O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece, em tese, oito tipos de contraceptivos, entre os quais o Dispositivo Intrauterino de cobre (DIU de cobre), a camisinha masculina e feminina, e o anticoncepcional injetável ou em pílula. Além disso, é possível fazer vasectomia e laqueadura, se o homem e ou a mulher tiver mais de 25 anos ou dois filhos.
Mas reportagem exclusiva da BBC News Brasil mostrou que, na prática, as mulheres enfrentam desinformação e falta de treinamento dos profissionais de saúde na busca por contraceptivos no sistema público. Grande parte dos postos de saúde e maternidades focam na oferta de camisinhas e anticoncepcionais em pílula.
Em alguns Estados – principalmente nas regiões Norte e Nordeste – colocar DIU pode ser uma missão quase impossível. O principal problema, segundo relato de médicos e pacientes, é a falta de profissionais treinados para fazer o procedimento, embora ele seja simples, rápido e não exija anestesia.
O Ministério da Saúde diz que, se as unidades de atendimento básico não disponibilizarem o método procurado – entre os que são ofertados pelo SUS -, o paciente deve cobrar informações das secretarias ou conselhos municipais de Saúde. Isso pode ser feito por meio de ouvidorias.
Ginecologistas com experiência na rede pública também sugerem que as pessoas reportem o problema no Disque Saúde (discando 136)- serviço de atendimento à população do Ministério da Saúde. “Diante da reclamação, o Ministério da Saúde pode cobrar informações da Secretaria de Saúde do município onde falta o método contraceptivo”, diz a ginecologista Renata Reis.
Outra possibilidade é recorrer ao Ministério Público. O promotor de Justiça de Minas Gerais, Márcio Ayala, explica que, se os moradores verificarem a ausência dos contraceptivos nas unidades de atenção básica, eles podem procurar a promotoria da cidade e reportar o problema.
Isso pode ser feito pessoalmente na sede da promotoria, nos horários de atendimento ao público, ou por meio das ouvidorias – o telefone é normalmente disponibilizado no site da promotoria de cada município.
Diante da reclamação, o promotor pode cobrar uma resposta do Conselho Municipal e da Secretaria de Saúde, e estipular um prazo para que o serviço seja disponibilizado. Se não houver resultado, o Ministério Público pode entrar com uma ação na Justiça para obrigar o município ou Estado a oferecer o contraceptivo.
“O Ministério Público é o fiador dos serviços públicos. Se há uma demanda da sociedade, se as pessoas não estão tendo acesso (ao contreceptivo), fazemos a demanda extrajudicial primeiro”, diz Ayala.
“Se o serviço não for disponibilizado no prazo, o Ministério Público pode entrar com uma ação civil pública para compelir município e Estado a suprirem (a demanda).”
Saiba o que faz parte do “cardápio” de contraceptivos do SUS.
Anticoncepcional oral ‘combinado’
A pílula é o contraceptivo mais utilizado pelas mulheres brasileiras. Contém dois hormônios produzidos pelos ovários – o estrogênio e a progesterona -, e funciona inibindo a ovulação.
O método tem eficácia em 99,7% dos casos, mas isso quando se considera o uso “perfeito”, ou seja, quando o medicamento é tomado todos os dias corretamente. Mas esquecimentos são comuns e aí a proteção cai significativamente – para em torno de 91%.
A eficácia também pode ser comprometida se a mulher tiver diarreias intensas e vômitos.
Não há evidência científica de que os antibióticos reduzam a eficácia da pílula, segundo a Dr. Renata Reis. Mas, na dúvida sobre se o medicamento que você vai tomar pode ter algum efeito na eficácia do anticoncepcional, verifique isso com o médico que prescreveu e leia a bula.
De acordo com a médica ginecologista Natália Zavattiero, entre os possíveis efeitos colaterais do anticoncepcional combinado oral estão a diminuição da libido, com o uso prolongado. “E algumas pacientes relatam ganho de peso”, disse.
Esse tipo de pílula, por causa da liberação do estrogênio, também aumenta de 2 a 4 vezes o risco de trombose. Mas Carolina Sales Vieira, professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), destaca que esse aumento no risco é menor que o provocado por uma gestação.
“Temos de 1 a 5 casos de trombose a cada 10 mil mulheres. Quando eu uso uma pílula, anel ou adesivo hormonal, eu vou aumentar em duas a quatro vezes esse risco. O número ainda é muito baixo. A gravidez aumenta de 20 a 80 vezes o risco de trombose”, diz.
Os benefícios incluem redução da tensão pré-mentrual, da cólica e do fluxo de sangramento.
