Pelo terceiro ano, Camila Medeiros, de 19 anos, busca uma vaga em Medicina em universidade pública. Para alcançar o sonho de ser médica, estudaria em qualquer região do País, mas teme que, mesmo aprovada em uma instituição sem mensalidade, não consiga se manter financeiramente longe de casa. A dificuldade econômica é um dos principais entraves para que os alunos mudem de Estado para cursar o ensino superior em uma universidade federal.
Dados do Ministério da Educação (MEC) mostram que, em 2017, apenas 10% dos ingressantes na rede federal de ensino foram estudar em uma instituição fora do Estado de residência. Um dos objetivos da mudança do Enem, em 2009, e da criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) era democratizar o acesso ao ensino superior, diminuindo deslocamentos custosos e cansativos para os vestibulandos. A centralização em uma única prova trouxe benefícios financeiros para quem tenta mais de uma instituição, mas a mobilidade não se manteve ao longo dos anos. Antes da mudança, 1,5% dos ingressantes mudavam de Estado. Essa proporção chegou a 25%, em 2010, primeiro ano do sistema.
Para especialistas e reitores de universidades, a falta de recursos para políticas de assistência estudantil – como moradia transporte, alimentação e apoio pedagógico – é um entrave para que jovens de famílias de baixa renda possam mudar de região para fazer a graduação. Dos 31,8 mil que migraram para cursar a graduação, 42% fizeram o ensino médio em escola particular e um terço é de estudantes de São Paulo.
Camila estudou gratuitamente em uma escola particular de Caieiras, onde a mãe trabalha como assistente de serviços gerais. Por isso, não é beneficiada pelas cotas para alunos de escola pública. “Eu concorro com quem estudou em escolas muito mais caras que a minha.”
Ela conta que, se conseguir aprovação em alguma universidade federal, vai pesquisar antes a política de bolsas e de moradia estudantil. “O problema é que eu sei que os valores são pequenos alguns alunos ficam de fora ou demoram para conseguir a bolsa”, conta. Um estudo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) verificou que o valor médio da bolsa estudantil varia de R$ 302,41 nas instituições da Região Centro-Oeste, que tem a maior média, a R$ 244,16, na Região Norte, com o menor valor.
Ainda segundo a Andifes, são recorrentes os relatos de pró-reitores que não conseguem atender todos os estudantes com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo. Como não têm recurso suficiente, muitas instituições passaram a priorizar os que estão em uma faixa de renda de até R$ 600. Os investimentos do MEC para a área cresceram desde 2009, mas estacionaram a partir de 2015.
Em nota, o MEC informou que no ano passado investiu R$ 953,7 milhões no Programa Nacional de Assistência Estudantil e que para este ano a previsão é de R$ 957,2 milhões – se corrigido pela inflação, o valor é menor que o do ano anterior.
Medicina
Entre os cursos mais procurados por aqueles que migram de Estado para estudar, o primeiro é Medicina, com 2.232 estudantes. Em seguida estão graduações mais prestigiadas e procuradas por jovens de famílias mais tradicionais, como Direito e as Engenharias.
Ex-aluna de escola particular, a paulista Marina Sammarco, de 25 anos, conseguiu a aprovação em Medicina na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) depois de passar quatro anos de cursinho tentando uma vaga nas universidades públicas de São Paulo. Pela primeira vez fora de casa, a estudante não se adaptou à cidade por achá-la pequena e decidiu prestar novamente o Enem. Conseguiu ser aprovada na Federal de Minas (UFMG), em Belo Horizonte. “Não era a minha primeira opção, mas hoje vejo como uma oportunidade.”
A desistência dos estudantes no meio do curso e o retorno para os Estados de origem após a graduação são uma preocupação do MEC e de especialistas. Os dados mostram que 21% dos que entraram na rede federal no ano passado tentaram o Enem mais uma vez para ingressar em outro curso. Por isso, estuda a criação de um sistema unificado para preencher essas vagas que sobram após a desistência.
“Muitos cursos de Medicina, por exemplo, foram criados para solucionar uma carência de médicos. O mesmo ocorreu com outras áreas profissionais. O problema é que o aluno vai, estuda, se forma e volta para um grande centro. Ou seja, a finalidade social daquele curso não é cumprida”, diz Maria Helena Guimarães ex-secretária executiva do ministério e atual integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Em nota, o MEC informou que a mobilidade acadêmica é um fenômeno mundial, visto como “positivo e um dos pressupostos da implementação do Sisu”, mas disse que não avalia se a ocupação das vagas ocorre por estudantes da região das instituições ou de fora dela. “Essa análise fica a cargo de cada instituição, no âmbito da respectiva autonomia. Algumas criaram mecanismos de ‘bônus regional’ para promover a maior inserção de estudantes da região.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
R7