Dezenas de milhares de estupros são registrados na Índia todos os anos, mas alguns chamam a atenção por serem profundamente perturbadores.
Em um caso particularmente chocante, a polícia da capital, Nova Déli, prendeu um homem na casa dos 30 anos pelo estupro e agressão de uma avó de 86 anos.
“A mulher estava esperando pelo leiteiro em frente à sua casa, na noite de segunda-feira (7/9), quando foi abordada por seu agressor”, diz à BBC Swati Maliwal, chefe da Comissão para Mulheres de Déli.
“Ele disse a ela que seu entregador de leite regular não estava vindo e se ofereceu para levá-la a um local onde ela poderia comprar leite.”
A octogenária o acompanhou, diz Maliwal, e o homem a levou para uma fazenda próxima, onde a estuprou.
“Ela chorou o tempo todo e implorava para que ele parasse. Ela disse a ele que poderia ser sua avó. Mas ele ignorou seus apelos e a agrediu impiedosamente quando ela tentou resistir e se proteger”, diz Maliwal.
Os moradores locais que estavam passando ouviram seus gritos e a resgataram. Eles entregaram o agressor à polícia.
Maliwal, que visitou a sobrevivente em sua casa na terça-feira, descreveu seu encontro como “de partir o coração”.
“Suas mãos estão totalmente enrugadas. Você leva um choque quando ouve o que ela passou. Há hematomas em seu rosto e por todo o corpo e ela me disse que teve sangramento vaginal. Ela está sofrendo um trauma extremo.”
Maliwal diz que pedirá a pena de morte para o agressor, que ela descreveu como “desumano”.
Estupros e violência sexual estão sob os holofotes na Índia desde dezembro de 2012, quando uma estudante de fisioterapia de 23 anos foi estuprada por uma gangue em um ônibus em movimento em Deli.
Ela morreu poucos dias depois de ferimentos sofridos durante o ataque. Quatro dos acusados foram enforcados em março desde ano.
Mas, apesar do aumento do combate policial aos crimes sexuais, o número de casos continua a aumentar na Índia.
De acordo com as autoridades indianas, a polícia registrou 33.977 casos de estupro na Índia em 2018, último ano com dados disponíveis. Isso equivale a um estupro a cada 15 minutos.
Mas os ativistas dizem que os números reais são muito maiores, pois muitos casos não chegam a ser denunciados.
E nem todos são noticiados — apenas os mais brutais ou chocantes acabando chamando atenção do público.
Nos últimos dias, em meio a luta da Índia contra a pandemia de covid-19, houve relatos de um motorista de ambulância que teria estuprado uma paciente doente enquanto a transportava para o hospital.
No mês passado, uma menina de 13 anos foi encontrada estuprada e assassinada em um canavial. Seu pai disse que seus olhos foram arrancados e sua língua, cortada. E, em julho, uma menina de seis anos foi sequestrada e estuprada. Seu agressor causou ferimentos graves em seus olhos, aparentemente para que ela não pudesse identificá-lo.
Como aponta a ativista feminina Yogita Bhayana, nenhuma faixa etária é segura.
“Eu conheci um bebê de um mês de idade e mulheres na casa dos 60 anos que foram estupradas”, disse Bhayana, que trabalha para a Pari (People Against Rapes in India, ou povo contra os estupros na Índia, em inglês) uma ONG que trabalha com sobreviventes.
Após o escândalo mundial com a brutalidade do estupro de ônibus em dezembro de 2012, a Índia aprovou novas leis, incluindo pena de morte em casos especialmente hediondos, e prometeu criar tribunais rápidos para julgar casos de estupro.
Mas mesmo assim as coisas não mudaram muito, dizem ativistas.
“A situação não mudou porque proteger mulheres e meninas deveria estar no topo da lista de prioridades do governo, mas nem mesmo figura lá”, disse Bhayana.
Bhayana diz que, ao longo dos anos, ela escreveu mais de 100 cartas ao primeiro-ministro Narendra Modi buscando justiça para as vítimas de estupro, mas não recebeu uma única resposta. “Por que ele não fala sobre isso?” ela pergunta.
Enquanto estava na oposição, Modi descreveu Déli como “a capital do estupro” em vários comícios eleitorais. E, depois de assumir o cargo de primeiro-ministro em 2014, ele dizia que daria prioridade ao assunto — em seu primeiro discurso no dia da independência naquele ano, ele falou sobre o tema e ofereceu aos pais alguns conselhos sobre como criar filhos melhores.
“Quando ouvimos sobre esses estupros, nossas cabeças pendem de vergonha”, disse ele.
“Em cada casa, os pais fazem muitas perguntas às filhas sobre para onde ela está indo, quando ela vai voltar, e pedem que ela informe quando chegar ao seu destino. Mas você já perguntou a seu filho para onde ele está indo, por que está indo e quem são seus amigos? Afinal, a pessoa que comete o estupro também é filho de alguém”, disse ele, aconselhando os pais e educarem melhor os meninos.
Na sociedade predominantemente patriarcal da Índia, isso foi visto como inovador.
Mas, desde então, os crescentes casos de violência sexual, muitos deles envolvendo pessoas influentes, viraram notícia — e Modi manteve-se calado, exceto por um tuíte em 2018 dizendo que “as filhas da Índia receberão justiça” após denúncias de estupro envolvendo membros de seu próprio partido se tornarem manchetes.
Bhayana diz que não há uma “solução mágica” que possa fazer com que o problema da violência de gênero desapareça da noite para o dia. Ela diz que muito precisa mudar — é preciso uma reforma policial e judicial, uma maior sensibilização da polícia e dos advogados e melhores ferramentas forenses.
“Mas, acima de tudo, precisamos de consciência de gênero, precisamos trabalhar para mudar a mentalidade, para evitar que tais crimes aconteçam em primeiro lugar”.
E essa é uma questão complicada, diz ela. “Trabalho na área há oito anos. Nunca conheci ninguém que realmente levasse o assunto a sério”, afirma Bhayana.
“Não há sinal de que nenhum governo, seja o governo de Déli ou o governo federal, leva a sério o combate à violência de gênero.”
“Muitas vezes vemos outdoors com o slogan favorito de Modi, ‘Beti bachao, beti padhao (Educar filhas, salvar filhas, em hindu). Por que não mudamos para ‘Beta padhao, beti bachao’ (eduque seus filhos, salve as filhas]?”
R7