Minipílula
Essa pílula anticoncepcional só possui um tipo de hormônio, a progesterona. Por isso, segundo Carolina Sales Vieira, ela não aumenta o risco de trombose.
Embora também atue inibindo a ovulação, a eficácia é menor que a pílula anticoncepcional combinada, por isso só costuma ser indicada durante o período de amamentação.
Ela deve começar a ser tomada na sexta semana após o parto, para que não haja qualquer interferência na fase inicial de produção de leite. Após este período, a minipílula não interfere na amamentação.
E por possuir quantidade pequena de hormônio, é ainda mais importante observar a regra de tomar todos os dias, no mesmo horário. Um simples atraso de mais de três horas no horário de tomar já reduz a eficácia.
Cada cartela tem 28 pílulas e não há intervalo entre uma cartela e outra.
Injeção mensal ou trimestral
Outro método que você pode buscar pelo SUS é o anticoncepcional injetável, que pode valer por um mês ou três meses e também inibe a ovulação.
É considerado mais eficiente que o anticoncepcional em pílula porque a mulher não precisa se lembrar de tomá-lo diariamente.
O injetável mensal contém dois hormônios- estrogênio e progesterona. Mas Carolina Vieira destaca que a quantidade de estrogênio é menor que a do anticoncepcional oral.
“O estrogênio acaba em 15 dias e aí só sobra o progestagênio (nome para a progesterona desenvolvida em laboratório) nos outros 15 dias. Em tese, ele seria mais seguro que a pílula e o anel hormonal. Mas faltam estudos para comprovar isso.”
Já o injetável trimestral só possui progesterona, o que reduz ainda mais as contraindicações e os riscos. Somente o estrogênio é associado ao risco de trombose.
“Ele é mais seguro que os métodos que têm estrogênio. Sobre isso não há dúvida. Mas ele vai ter algumas particularidades, porque tem mais quantidade de progestagênio, então pode dar mais fome e a mulher pode ganhar mais peso e reter líquido”, diz Vieira.
A médica Natália Zavattiero menciona a possibilidade de sangramentos irregulares após a primeira dose. “Normalmente, isso costuma melhorar a partir da segunda ampola, quando a paciente normalmente para de menstruar.”
Já com a injeção mensal, a mulher menstrua normalmente. “Algumas pacientes podem ter um sangramento maior que com a pílula oral e alguma retenção de líquido.”
É importante lembrar que, embora a eficácia desse método ultrapasse 99%, esse percentual cai se a nova dose não for injetada no término de 30 dias (no caso do mensal) ou 90 dias (no caso do trimestral).
DIU de cobre
O Dispositivo Intrauterino (DIU) de cobre é o principal método contraceptivo de longa duração oferecido pelo SUS. Apresenta seis falhas a cada mil casos e dura 10 anos. Por não depender da “memória” e pela eficácia continuada, é considerado, por muitos especialistas, um dos métodos mais eficientes para evitar a gravidez.
“É uma das melhores opções para pacientes jovens e adolescentes”, diz Natália Zavattiero.
Mas encontrá-lo na rede pública não é tarefa tão fácil. Em algumas cidades, falta material. Em outras, o problema é a ausência de profissionais treinados para fazer o procedimento, embora ele seja simples – dura cerca de 15 minutos.
“A maioria das mulheres pode sentir um desconforto, como uma cólica mais forte, na hora de colocar (o DIU). Mas não há necessidade de anestesia e pode ser feito em ambiente ambulatorial”, afirma Zavattiero.
O principal efeito colateral é um fluxo menstrual mais intenso, para algumas mulheres. “A paciente pode ter um aumento tanto em dias (para 8 dias, em média) quanto em quantidade de sangramento (um aumento em torno de 25%). E pode ter um aumento de cólica.”
“Com relação a riscos, o principal risco do DIU é o deslocamento – ele sair da da cavidade uterina, da posição correta. Mesmo assim, é considerado um método seguro”, completa a ginecologista.
O DIU de cobre normalmente não é indicado a pacientes com anormalidades anatômicas do útero, anemia, vírus HIV, que tenham alergia a cobre, que estejam com câncer no colo do útero ou com infecção ginecológica ativa.
Carolina Vieira destaca que mais de 70% das mulheres que usam o DIU de cobre se dizem satisfeitas com o método. A ginecologista Renata Reis destaca que, por desinformação, há quem pense que esse contraceptivo é “abortivo”.
“O cobre funciona matando o espermatozóide e o óvulo antes de eles se encontrarem, ou seja, antes da fecundação. Ele não tem efeito abortivo”, diz.
