Autora do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e parlamentar mais votada da história do país, com 2.031.829 votos, a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) garantiu que não sairá de seu partido, nem tampouco disputará a Prefeitura de São Paulo.
E avisa: “Eu não tenho interesse de ir para o PSDB” – recentemente, o ex-membro de seu partido, o deputado federal Alexandre Frota, foi expulso por demonstrar “infidelidade” ao atacar o governo federal. Assim que o parlamentar foi aceito pelos tucanos, nomes como o de Paschoal pipocaram nos bastidores como um dos cotados para a sigla.
“Eu não entendo nada desse partido (PSL), mas eu vou para onde? Eu sou contra e não me sinto representada por nenhum partido. Eu tenho interesse, na verdade, de sair de partido e ter candidatura avulsa, mas a lei não permite”, lamenta, enquanto leva as mãos ao seu colar de ouro escrito fé.
Paschoal fala, em entrevista ao R7, sobre projetos de lei, novo procurador-geral da República, gestão de Doria e Jair Bolsonaro (PSL), além de (tentar) definir sua marca na Assembleia Legislativa de São Paulo, onde atua no primeiro ano de seu mandato.
– O seu projeto de lei 435/2019 foi aprovado na Alesp e, depois, sancionado pelo governador João Doria com certa rapidez. Qual é a relação do PSL com o PSDB aqui em São Paulo?
É uma relação mesmo de independência. Tem alguns colegas que são mais críticos, outros são menos críticos. Os colegas mais críticos ao governador são aqueles ligados à polícia – eles acham que o Doria teria que dar aumento para a polícia, por exemplo. No meu caso, depende do projeto, do tema. Eu não gosto de condicionar as minhas análises a pessoa.
Recentemente teve a nomeação do procurador-geral, então não acho justo fazer ataques a pessoa, mas se você perguntar se eu gostei da escolha, honestamente, eu vou lhe responder que eu não o escolheria. Sobre o Doria, teve projeto que votei contrário e outro favorável. Eu analiso o projeto. As pautas são parecidas, até porque nós entendemos que o Estado tem que ser diminuído. Se os projetos chegam bem feitos, desculpa, eu quero privatizar tudo, com exceção dos presídios. A questão não é João Doria ou o PSDB, mas sim as temáticas discutidas.
– O seu projeto que determina que uma das aulas semanais de educação física seja destinada ao ensino de alguma modalidade de luta corporal às alunas, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio…
Os colegas estão achando que esse PL é discriminatório. Eu encaro como um PL multidisciplinar, porque apesar de ele ter a princípio uma natureza de educação, eu vejo como de segurança pública, porque tem intuito de capacitar essa mulher, que ainda é uma menina, para que ela tenha condições de se defender de ataques sexuais, de violência doméstica. E tem uma perspectiva que eu vejo como importante, uma vez que tira a mulher da condição de vítima e coloca como protagonista, como alguém que é capaz de se defender.
Tudo o que a gente ouve e fala sobre violência doméstica é uma mulher que precisa ser cuidada, como “vamos aumentar o número de delegacias da mulher e os atendimentos”, e isso não é ruim, mas é sempre colocando a mulher como alguém carente de tutela. Então, tem essa perspectiva que é diferenciada, que é do fortalecimento da mulher. Eu li toda a Base Nacional Curricular e as aulas de luta estão previstas como parte da educação física. Outro ponto é, de certa forma, uma lei que a gente pode colocar de ação afirmativa, mas não na linha criminal.
O tipo penal do feminicídio, por exemplo, vida é vida. A vida das pessoas, a rigor, tem o mesmo valor. Então, punir alguém de maneira diferenciada porque a vítima é uma mulher é algo extremamente discutível a luz do direito penal. Eu sou extremamente favorável a ações afirmativas fora do direito penal. O tipo penal do feminicídio é uma ação afirmativa no direito penal e não me parece o lugar ideal.
