feitas a partir de 2008. Os R$ 424,5 milhões de multas aplicadas seriam suficientes para restaurar 355 km de rodovias, segundo planilha de custos do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
Dados da ANTT obtidos pelo R7 mostram que apenas uma empresa, a Arteris, responsável por cinco trechos de rodovias federais (Fernão Dias, Régis Bittencourt, Planalto Sul, Litoral Sul e Fluminense), acumula multas de R$ 178,5 milhões.
Outro grupo, o Triunfo, administra quatro estradas (Concer, Concepa, Concebra e Transbrasiliana) e foi multado em R$ 81,5 milhões em dois anos.
A Invepar cuida da operação de duas rodovias e foi autuada em R$ 60,1 milhões no período referido. Em seguida, aparece a EcoRodovias, que tem três concessões (Eco101, Ecosul e Ecoponte), com multas que somam R$ 20,7 milhões. As multas de R$ 2,8 milhões da ponte são refutadas pela empresa.
A CCR Rodovias administra dois trechos federais (NovaDutra e MSVia) e acumulou R$ 20,3 milhões em autuações.
Um caso que chama atenção é o da BR-153, entre Anápolis (GO) e Aliança do Tocantins (TO). Leiloado em 2014, no governo Dilma, o trecho era administrado até o ano passado pelo Grupo Galvão, envolvido na Lava Jato.
Sem conseguir financiamento, a empresa não investiu na estrada e perdeu a concessão na metade do ano passado. As multas aplicadas à Galvão chegaram a R$ 17,6 milhões entre 2016 e 2017.
Fotos feitas pela CNT (Confederação Nacional dos Transportes) no ano passado mostram buracos na pista no trecho concedido. A entidade classificou a BR-153 como regular no Tocantins, com destaque negativo para a sinalização.
Arteris, Triunfo, EcoRodovias, Invepar, CCR e Galvão admitem que receberam as autuações da agência, mas dizem que recorreram dentro do que prevê a lei e dos contratos firmados com o poder público. Leia a íntegra dos posicionamentos enviados pelas empresas.
A concessionária que mais recebeu multas da ANTT foi a Autopista Planalto Sul, administrada pela Arteris: R$ 56,9 milhões (veja gráfico ao final). O trecho de concessão é do BR-116, entre Curitiba (PR) e a divisa entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. São cinco praças de pedágio ao longo dos 412,7 km.
Esse trecho foi concedido à iniciativa privada há dez anos, mas motoristas trafegam até hoje em pista simples nos trechos urbanos em Santa Catarina. Prefeitos de dezenas de municípios pedem há pelo menos quatro anos que as obras de duplicação sejam feitas.
Outra rodovia administrada pelo mesmo grupo, a Autopista Litoral Sul ocupa o segundo lugar da lista. Trata-se de trechos das rodovias BR-116, BR-376 e BR-101, entre Curitiba e Palhoça (SC), totalizando 405,9 km e quatro praças de pedágio.
A rodovia Rio-Teresópolis (BR-116), administrada pela CRT, do grupo Invepar, é a terceira no ranking de multas da ANTT: R$ 47,9 milhões.
A ouvidoria da ANTT recebeu mais de 2.600 queixas de usuários das rodovias federais concedidas à iniciativa privada em 2016. Os dados de 2017 ainda não foram divulgados.
Mais da metade dessas reclamações foi por problemas relacionados ao pavimento ou à sinalização. Em seguida, aparecem queixas sobre obras, congestionamento e ressarcimento de valores.
A agência reguladora diz que “vem realizando vistorias aos trechos concedidos, com objetivo de verificar o atendimento dos elementos de infraestrutura aos parâmetros de desempenho que incidam diretamente na segurança do usuário na rodovia”.
Ainda segundo o órgão, problemas na execução de obras previstas e “eventual descumprimento de obrigação contratual poderá ensejar aplicação de desconto de reequilíbrio, para as concessionárias da terceira etapa, e/ou aplicação de multas previstas no contrato ou nos normativos vigentes da ANTT”.
Qualquer descumprimento contratual enseja a abertura de processo administrativo para apuração de responsabilidade e aplicação das sanções previstas.
No entanto, a agência diz que as concessionárias ainda podem recorrer à Superintendência de Exploração da Infraestrutura Rodoviária e algumas delas à diretoria da ANTT.
“Somado a isso, as concessionárias, na maioria das vezes, quando se esgotam as instâncias administrativas, recorrem ao Poder Judiciário, o qual acaba suspendendo a exigibilidade da multa até que chegue a urna decisão final”, diz ofício enviado à reportagem pelo gerente de fiscalização e controle operacional de rodovias da ANTT, Marcelo Alcides dos Santos.
Ele acrescenta que, portanto, não se pode falar em dívida das empresas com a União, “tendo em vista que os processos ainda estão em análise”.
Um levantamento feito pelo TCU (Tribunal de Contas da União), em 2013, com oito concessões mostrou que de 245 processos administrativos instaurados, 177 estavam sendo questionados em recursos na própria ANTT e outros 13 tinham virado ações judiciais.
O fato de apenas 0,14% do valor total das infrações ter sido pago pode mostrar que algumas empresas estão usando o recurso como “meramente protelatório”, diz o professor do curso de direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista na área de infraestrutura Augusto Neves Dal Pozzo.
— Pode ser que o recurso seja meramente protelatório. Mas também tem as situações em que efetivamente ela [concessionária] não mereceria a sanção a ser aplicada. A agência reguladora pode falhar na aplicação das multas.
O advogado Marcos Vinicius Macedo Pessanha, sócio do escritório Nelson Wilians e especialista em direito administrativo, regulação e infraestrutura, diz que deveria haver um caminho mais rápido para a solução de impasses entre agências reguladoras e concessionárias no Brasil.
— A infraestrutura é um setor que deveria ser menos burocratizado, tanto na área administrativa, para concessões e contratações de obras, quanto na parte de gestão dos contratos. Eu entendo que deveriamos privilegiar a utilização de arbitragem, por exemplo, e menos processos judiciais.
De acordo com Pessanha, o alto valor das multas deixa claro que há um problema burocrático e quem perde é a sociedade.
— A situação é muito mais complexa do que o fato de a ANTT não estar recolhendo os valores. Mostra uma falha estrutural nas concessões de infraestrutura brasileiras, que gera uma repercussão em toda a cadeia produtiva, seja para o usuário do serviço ou para o escoamento de produção.
O professor Dal Pozzo, que também é presidente do Ibeji (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura), vê a necessidade de mediação, mais do que de arbitragem.
— No caso da arbitragem, tem alguém que decide esses conflitos. Na mediação, existe um equilibro maior e teria mais efetividade. […] Isso [valor das multas] mostra que existem alguns pontos de conflito que precisam ser solucionados. É preciso criar mecanismos nesses contratos existentes para resolver da melhor maneira esses problemas que estão gerando multas.
R7