Nesta terça-feira (2), celebra-se o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Desde que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi descrito em 1943, houve um aumento de 7.300% do número de casos no mundo, segundo a neurocientista Patrícia Beltrão Braga, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, especialista no assunto.
Ela explica que hoje já se sabe que em mais de 70% dos casos a genética está envolvida. “Mais de mil genes estão relacionados ao autismo. A cada ano aumenta a lista de genes identificados como possíveis causadores da condição. E essa lista tende a crescer”, afirma.
De acordo com a pesquisadora, acredita-se que a causa do autismo, ainda considerada desconhecida, esteja relacionada a uma combinação genética estimulada por um “insulto” (interferência) ambiental ocorrido durante a gravidez. “Esses dois fatores aliados acabam induzindo o indivíduo a desenvolver o autismo, a já nascer com o autismo”, diz.
Entre os insultos ambientais estão infecções virais ou bacterianas, já confirmadas apenas em modelos animais, e antidepressivos à base de ácido valproico. Outros fatores levantados por pesquisadores, mas ainda sem comprovação científica são poluentes, agrotóxicos e outros medicamentos.
“O uso do antidepressivo ácido valproico aumenta muito a chance de o bebê nascer com autismo. Isso é uma evidência científica”, afirma.
A neurocientista ressalta que vacinas não causam autismo, inclusive já comprovado cientificamente.
Aumento de casos ainda é mistério
Patrícia atribuiu o aumento do número de casos de autismo a um melhor diagnóstico, mas também a um fator ainda desconhecido. “Não há comprovação científica, mas, paralelamente ao aumento de pessoas habilitadas a realizarem o diagnóstico pode haver algum outro fator que esteja favorecendo a maior incidência da condição nesses últimos anos”, diz.
Ela explica que a maternidade tardia pode estar associada, uma vez que embriões gerados por óvulos mais velhos correm maior risco de apresentarem síndromes.
“Não é porque os pais são mais velhos que terão filhos com autismo. A associação que se faz do autismo com a maternidade ou paternidade tardia é que pais mais velhos podem ter filhos com alterações genéticas, entre elas, o autismo”, esclarece.
Patrícia explica que, em alguns casos, o autismo é determinado por um único gene. Nesses casos, se tornam uma síndrome genética, chamada de autismo sindrômico. “Por exemplo, a síndrome de Rett, síndrome de Timothy, síndrome Phelan-McDermid (PMD) e síndrome do X Frágil”.
“Essas síndromes têm uma alteração genética única e os indivíduos que têm essa alteração têm quadro clínico de autismo, além de outras características específicas”.
Já o autismo determinado por pelos menos mil genes é denominado “autismo idiopático não-sindrômico”. Idiopático é um termo médico que significa “causa desconhecida”.
Histórico familiar aumenta chance de autismo
A neurocientista explica que pessoas com casos de autismo na família têm mais chance de terem filhos com a condição. “Se existe na família gene circulante, existe a chance de a pessoa carregar o gene, mesmo que não tenha manifestado sintomas”.
“A genética do autismo é interessante. Imagina um copo com água. O gene alterado é o tanto de água. Então, você tem um dedo de água em dois copos, sendo um o pai, o outro, a mãe. Vamos supor que eles carreguem genes alterados, mas não manifestaram sintomas. Na hora que têm um filho, há uma união desse genes. Caso o autismo não se manifeste neste filho, irá se manifestar no neto. É como se fosse uma combinação genética que vai somando”, explica.
Ela ressalta que quem já tem um filho com autismo terá grande chance de ter um segundo com a mesma condição.
Remédio específico está em andamento
Patrícia desenvolve um projeto na USP chamado A Fada do Dente no qual são criados minicérebros em laboratório a partir de células do dente de leite de crianças com autismo. O objetivo é entender o mecanismo que leva à condição.
A partir desse estudo, a pesquisadora descobriu que há uma superprodução de uma molécula no cérebro de uma pessoa com autismo que leva a um menor funcionamento das células do sistema nervoso.
“Vimos que pessoas com autismo têm uma neuro-inflamação no cérebro. Elas produzem muito Interleucina 6. Ao bloquear essa molécula, conseguimos reverter as alterações encontradas no indivíduo com autismo que consistiam em um menor funcionamento das células do sistema nervoso. Esse poderia ser um tratamento específico para pessoas com autismo”, afirma.
Segundo a professora, o desafio é fazer o medicamento chegar ao cérebro. “Fizemos tudo isso in vitro, mas, para chegar ao cérebro, há a chamada barreira vaso encefálica que não deixa qualquer coisa passar. E essa molécula é grande. Precisamos achar agora uma forma de ela transpor essa membrana”.
Ela explica que a terapia utilizada hoje para pessoas com autismo é feita por meio de medicamentos para amenizar os sintomas, mas que não existe um remédio específico para a condição. “Por exemplo: se tem convulsão, há os anticonvulsivantes, se não consegue dormir, há remédio para isso, se é agressivo, existem os calmantes. Mas estamos buscando uma droga específica que visa controlar o mecanismo que leva ao autismo”.
“Precisamos agora de parceria com indústrias farmacêuticas que manipulem os medicamentos para fazer a entrega ao cérebro. Precisamos achar esse meio de entrega. Posso dizer que pelo menos 50% do problema a gente já conseguiu resolver. Acho que dentro dos próximos dez anos vamos ter algum medicamento específico para tratar o autismo”.
R7