Então, quando eu digo que vamos capacitar essas meninas não deixa de ser ação afirmativa, mas é fora do direito penal. Um colega disse que o PL era inconstitucional, porque estaria favorecendo as meninas em prejuízo dos meninos. Espera aí, existe uma situação dessa mulher que vem sofrendo violência, e isso já é reconhecido, só que ninguém discutiu isso. Aqui seria uma ação afirmativa, fora do direito penal, e me parece que está justificado.
– O deputado federal Alexandre Frota, hoje do PSDB, disse que conversa com a senhora para ampliar o projeto 643/2019, trazendo para o plano nacional, lá na Câmara dos Deputados. Como que está essa discussão?
Quando o pessoal do PT (Partido dos Trabalhadores) mandou um grupo para me bater no aeroporto, na época do impeachment, ele (Frota) foi as redes sociais dizendo que ia colocar lutadores para me defender. Eu não o conhecia até então e no fim isso não aconteceu, mas fiquei sensibilizada – foi uma das únicas pessoas que se voluntariou em me ajudar, e foi uma ajuda inusitada. Essas coisas marcam.
Depois do meu discurso na convenção do partido, ele ficou meio assim porque era bem bolsonaristas e eu nunca fui, mas quando apresentei o projeto, fiquei pensando em qual deputado federal tinha a ver com esse tema. Aí eu entrei em contato com ele. Passou umas duas semanas e ele protocolou o projeto.
– Após criticar ações do governo federal, o deputado federal Alexandre Frota foi expulso do PSL e, em seguida, se filiou ao PSDB. A última declaração foi quando ele retrucou Bolsonaro após o presidente chamar Doria de “ejaculação precoce”. Como resposta, o ex-membro do seu partido disse que “é melhor você ter ejaculação precoce do que gozar com o pau dos outros”. Essa discussão é saudável? É adequado os parlamentares tecerem tais comentários?
Eu não tinha visto essa pérola. Eu não sei o que está acontecendo nesse país. Não tem o menor sentido. Eu acho que eles deveriam se esforçar para melhorar essa situação, porque isso aí não ajuda ninguém. Outra coisa que é muito ruim é a antecipação da campanha. Nós estamos no primeiro ano dos mandatos.
– Mas é assim que a política funciona.
Por isso está ruim. Temos que mudar essa dinâmica. Tanta luta não foi para fazer diferente. Não tem sentido. É o primeiro ano do mandato e as pessoas estão antecipando 2022.
– Quem antecipa, então, está errado?
Sim. Não importa o lado. Tem que focar no mandato.
– Uma emenda a um projeto de lei quer proibir a oferta de terapia hormonal a crianças e adolescentes transexuais menores de 18 anos e a cirurgia de redesignação sexual a menores de 21, tanto na rede pública e privada. Como é esse PL?
A norma ética do Ministério da Saúde já exige que a pessoa tenha 21 anos para fazer a cirurgia e acompanhamento prévio de dois anos. O que eu estou transformando em lei é a norma ética. Já em relação hormonal, a normativa também dá o limite de 18 anos. Estou sendo muito acusada de estar no caminho contrário da ciência, porém a verdade é uma só.
A ciência aponta que esses tratamentos precoces não são adequados. Vários textos, de médicos favoráveis e contrários, reconhecem um fato: as crianças que se identificam como trans, ao longo da vida, passam pela puberdade e se identificam com o sexo de nascença. Isso não significa que essa criança será um adulto héteros, ele pode ser homo também, mas é uma pessoa que se identifica com o sexo de nascença. A porcentagem dessa identificação está na casa dos 90%.
A criança, com três ou quatro anos, uma menina, vira para a mãe e diz que seu nome não é Amanda e, sim, Fernando. Essa menina passa pelos hormônios e pode acontecer várias coisas: com 20 anos, ela vê que foi uma fase, ela é, de fato, Amanda e é héteros. Pode acontecer dela ser Amanda e homo.
