Em meio a um sentimento de “terra arrasada” na política pós-Lava Jato, Marina Silva (Rede) volta à disputa presidencial pela terceira vez com a esperança de que seu currículo limpo e o discurso antipolarização agora funcionem para levá-la ao Palácio do Planalto.
Sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa – cenário mais provável hoje devido à condenação por corrupção e lavagem de dinheiro em segunda instância -, Marina chega a aparecer com 16% de intenções de voto na pesquisa Datafolha, empatada tecnicamente na liderança da corrida com o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-JR), que tem 20%.
Para piorar, nas últimas semanas a sigla encolheu ainda mais com a saída de dois deputados federais, Alessandro Molon (RJ) e Aliel Machado (PR), que foram para o PDT. O fato é especialmente negativo porque o tempo de TV durante a campanha e o montante de recursos públicos para cada legenda são calculados de acordo com a bancada na Câmara dos Deputados.
A perda deixou a Rede com apenas três parlamentares e pode acabar excluindo Marina dos debates presidenciais, já que o convite é obrigatório apenas a partidos ou coligações com ao menos cinco representantes do Congresso.
Entenda melhor como esses e outros fatores fragilizam sua candidatura – e como sua campanha pretende propor uma “aliança com a sociedade” para driblá-los.
Liderança forte, mas com dificuldade de articulação
Aliados próximos a Marina, ex-integrantes da Rede e cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil são unânimes em apontar que uma das suas forças é sua biografia e passado limpo, sem escândalos de corrupção.
A pré-candidata vem de uma comunidade pobre de seringueiros no interior do Acre. Na adolescência, conciliou os estudos com o trabalho de empregada doméstica em Rio Branco. Depois de se engajar no sindicalismo rural, chegou a senadora pelo PT e ministra do Meio Ambiente no governo Lula.
Porta-voz nacional da Rede (ao lado de Marina), Zé Gustavo acredita que essa trajetória, assim como o reconhecimento internacional que Marina conquistou, serão ativos importantes na disputa eleitoral. A campanha, diz, também deverá dar destaque a suas realizações no comando do ministério (2003-2008).
“É interessante explorar um pouco mais sua gestão. Houve expansão das áreas de preservação permanente, combate à corrupção no Ibama, ao tráfico de madeira ilegal. Ela tem uma capacidade de ação muito grande e, por alguns preconceitos, isso não é demonstrado. Ela mesma fala pouco sobre isso, precisa falar mais”, defendeu.
Para outras pessoas, porém, isso não parece suficiente para vencer uma eleição presidencial – é preciso alianças e uma estrutura partidária mais robusta, dizem, o que Marina não foi capaz de construir.
Pelo que a BBC Brasil apurou, persistem críticas como as apontadas publicamente por Alfredo Sirkis, um dos idealizadores da Rede, ao deixar o grupo em 2013: Marina tem um “processo decisório caótico”, “reage mal a opiniões discordantes” e se cercou de um “séquito incondicional” de seguidores que mais atrapalha do que ajuda.
As críticas de ex-integrantes da sigla se dirigem aos principais nomes da comissão executiva do partido: além de Zé Gustavo, Bazileu Margarido, Carlos Painel e Heloísa Helena.
“Marina é uma líder nata, tem uma grande expressão, basta ver seu desempenho nas últimas campanhas. Agora, dentro de uma estratégia de discussão de país, não basta a liderança, é preciso ter um aparato que dê sustentação para isso e que faça isso chegar aos eleitores”, afirma o deputado Aliel Machado, um dos que acaba de deixar o partido.
“Marina é maior do que a Rede, mas ao longo desse tempo eu vi que a Rede tem que ser maior do que Marina, inclusive para sustentar Marina. E isso não aconteceu”, lamenta.
Zé Gustavo rebate as críticas e diz que elas vêm de pessoas que perderam discussões internas e não aceitaram a decisão da maioria, como no caso do apoio ao impeachment de Dilma Rousseff, definido, segundo ele, após votação em que 60% concordou com essa posição. Ele diz que Marina é “muito aberta” e que isso que permitiu sua aproximação em 2011, quando a procurou após ficar admirado com a sua primeira campanha.
Aliança com a ‘sociedade’ compensa partidos?
Um exemplo citado pelos críticos para ilustrar a inabilidade do partido liderado por Marina foi a negociação com o PSB para uma possível aliança nacional em 2018. Enquanto tentava atrair o apoio dos socialistas em novembro passado, a Rede decidiu sair dos governos do PSB no Distrito Federal e em Pernambuco.
Segundo Zé Gustavo, “era impossível” para a Rede manter as alianças estaduais porque o PT entrou no governo de Pernambuco e o PSDB no da capital federal. “Não é uma falta de habilidade, mas talvez uma outra forma de ver a política em que o elo nacional não toma todas as decisões. Nacionalmente, temos muito respeito pelo PSB. Não saímos criando caso, não foi uma ruptura”, afirmou.
Ele diz que a Rede segue em conversas para possíveis alianças com PV, PPS e PSB, mas não quis comentar a possibilidade de Marina ser vice do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa. Os peessebistas aguardarão até o início de abril uma resposta de Barbosa sobre a candidatura.