Camisinhas feminina e masculina
Estão incluídos no rol de métodos de “barreira”. São os únicos métodos contraceptivos capazes de prevenir contra doenças sexualmente transmissíveis, como a aids. As camisinhas masculina e feminina não devem ser usadas ao mesmo tempo, porque o atrito pode aumentar o risco de rompimento.
Carolina Vieira, da USP, destaca que a camisinha é essencial no combate a doenças sexualmente transmissíveis, mas a taxa de falha no caso de gravidez é maior que a de métodos contraceptivos de longa duração (como o DIU e a injeção hormonal) – 98% de eficácia, quando usada perfeitamente.
Quando ela não é usada corretamente, ou seja, quando consideramos o seu “uso real”, a eficácia cai para 82%.
A eficácia real dos métodos contraceptivos foi verificada a partir de uma pesquisa da Universidade de Princeton (EUA) que acompanhou 100 mulheres que usaram diferentes métodos contraceptivos durante um ano.
Diferentemente da masculina, a camisinha feminina pode ser colocada horas antes da relação sexual, segundo a ginecologista Renata Reis. “As mulheres que usam a camisinha feminina costumam gostar. É só introduzir como se faz com um absorvente íntimo. Depois da relação, você torce para fechar e joga fora”, disse.
Diafragma
Também é um método de barreira, mas a eficácia é bem menor que a da camisinha e não previne contra doenças sexualmente transmissíveis. Pode ser usado junto com a camisinha, para aumentar a eficácia.
A orientação do SUS é que a pessoa interessada consulte o ginecologista antes de levar esse método para a casa, para que receba instruções sobre como usar e tenha o seu diafragma medido.
“O diafragma é inserido na vagina, com espermicida. A mulher tem que ser treinada, junto com um médico ginecologista capacitado, para saber colocar de maneira correta e de maneira que cubra o colo do útero. E para saber o tamanho do diafragma”, diz a ginecologista Renata Reis.
Pílula de emergência (ou pílula do dia seguinte)
Essa pílula só contém o hormônio progesterona, mas em quantidade maior que em uma pílula anticoncepcional comum. Não deve ser usada como método contraceptivo, porque a eficácia é bem menor- 75%.
A pílula de emergência é oferecida nas unidades de atenção básica a homens e mulheres que relatarem terem feito sexo sem proteção ou em caso de falha do contraceptivo.
A eficácia é maior até 72 horas após o ato sexual, mas pode ser tomada até cinco dias depois – quanto maior a demora em tomar, menor a eficácia em evitar a gestação.
E a pílula de emergência não interfere numa gravidez em curso, ou seja, não funciona como abortivo.
Por desinformação, muita gente acha que esse tipo de medicamento provoca a “morte do embrião”. Na verdade, ele inibe uma fecundação que iria acontecer, ao retardar ou inibir a ovulação. Se a fecundação já tiver ocorrido, o medicamento não terá efeito.
“Os principais sintomas são uma irregularidade menstrual, no período posterior ao uso, o que, para uma adolescente com medo de engravidar, pode ser um transtorno. Também pode dar dor de cabeça e causar um inchaço”, diz a ginecologista Natália Zavattiero.
Laqueadura e vasectomia
A esterilização é oferecida no SUS somente para homens e mulheres com mais de 25 anos ou dois filhos. Em várias clínicas, os profissionais de saúde se confundem com essa regra achando que é preciso ter mais de 25 anos e dois filhos, mas os critérios são independentes.
As etapas até conseguir fazer o procedimento podem ser burocráticas. A lei, por exemplo, exige que pessoas casadas autorizem o parceiro ou parceira a fazer a vasectomia ou laqueadura.
A BBC News Brasil mostrou que os moradores do Norte e do Nordeste, regiões com maiores taxas de natalidade, são os que mais têm dificuldade de acesso a DIU, laqueadura e vasectomia.
A vasectomia sequer é oferecida em alguns Estados – em um ano, nenhum procedimento foi realizado em Alagoas e Amapá, de acordo com os dados do Data SUS.
O Ministério da Saúde afirmou que, por serem procedimentos difíceis de serem revertidos, laqueadura e vasectomia “devem ser realizados com cautela”.
O importante é ter todas as opções à mão
As médicas consultadas pela BBC News Brasil destacam que não existe um método melhor do que outro. Todos têm vantagens e desvantagens.
Cada mulher deve escolher, conforme suas necessidades, o contraceptivo mais adequado. O ideal é ter todos os métodos à disposição, principalmente os de longa duração, além de acesso a informações sobre cada um deles.
“Existem mulheres que se beneficiam com um método ou com outro. O importante é ser informada sobre os benefícios e malefícios de cada um, para que os riscos não sejam subestimados nem superestimados”, defende a professora Carolina Sales Vieira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.
R7