Pode acontecer de ser Fernando, mas sem nenhuma intervenção no corpo, ou pode fazer qualquer intervenção. Se a gente pega essa menina, com oito anos, e inicia um tratamento hormonal, a gente tira as possibilidades e dá apenas uma chance. Os defensores desses tratamentos estão condenando a Amanda a ter só uma saída, sem nenhuma garantia de que isso lá na frente vai torná-la satisfeita.
– Não há intervenção do Estado na escolha primária do indivíduo?
Não, porque quem está escolhendo, nesse caso, não é a Amanda, e sim os pais. É uma decisão muito drástica para pessoas com apenas oito anos. E nós temos uma lei, chamada ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que diz que essas pessoas estão em fase especial de desenvolvimento, então com essas pessoas o Estado tem que cuidar. Um médico que defende a terapia hormonal entrou em contato comigo gentilmente convidando para passarmos o dia juntos e conversar sobre o tema. Eu aceitei o convite e irei.
– Há chances de mudar de ideia? De fazer um recuo?
Eu não vou mudar de ideia, porque estou estudando isso há muito tempo. O que a gente pode pensar é, talvez, no caso dos hormônios, passar para 16. Mas desculpa, amigo, sete e oito anos, eu vou pro pau. O que está em jogo é a idade, porque é traumático, é drástico.
– A deputada federal Joice Hasselmann, em evento do PSL em Barueri, no dia 17 de agosto, discursou como pré-candidata à Prefeitura de São Paulo. Depois, o deputado estadual Gil Diniz disse que o partido irá promover prévias para definir o candidato…
Não estou falando especificamente sobre o PSL, mas para qualquer partido. Se há várias pessoas interessadas, tem lógica fazer prévia ou pelo menos sentar todo mundo e dialogar. Talvez uma candidatura imposta, de quem quer que seja, pode gerar trauma e até mesmo perder apoio. Se você tem uma candidatura construída é mais forte.
– Quem tem chance?
Eu não sei, eu não entendo nada desse partido.
– Por que, então, ainda está no PSL?
E eu vou para onde? Qual é melhor? Eu sou contra partido.
– E os rumores de que seu nome foi cotado para o PSDB?
Eu não tenho interesse de ir para o PSDB. Eu tenho interesse em sair de partido e ter candidatura avulsa, mas a lei não permite, inclusive, a lei eleitoral brasileira é extremamente autoritária.
– Me parece que a senhora não está satisfeita no PSL…
Eu não estou satisfeita em partido, porque eu não penso com a lógica dos partidos. Eu sou a favor da candidatura avulsa.
– O seu nome pode ser um dos cotados nas prévias. Você irá aceitar?
Eu não quero. Já me chamaram, mas não vou. Eu não vou ser candidata à Prefeitura de São Paulo, nem tampouco sair do PSL. Eu não tenho pretensão de sair porque não tenho para onde ir. Nenhum presta. Nenhum é bom. Eu não me sinto representada por nenhum partido.
– Então como se deu sua entrada ao PSL?
Eu entrei porque queria ajudar a eleger o Bolsonaro, porque achava que ele era o único que tinha chance de derrubar o PT. Eu apoiei o Bolsonaro contra o PT.
– Qual a sua avaliação sobre a gestão do presidente Jair Bolsonaro?
O presidente arruma muita confusão onde não precisa. A gente torce por ele. A gente quer o sucesso dele. Vou além, a gente precisa do sucesso dele. Mas ele arruma confusão demais. Eu acho que ele trabalha na gestão, mas faz comentários absolutamente desnecessários e gera conflitos onde não precisa. São vários conflitos, externos e internos, e isso vai fragilizando o país.
A exemplo da primeira dama francesa – para quê? Cada um cuida da sua mulher. Nesse caso, eu acho que o presidente tem tantos argumentos para mostrar que as queimadas acontecem nesse período, e há certo sensacionalismo em torno disso; que estão sendo feito esforços para combater as queimadas. Ele poderia ter essa maneira de se expressar e nós o apoiaríamos, mas quando ele vai para o embate pessoal, para a ofensa, ele perde a razão. É difícil a gente defender. Não dá.
