Ao volante do carro a gente tem a sensação de poder e liberdade, mas o trânsito nas grandes cidades transtorna a vida das pessoas, restringe o ir e vir, polui a atmosfera, fere e mata.
Muita gente acha que a solução é parar de produzir tanto carro. Outros acreditam que é preciso construir mais avenidas, pontes e viadutos para atender a demanda e outros são céticos em relação a qualquer solução. Entregaram os pontos. Mas o problema central é outro.
O Brasil ainda tem pouco carro para muita gente: são 5,1 habitantes para cada carro, enquanto a relação habitante/veículo em países desenvolvidos é de 1,4 hab/v (Itália) e 1,7 hab/v (Alemanha, Japão França), o que indica poderia ampliar muito a sua frota sem que, com isso, as cidades fossem levadas ao caos. Ora, então por que, com maior número de carros (em relação a habitantes), cidades da Europa, Japão, Estados Unidos têm um trânsito mais tranquilo, com menor número de acidentes e mortes?
As razões são muitas, passa por boa formação do motorista, melhor sinalização de trânsito, educação, punição rigorosa ao infrator, mas o ponto primordial está no planejamento.
Se a mobilidade for organizada é possível dobrar, triplicar, quadruplicar o número de carros e mesmo assim fazer com que as cidades tenham boa convivência com o trânsito.
Os países citados – Itália, Alemanha e Japão – têm territórios menores do que o do Brasil e frotas maiores.
O problema, acham alguns, é que no Brasil o carro está concentrado nos grandes centros, enquanto a população do interior carece de transporte. É verdade, mas mesmo as grandes cidades brasileiras têm uma concentração populacional bem menor dos que capitais europeias. Enquanto São Paulo tem 7,3 mil habitantes por quilômetro quadrado, Londres tem 12,3 mil, Barcelona 17,5 mil e Paris 21 mil hab/km2. Recife tem 7,4 mil, Rio de Janeiro 5 mil e Curitiba 4 mil habitantes por km2, conforme informação do especialista em Mobilidade Mateus Silveira, da FCA.
Uma sociedade organizada e planejada pode tornar o trânsito suportável, independentemente do número de carros. É preciso ir além das soluções óbvias, como rodízio, pedágio, limitação de acesso.
A implantação de um sistema escolar padronizado e de boa qualidade, assim como uma oferta de universidades em todas as regiões da cidade, poderiam contribuir para a redução do volume de carros nas ruas e consequentemente para a diminuição dos congestionamentos.
Estatísticas do CET indicam que o volume de carros cai significativamente durante as férias escolares . Por que os estudantes, seus pais e motoristas precisam se deslocar mais do que um ou dois quilômetros na cidade para frequentar a escola? Se houvesse estabelecimento que atendesse a demanda no próprio bairro, o estudante não precisaria buscar alternativas em outras regiões.
Os números do CET revelam que o trânsito de São Paulo poderia cair pela metade nos horários de pico, se não houvesse deslocamentos para o transporte de estudantes. Segundo o órgão responsável pelo trânsito da cidade, o congestionamento no período da manhã cai 50% durante as férias escolares. A média de quilômetros de congestionamento às 7 horas da manhã em 2015 foi de 47km. Nas férias escolares esse número caiu para 16km. No restante do dia as diferenças são menores, mas mesmo assim, no período de férias o trânsito é mais livre.
Mais do que nunca, a sociedade discute a questão da mobilidade urbana com o objetivo de encontrar soluções para minimizar o problema. Muitas alternativas são discutidas, como a redução da velocidade máxima implementada em São Paulo. A conectividade é outra ferramenta importante para a construção de uma mobilidade mais amigável.
Segundo o engenheiro Raul Colcher, do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos, a conectividade traz soluções que resolvem ou minimizam problemas urbanos, fornece informações no celular que ajudam no deslocamento, conecta o Waze, onde os usuários trocam informações sobre o trânsito e reduz o tempo das viagens. Os carros autônomos, por sua vez, estão chegando para reduzir distâncias, economizar combustível e garantir segurança e conforto ao usuário.
Já o transporte coletivo é, talvez, a maior garantia de um futuro menos trágico no trânsito urbano. Cidades como Nova York já provaram que a abundante oferta de transporte coletivo estimula o motorista a deixar o carro em casa, usando-o de forma mais parcimoniosa, em ocasiões especiais, utilizando o transporte público no dia a dia, que é mais rápido, mais barato e mais eficiente.
Como se vê, as alternativas para um trânsito mais amigável são muitas. A indústria e os gestores públicos deveriam investir mais em novas tecnologias, oferecendo alternativas de mobilidade para o cidadão.
Mas antes de buscar soluções para amenizar o sofrimento nos deslocamentos urbanos, seria saudável discutir a NECESSIDADE desses deslocamentos.
Célia Maria de Matos, empregada doméstica, leva três horas para se deslocar de Itaquera, onde reside, ao Brooklin, onde trabalha, uma distância de 50 quilômetros, perdendo tempo que poderia usufruir com a família e os amigos. A expulsão dos trabalhadores menos qualificados para a periferia gera esse problema.
O Plano Diretor das cidades deveria levar em conta essas questões, criando áreas populares em bairros centrais e incentivando a instalação de empresas nos bairros mais afastados, para manter o trabalhador na região onde reside, evitando assim longos deslocamentos.
Todos os modais de transportes devem ocupar um lugar nas cidades: ônibus, bicicleta, ciclomotor, scooter, moto, carro elétrico. Mas para isso é preciso mudar a cultura. O Brasil é país do carro. O carro pode tudo por aqui, em detrimento de outras formas de locomoção.
Ao volante do carro, você já deve ter tido a experiência de oferecer a passagem a um pedestre, na faixa, e ele se recusar a passar, preferindo que você passe primeiro. Ele está dizendo que a preferência é do carro.
A quem você acha que serve a passarela de pedestres? Ao pedestre, que é obrigado a subir longas rampas, ida e vinda, para atingir o alto da passarela, e repetir a maratona na descida? Ao contrário: a passarela PUNE o pedestre; SERVE ao carro, que, com ela, não tem o incômodo de parar para o pedestre passar. A passarela tem o único objetivo de manter o fluxo de carros na via. É portanto feita para o carro.
A ampliação da via, a construção de mais uma faixa de rolamento, de uma ponte ou um viaduto, ao contrário do que parece, não melhora o trânsito. Quando o poder público amplia as possibilidades de tráfego de veículos na cidade, ele está dando um indicativo de que o cidadão deve fazer o uso do automóvel.
Uma ponte nova é um convite ao para usar mais o carro. Não por acaso, qualquer ampliação de via se esgota rapidamente, Gilmar Tatto, secretário de Transportes da gestão Fernando Haddad, lembra que no dia imediatamente após a inauguração da Ponte Estaiada, que liga a avenida Roberto Marinho à Marginal Pinheiros, o complexo estava lotado. “Não poderia ter sido diferente – disse Tatto -, o cidadão atendeu a orientação das autoridades de trânsito. Se você amplia a oferta, incentiva o uso”. O ex-secretário lamentou que a obra não considerou a opção para outros modais, como pistas para bicicletas e pedestres.
O ideal seria que as cidades ampliassem outras opções de mobilidade, como ciclovias, faixas exclusivas do ônibus, calçadões para a população andar à pé, tornando as cidades mais amigáveis, mais interativas, mais acolhedoras e mais humanas.
uol