A mídia promove. Jogos são transmitidos aos montes. Os jornalistas debatem. Exaltam a paixão pelo futebol que se tornou marca do brasileiro. Mas uma conta não fecha para mim.
Nestes tempos de banalização das injustiças, me reviro na cama tentando entender o que hoje é o futebol. Tento me convencer de que debater futebol da forma com que se está debatendo é legítimo. Em um país que não encontra sua identidade, o futebol também está perdendo a sua.
Uma forma professoral está prevalecendo nas intermináveis análises, embalada por uma indiferença, frequentemente disfarçada de seriedade, à intolerância. Baseada em aparências, em polêmicas sem fim, que em nada ajudam a trazer soluções.
Promessas de técnicos que juram jamais comandarem times rivais são vistas com naturalidade. E até como sinal de lealdade. Que tipo de lealdade?
O que significa de tão importante um distintivo, a ponto deste estar acima de valores como caráter, solidariedade, ética? E profissionalismo, inclusive, no real sentido do termo. A rivalidade, que deveria ser acompanhada da amizade e do respeito, tem se transformado em intolerância. E passou a ser aceita desta maneira.
O que se tem visto é uma legião de jogadores hostis, agressivos, violentos. Fúteis. Mas a gritaria indignada só vem quando acontece algum acidente mais grave: um torcedor é morto, alguém é ameaçado ou algo assim.
Aí os debates entram em um lugar-comum, falso moralista. Logo a rotina acomodada pelas aparências é retomada. Rivalidades são alimentadas e até louvadas ao extremo. Técnicos dão declarações bairristas, arrogantes e nem são questionados.
Alguns jornalistas acabam botando fogo. Criticam jogadores e treinadores sem a mínima consideração, confundindo um grau de crueldade com verdade e imparcialidade. Muitas vezes agem com corporativismo quando criticados, como se estivessem acima do bem e do mal.
Muitos dirigentes só veem o seu lado e, em geral, são vistos como pessoas que estão no direito delas. Só reclamam quando se sentem prejudicados, não reconhecem o outro, acusam os juízes de tudo, alimentados pela própria postura de muitos comentaristas de arbitragem.
A seleção brasileira, maior patrimônio do futebol nacional, é comumente vilipendiada, analisada com desdém. Virou alvo da sanha clubística que tem cada vez mais denotado o crescimento do egoísmo na sociedade.
Nem mesmo os árbitros, muitas vezes, entendem o que é interpretativo. Pedem o VAR de forma medrosa, preocupados com a turba. Aceitam entradas violentíssimas como se fossem “do jogo”, parecendo não querer chamar para si a responsabilidade.
Ninguém nem exigiu que se deixasse de falar do Flamengo enquanto não forem pagas, de forma justa, se é que é possível, as indenizações das famílias dos meninos que morreram no CT.
Analisam investimentos milionários da diretoria, em jogadores vindos de fora, à luz das finanças e dos projetos ousados de um clube que sonha com títulos.
As últimas rodadas, mesmo com uma evolução do nível do jogo, mostraram cenas chocantes. Mas que se repetiam na TV sem nenhum assombro.
Um jogador ensandecido faz gestos obscenos à arbitragem. Um pênalti interpretativo dá margem a uma fúria descontrolada na reclamação.
Um jogador xinga o técnico, que retruca de maneira muito mais ofensiva.
Falta uma saudável indignação diante da selvageria que se repete dia sim, dia não. E que aponta para algo que não vai bem.
É importante ter alguns freios na postura, diante da enorme quantidade de partidas transmitidas. É uma realidade positiva, mas esse novo contexto tem aflorado vaidades de todos os lados e aumentado as exigências de forma descabida.
Perder, neste ambiente de tanta visibilidade, se tornou um problema gravíssimo. Está ficando insustentável. Torcedores invadem CTs e ameaçam jogadores, sem que nada seja feito. Técnicos já não ficam dois meses em um clube. Jogadores se sentem no direito de derrubar treinadores.
E não é raro saírem todos “premiados” com rescisões milionárias. O poder do dinheiro jorrando, sem nenhuma preocupação dos gestores de clubes com déficits, está inflando egos e pressionando por resultados, favorecendo diversos empresários e muita gente no entorno. Tudo parece estar sendo movido por uma ganância sem limites.
Virou rotina uma parcela significativa da imprensa ser intolerante com derrotas. Insufla a pressão ao colocar a obrigação de vencer nos times grandes. Perdeu muito da poesia nos comentários. Alimenta uma rivalidade feroz, para depois tirar o corpo fora.
O ser humano está sendo esquecido em sua essência nobre. As arenas modernas às vezes lembram um Coliseu de gladiadores. Pelo menos na intenção e no olhar raivoso, com as veias saltadas, em relação ao adversário.
Duas torcidas já não podem ficar juntas em uma mesma partida. Nenhum caso de racismo em estádio foi adequadamente enquadrado na lei e teve prosseguimento na Justiça. Deixa-se tudo para lá.
Os 7 a 1 foram um retrato desses descaminhos, apesar de poucos se darem conta. Os muitos críticos dos outros, menos de si, apenas esbravejam, sem perceberem a urgência de parar de se olhar apenas para o próprio umbigo. E não. Não me venham falar que tudo isso é amor.
R7