– E a sua relação com o governador João Doria?
Protocolar. É uma relação boa, mas institucional. Tenho o telefone dele no WhatsApp, e converso só se tiver algum assunto. Assim como tenho o número do Frota, da Joice, de vários, mas é uma relação protocolar.
– E como Doria tem se saído à frente do Governo do Estado?
Eu acho que está indo bem. Ele é presente, ativo. Vem aqui, faz reunião com secretariado. Tem que observar mais, porque está no começo e ainda faltam bons anos. Independentemente de ser ele, Bolsonaro ou Luciano Huck, eu não acho que é a hora de se posicionar sobre campanha. É hora de focar cada um no seu mandato.
– A senhora foi a autora do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Nas últimas semanas, protocolou novamente um pedido de impeachment – desta vez contra o ministro Dias Toffoli, presidente do STF. O motivo seria, entre outros, a decisão de suspender todos os processos que envolvem coleta de dados sem autorização judicial…
Eu acho que as pessoas perceberam que eu não faço nada por brincadeira. Infelizmente, o presidente do Supremo cometeu um crime de responsabilidade e isso é muito sério. O inquérito sigiloso que está tramitando no STF que ele (Toffoli) distribuiu para o (ministro) Alexandre de Moraes de maneira alheia às regras de distribuição somado a suspensão e ao recolhimento da reportagem de uma revista é um conjunto que mostra que ele está utilizando o poder no cargo dele para se blindar. Isso é crime, por isso estou insistindo. A atitude dele é autoritária, não aceita crítica e não admite ser questionado, e quando é questionado, não dá satisfações.
– É um lugar que a senhora almeja?
O Supremo? Não. Eu acho que tenho toda a condição em termos de conhecimento jurídico, toda a condição constitucional, mas não acho que lá é o lugar que eu possa ser mais útil, até porque acredito muito na liturgia dos cargos. E um ministro, a rigor, não pode ficar falando, ele tem que ficar contido, porque vai poder julgar qualquer questão. Nesse momento histórico, eu livre para manifestar sou mais útil para o país.
– Faria algo de diferente do primeiro?
Eu sofri muito. Foi muito pesado. Muitas ameaças. Minha vida pessoal ficou muito abalada em todos os sentidos. Eu olho para trás e não aconteceram as coisas que disseram que iam fazer comigo, então eu acho que eu teria sofrido menos, mas é mais uma questão psicológica e emocional do que de fato. Não teria como fazer diferente. Eu tinha muito medo, não aceitava ajuda. Esse processo agora está difícil, porque tem muita gente unida, meio que se blindando. Mas não sou de gravar vídeo, a gente trabalha. Os outros trabalham dessa forma, mas é diferente do meu tipo de trabalho. É um trabalho jurídico, não é um de aparecer.
– E como está se sentindo emocionalmente?
O fato de processar uma mulher, uma vó, a primeira mulher presidente da República – eu vi que estava fazendo certo do ponto de vista jurídico, mas me preocupava por ser uma senhora de idade. No caso do ministro, não sei. Não estou sentindo isso. Acho que vou precisar de muita força para seguir, mas por enquanto não estou sentindo nada disso.
– Qual marca busca deixar?
Não sei. Eu sempre fui uma pessoa muito trabalhadora, muito séria com tudo o que faço. Sempre tentei ser muito justa nas minhas análises e não favorecer alguém. Olhar as coisas de maneira objetiva, mas isso é uma marca na vida, não aqui. Aqui eu sou a mesma pessoa que eu era na USP (Universidade de São Paulo), na advocacia. Se você entrar aqui com um projeto, de qualquer partido, eu vou conversar com você. Se você pedir uma análise técnica, à luz do direito, se isso pode ou não pode, eu vou responder objetivamente. Não importa se você é do PT ou do PSOL, e eu sou assim na vida. Agora como chamar isso? Eu não sei (risos).
R7