Na cúpula do PSB, uma aliança com Marina Silva é vista como um dos cenários menos prováveis para a eleição deste ano – o último encontro entre a líder da Rede e o presidente do PSB, Carlos Siqueira, foi em dezembro passado.
Para tentar compensar a fragilidade na política partidária, os dirigentes da Rede repetem o discurso de Marina nas últimas eleições: “Nossa diretriz é fazer aliança com a sociedade”, diz a ex-vereadora do PSDB no Rio Andrea Gouvêa Vieira, que coordenará a campanha da pré-candidata.
Questionada sobre por que a antiga estratégia funcionaria agora, Vieira destacou o novo cenário pós-Lava Jato. “Depois das eleições de 2014 ficaram mais explícitos os mecanismos de corrupção que estavam entronizados nos dois partidos (PT e PSDB) que foram para o segundo turno. Agora vamos ter uma eleição em que essa mentira não vai mais existir”, argumentou.
A Rede está em contato com movimentos da sociedade civil recém-criados – já estabeleceu aliança para lançar candidatos do Agora!, entre eles o ex-juiz federal Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, que vai disputar o governo do Tocantins. A sigla ainda conversa com Acredite, Brasil21 e Frente Favela Brasil.
O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, acredita no entanto que essa estratégia deve ser insuficiente para atrair votos suficientes para sua eleição. Além da falta de estrutura partidária nacional dificultar a campanha, ele acredita que hoje, após o impeachment de Dilma, o eleitor estará mais atento à capacidade do candidato governar caso eleito.
“E ela não consegue ter nem cinco parlamentares, ou por incapacidade ou por excesso de virtude, o que na política também é um defeito”, observa.
Sem dinheiro, sem tempo de TV e, talvez, sem debate?
A bancada reduzida de parlamentares da Rede significa também que o partido terá tempo reduzido de propaganda na TV e uma fatia pequena dos recursos públicos que financiarão as campanhas – ambos são distribuídos em proporção ao número de deputados federais das siglas.
Antes mesmo da saída de Aliel Machado e Molon, a Rede teria apenas 12 segundos no bloco de 12 minutos e meio da propaganda eleitoral, segundo levantamento de dezembro do jornal Folha de S.Paulo. Para efeito de comparação, Lula ou outro candidato do PT teria um minuto e 35 segundos, e Geraldo Alckmin (PSDB) teria um minuto e 18 segundos.
A estratégia será buscar doações por meio de crowdfunding (vaquinha online) e usar as redes sociais para divulgar as propostas de Marina e combater informações falsas contra a candidata. Em janeiro, a Rede lançou também um cadastro online para voluntários, que podem se oferecer para colaborar na elaboração do programa de governo, buscando doações ou mesmo produzindo memes ou poesias.
Uma das estratégias usadas nas últimas campanhas que será repetida é a criação de “Casas de Marina”, comitês nas residências dos simpatizantes. “É uma forma das pessoas se sentiram parte da campanha”, explica Zé Gustavo.
Quanto aos debates, os aliados de Marina acreditam que sua projeção vai garantir convites, mesmo que não sejam obrigatórios. O maior problema, no entanto, são os candidatos da Rede a governos estaduais e ao Senado serem excluídos dos debates locais, reduzindo a visibilidade da campanha de Marina nacionalmente. Por isso o partido ainda tenta atrair mais dois parlamentares até o fim da janela de troca partidária, em 7 de abril.
Em sua primeira disputa nacional, a legenda quer lançar ao menos um candidato majoritário por Estado e tem a meta de eleger 18 deputados federais.
Nem centro, nem esquerda, nem direita?
A indefinição ideológica é apontada como outro problema da candidatura de Marina Silva, que se diz “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”.
Em sua plataforma de campanha, ela traz propostas de diferentes espectros políticos, sob o argumento de que busca reunir o que há de melhor nos diferentes campos.
“É uma bricolagem, tenta juntar discurso mais neoliberal, ou seja pró-mercado, com um Estado com preocupação social. Na tentativa de agregar tudo ela pode perder muitos votos”, acredita Maria do Socorro Braga, coordenadora do Núcleo de Estudo dos Partidos Políticos Latino-americanos da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
Para ela, Marina acabou reduzindo seu apoio na esquerda ao escolher Aécio Neves no segundo turno contra Dilma em 2014 e, depois, ao ficar a favor do impeachment. Por outro lado, pondera, o espectro da direita e do centro já está “congestionado” com outros candidatos, como Bolsonaro, Geraldo Alckmin (PSDB) e Rodrigo Maia (DEM).
Braga ressalta, porém, que fragmentação da disputa, com muitos candidatos, pode permitir que Marina chegue ao segundo turno mesmo que não tenha uma votação tão expressiva – aí, suas chances de vitória vão depender do grau de rejeição ao outro candidato. Em 2014, Marina ficou com 21% dos votos no primeiro turno, atrás de Aécio (33,5%) e Dilma (41,6%).
Zé Gustavo contesta que a plataforma de Marina não seja clara e lista as diretrizes principais: “Brasil socialmente justo, economicamente equilibrado, ambientalmente sustentável, politicamente democrático e culturalmente diverso. Isso passa por reforma do Estado, distribuição de renda, responsabilidade social”, explica.
“É um progressismo que é difícil de explicar”, reconhece Andrea Vieira. “Mas podemos traduzir como um movimento progressista da sustentabilidade”, resumiu.
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