O gongo soa. Primeiro round. Mas a batalha, na verdade, começou 24 horas antes. No dia que antecede o combate, as pugilistas passam pela pesagem. Se extrapolarem o limite de suas categorias, podem ser punidas ou impedidas de competir. Antes de vencer a argentina Cláudia Lopez por decisão unânime no evento Boxing For You, em São Paulo, e conquistar o título mundial silver, que a credencia a buscar o cinturão pleno do Conselho Mundial de Boxe (CMB), Adriana Araújo derrotou um rival sempre difícil na vida de um atleta: a balança.
“Eu conquistei o título latino em 11 de agosto e tive só dois meses de preparação para essa luta. Talvez até por isso eu tenha tido um pouco de dificuldade na batida do peso. É um processo tenso. É o atleta contra ele mesmo. Para mim, a pior luta que tem”, conta a baiana da categoria super-leve (até 63,5 kg) em entrevista à Agência Brasil.
Lutas das quais Adriana costuma sair vitoriosa, mesmo quando o desafio parecia grande. Em 2017, ela passou por uma artroscopia no ombro esquerdo para tratar uma lesão que a incomodava há mais de um ano. Após seis meses de recuperação, seriam 24 kg a serem perdidos em 60 dias até a estreia no boxe profissional.
“Eu estava correndo dela [cirurgia] há um tempo, mas no Rio [Olimpíada de 2016] senti muito meu ombro. Estava batendo osso com osso. Fiz o procedimento com o doutor Marcelo Leite, que me ajudou muito. Hoje estou bem recuperada. Com isso [cirurgia] tive que tomar corticoide, outros medicamentos, para sarar mais rápido. E o corticoide incha, faz você ganhar peso desnecessariamente. Tive que fazer bastante fisioterapia, trabalho de fortalecimento. Mas sou uma pessoa que gosta de desafios e consegui superar”, explica.
E superar adversidades faz parte da carreira de Adriana antes e depois do bronze nos Jogos de Londres (em 2012), a primeira medalha olímpica de uma brasileira na modalidade. Mesmo com a conquista histórica, houve demora para as portas se abrirem para a pugilista na transição do boxe amador para o profissional. Ela chegou a se afastar dos ringues e trabalhar como motorista de aplicativo para se sustentar.
“Foi um dos momentos mais tristes da minha vida. Não por estar trabalhando como Uber, que é uma profissão de qualquer cidadão de bem que deseja um retorno financeiro de forma justa. Foi o que apareceu para mim naquele momento. Mas, de outro lado, por tudo que fiz pelo meu país, depois de medalha olímpica, ter que passar por isso”, diz Adriana, acreditando que um possível título mundial possa mudar essa história.
“Infelizmente ainda não consigo viver 100% do boxe. Ainda dou aulas em Salvador, faço um trabalho à parte que ajuda a pagar as contas. Faço minhas palestras, alguns trabalhos para o governo do Estado [da Bahia]. Vou me virando”, completa.
Referência feminina
Adriana faz parte de uma escola vitoriosa de pugilistas soteropolitanos. Integram esse “time” nomes como Acelino Popó Freitas, tetracampeão mundial profissional, Robson Conceição, medalhista de ouro na Rio 2016, e Everton Lopes, campeão do mundo pela Associação Internacional de Boxe Amador (Aiba) no Azerbaijão, em 2011.
A novidade é Beatriz Ferreira, que no último dia 13 conquistou o título mundial da Aiba na Rússia. A atleta de 27 anos é da mesma categoria que Adriana competia no boxe olímpico, leve (até 60 kg), e a ajudou na preparação para os Jogos do Rio.
“A Beatriz já tinha os olhos vidrados para o boxe desde pequena, quando o pai a levava para treinar com a gente na academia. A oportunidade de ela ter treinado comigo na seleção, com certeza, abriu a mente dela. Fico feliz porque a Bia está seguindo os mesmos passos. Digo que ela está honrando a categoria”, afirma.
De fato, a modalidade entre as mulheres vive um momento diferente. As três medalhas conquistadas por Beatriz (ouro), Jucielen Romeu (prata) e Flávia Figueiredo (bronze) nos Jogos Pan-Americanos de Lima foram decisivas para o boxe ter voltado do Peru com o melhor desempenho do Brasil no evento desde 1963.
“Na minha época, a Confederação Brasileira de Boxe [CBBoxe] não podia sequer pagar nossas passagens, pois o boxe feminino não era olímpico. Só a partir de 2010, quando [a modalidade] foi introduzida no programa olímpico. Antes, disputei Pan-americano e Mundial por conta própria, tendo que me preocupar com treinamento, passagem, passagem de treinador, hospedagem, pagamento do torneio”, diz Adriana.
“As meninas [de hoje] entenderam o chamado. Que se uma pode ser campeã, a outra também pode. Teve a Roseli Feitosa [primeira brasileira campeã mundial pela Aiba] em 2010, agora a Beatriz dando continuidade, e a Rose Volante, campeã do mundo pela Organização Mundial de Boxe [OMB]. Fico feliz por ser uma das pioneiras e que, graças a Deus, hoje elas estão tendo estrutura e fazendo por onde”, declara.
Além do cinturão
Agora Adriana espera a oportunidade de enfrentar a norte-americana Jessica McCaskill, atual campeã da categoria superleve pelo CMB e também pela Associação Mundial de Boxe (AMB), esta desde maio. Já na OMB o título da categoria foi conquistado pela grega Christina Linardatou em março. A brasileira quer unificar todos esses cinturões.
“Sou muito grata pela oportunidade de ser a mulher visada para ganhar o título mundial. Mas, não quero apenas ser campeã. Quero fazer história. Ganhar das melhores. Tenho boxe e experiência para isso. Não só eu, mas minha equipe confia nisso. Minha meta agora é conquistar o mundo”, encerra Adriana.
Agência Brasil