Um grupo internacional de cientistas identificou, graças a uma nova tecnologia, uma estrutura até agora desconhecida na anatomia humana, que pode ter relação com o funcionamento de todos os órgãos, da maior parte dos tecidos e dos mecanismos ligados à maior parte das doenças. O estudo que descreve a descoberta foi publicado na terça-feira, 27, na revista Scientific Reports. Os cientistas revelaram que certas camadas do corpo, que até agora eram identificadas como tecidos conectivos densos, na realidade são compartimentos interconectados preenchidos com fluido. Esses tecidos, localizados em camadas sob a pele, revestem o tubo digestivo, os pulmões e o sistema urinário, além das artérias, veias e a fáscia – estrutura onde se fixam músculos ao seu redor. Segundo os autores do estudo, já se sabia que mais da metade dos fluidos no organismo se situa entre as células – e cerca de um sétimo do total no coração, nos vasos sanguíneos, nos nódulos linfáticos e nos vasos linfáticos. O novo estudo, porém, é o primeiro a definir que o interstício onde esses fluidos circulam funcionam como um órgão à parte. A equipe liderada por Neil Theise, da Escola de Medicina da Universidade de Nova York (NYU, na sigla em inglês), mostrou que esses compartimentos, apoiados em uma malha de proteínas do tecido conectivo como colágeno e elastina, podem absorver choques, impedindo que os tecidos se rompam, quando os órgãos, músculos e vasos pulsam, são espremidos, ou sofrem impactos durante seu funcionamento diário. De acordo com os cientistas, um dos aspectos mais importantes do estudo foi a descoberta de que essa camada é uma “via expressa” para fluidos em movimento. Segundo eles, isso pode explicar por que o câncer que invade essa estrutura têm maior chance de se espalhar pelo organismo. Os cientistas também afirmam que a nova rede descoberta é drenada para o sistema linfático e é a fonte da linfa, um fluido vital para o funcionamento de células do sistema imunológico que produzem inflamação. Além disso, as células que residem nesse espaço – e os feixes de colágeno que elas revestem – mudam com a idade e podem contribuir para o enrugamento da pele, o enrijecimento dos membros e a progressão de doenças fibróticas, escleróticas e inflamatórias, segundo os cientistas. Os pesquisadores afirmam que ninguém havia notado esses espaços antes porque o campo médico dependia do exame de tecidos fixos em lâminas de microscópios, que até agora era considerado o método mais preciso para observar a realidade biológica. No método convencional, os cientistas utilizam compostos químicos para preparar os tecidos para exame, cortando-os em fatias finas e tingindo-os para destacar características importantes. Esse processo “fixo”, segundo os autores do novo estudo, permite observar detalhes vívidos das células e estruturas, mas, para isso, drena todo fluido dos tecidos. Segundo Theise, no novo estudo os cientistas descobriram que a remoção do fluido para produzir as amostras causa o achatamento da rede de proteínas conectivas que cerca os compartimentos cheios de fluidos, fazendo-os entrar em colapso. “Ao longo de décadas, esse colapso provocado pela fixação fazia com que o tecido preenchido com fluido e distribuído em todo o corpo parecesse sólido nas biópsias. Nossos resultados corrigem esse problema”, disse Theise. “Essa descoberta tem potencial para gerar grandes avanços na medicina, incluindo a possibilidade de que a amostragem direta do fluido intersticial venha a se tornar uma poderosa ferramenta de diagnósticos”, afirmou. Segundo Theise, a descoberta se baseou em uma nova tecnologia chamada endomicroscopia confocal a laser com sonda, que combina o endoscópio – a fina sonda com uma câmera em sua extremidade que é utilizada para ver o interior dos órgãos – com um laser que ilumina os tecidos e com sensores que analisam os padrões fluorescentes que são refletidos. O novo método, de acordo com ele, oferece uma visão microscópica dos tecidos vivos em vez dos fixos. Em 2015, utilizando essa tecnologia, dois coautores do novo estudo, David Carr-Locke e Petros Benias, ambos endoscopistas do Centro Médico Beth Israel, viram algo estranho enquanto sondavam o duto biliar de um paciente em busca de sinais de alastramento de um câncer. Era uma série de cavidades interconectadas que não se encaixava em nenhuma anatomia conhecida. Diante do mistério, os endoscopistas levaram as imagens ao laboratório de patologia de Theise. De forma surpreendente, quando Theise produziu imagens convencionais para biópsia do mesmo tecido, o padrão de rede encontrado por endomicroscopia simplesmente desapareceu. A equipe iria mais tarde confirmar que espaços muito finos vistos nas imagens da biópsia – e que tradicionalmente eram identificados como rompimentos do tecido, na realidade eram remanescentes dos compartimentos cheios de fluido que haviam entrado em colapso. Para realizar o novo estudo, os cientistas coletaram amostras de tecido de dutos biliares durante 12 cirurgias de câncer para remoção do pâncreas e do duto biliar. Alguns minutos antes dos médicos interromperem o fluxo de sangue para o tecido de interesse, os pacientes foram submetidos a microscopia confocal para registro da imagem do tecido vivo. Assim que os cientistas descobriram o novo espaço em imagens de dutos biliares, eles logo reconheceram a nova estrutura em todo o corpo, em qualquer ponto onde o tecido se movesse ou fosse comprimido. As células que revestem esse espaço também são incomuns – e talvez sejam responsáveis por gerar e dar apoio aos aglomerados de colágenos em torno delas, segundo os autores. Segundo Theise, essas células podem ser também células-tronco mesenquimais, que são conhecidas por contribuir para a formação de tecidos cicatrizados observados em doenças inflamatórias. Segundo os cientistas, os aglomerados de proteínas vistos no espaço intersticial provavelmente geram corrente elétrica quando se dobram com os movimentos dos órgãos e músculos – e por isso podem ter um papel em técnicas como acupuntura.
Bahia Notícias