Você pode não saber, mas entre os gestos altruístas no momento de sua morte está um ainda pouco difundido no Brasil: doar o corpo para a ciência e para a formação de futuros médicos em universidades país afora. A ação, por sinal, é estimulada pelas instituições, que dizem ter poucos interessados. Aqui, explicamos o que acontecerá com seu corpo nesta situação.
A primeira coisa é que você vai ficar preservado por muito mais tempo do que você imagina. Sério: muito mais. A responsável por isso é uma mistura de produtos que normalmente são aplicados no corpo. Há vários tipos de soluções para se manter o corpo preservado, mas no Brasil a mais comum envolve formol, como na USP (Universidade de São Paulo) e na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Há ainda a possibilidade de ficar em um necrotério com geladeira ou não, dependendo da instituição – o da Santa Casa tem geladeira e o da USP não, sendo aplicado glicerina no indivíduo. O refrigerador, contudo, não interfere na preservação do corpo, já que a solução de formol e glicerina é muito mais importante para isso.
O tempo da preservação depende do tipo de uso. Mas a pessoa durará uns 20 anos ou mais. Se você fizer uma utilização que a gente chama de dissecação para que o aluno estude, isso tem uma durabilidade menor. Mas é bem longa” Mirna Barros, do departamento de morfologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP
Algumas coisas em você mudarão neste período. As soluções de formol deixarão sua pele com um tom diferente, entre o castanho e o marrom. A flexibilidade também é outra área afetada. Ambas as coisas não atrapalham o uso do corpo por alunos ou cientistas.
“Se a gente está trabalhando com corpo humano, precisa conhecer ele. A forma mais próxima disso é com um morto. Apesar de termos muitas tecnologias, nenhuma substitui o cadáver. Os materiais são todos iguais, e ser humano não. Há um mais alto, mais baixo, cada um tem um tamanho de estômago”, diz a professora Thelma Parada, coordenadora do Programa de Doação Voluntária de Corpos do ICB/USP.
O uso do corpo
O corpo doado será usado por profissionais de saúde das mais diferentes especialidades – desde um enfermeiro a um futuro cirurgião. Nas aulas, será utilizado conforma a necessidade – em algumas instituições, pode até ser dividido em algumas partes. O anonimato do doador é garantido – as condições de vida da pessoa, contudo, são importantes para a pesquisa e as aulas.
“O professor que estiver usando se quiser tem acesso a todos os dados. Isso é importante. São usados tanto para as aulas de graduação quanto de pós”, conta Thelma, da USP. “Em uma aula de graduação, há anonimato, é só um corpo. Mas na pesquisa, não o nome em si, mas do que morreu, a idade, tudo importa muito”, explica Mirna, da Santa Casa.
No corpo, são realizadas instruções de professores para futuros membros da comunidade da saúde na graduação – na pós, ocorre a realização de pesquisas. As dissecações são realizadas de acordo com a necessidade da aula – abre-se para ver o coração, pulmão, estômago e demais órgãos.
Como doar?
Por ser um gesto de grande altruísmo e até pouco difundido no Brasil, a doação de corpos é bastante valorizada pelas faculdades. A Santa Casa, por exemplo, costuma realizar missas em memórias dos doadores. Nestes eventos, toda a comunidade da faculdade comparece para prestar respeito a estes doadores – as famílias dos doadores também são convidadas.
Para doar, o interessado primeiro precisa entrar em contato com a instituição beneficiária – a USP diz ter “cada vez mais doadores”, enquanto a Santa Casa clama pela necessidade de mais doadores, como outras instituições nacionais. O processo, contudo, é diferente em regiões diversas do Brasil.
“No Brasil existe uma legislação que não são todos que conhecem, por isso a cultura de doar corpos não é muito difundida e o número é muito pequeno diante da necessidade para estudo e pesquisa. Existem Estados em que eles próprios centralizam a doação de corpos, como no Rio Grande do Sul e Nordeste. Aí a documentação vai para esse centro, que depois recebe o corpo e vai distribuir conforme necessidades de instituições. Em São Paulo, tem que ser direto na instituição”, explica Barros.
O processo tem que ser feito, obviamente, enquanto o doador está vivo – um familiar não pode decidir doar o corpo de um parente após a morte dele. O interessado terá que preencher formulários normalmente dispostos em sites de faculdades, reconhecer firma e levar ou para o centro de sua cidade ou a instituição desejada.
As instituições não discriminam o estado do corpo após a morte – podem até receber até apenas um órgão ou uma parte amputada, como uma mão. É vital ainda avisar os familiares de sua vontade para eles saberem o que fazer após sua morte – o parente, contudo, não é obrigado a cumprir essa intenção. Os procedimentos como velório são realizados normalmente – o corpo só seguirá para a instituição de doação em vez do cemitério.
uol